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E se viajássemos ao centro da Terra? Julio Verne ficaria bem decepcionado

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

28/07/2020 04h00

No livro "Viagem ao Centro da Terra", o escritor francês Júlio Verne narra a aventura do professor e geólogo alemão Otto Lidenbrock, que ao descer em um vulcão na Islândia chegou ao centro do nosso planeta. No mundo real, uma viagem do tipo seria bem diferente.

No livro, Lidenbrock e seu grupo descobriram um mundo paralelo e fantástico, onde animais como os dinossauros ainda existiam. Acabaram emergindo da aventura em um outro vulcão, localizado na Itália.

Mas na realidade, é bem provável que a jornada durasse só poucos quilômetros. E só encontraríamos dinossauros se cruzássemos com alguma ossada desses habitantes terrestres do passado.

Mal passamos da casca

Até hoje, a maior profundidade já atingida por um ser humano foi de 10,9 km. A marca foi obtida em 23 de janeiro de 1960 por um submersível, uma pequena embarcação mais resistente à pressão do que um submarino convencional.

Em seu interior estavam um oceanógrafo suíço, Jacques Piccard, e um tenente da Marinha dos Estados Unidos, Donald Walsh. A aventura aconteceu na Fossa das Marianas, o ponto mapeado mais profundo do oceano —próximo dos 11 km de profundidade.

Já em terra, a situação é outra. Neste caso, o ponto mais profundo não foi atingido por uma expedição tripulada, mas sim por um buraco escavado em Kola, na Rússia, que se estendeu por pouco mais de 12,2 km.

Seja na terra ou no mar, o que se conseguiu foi descer a uma fração minúscula do que seria uma viagem até o centro do planeta. Para chegar até lá, seria preciso descer 6.371 km, que é o valor do raio do nosso planeta.

E essa viagem seria bem turbulenta.

Você pode morrer esmagado?

Não precisa ser um corpo humano para ter problemas em grandes profundidades. E uma das maiores vilãs dessa história é a pressão, que cresce de maneira absurda conforme descemos ao centro do planeta.

Para se ter ideia, a pressão no centro do planeta pode chegar a 3,6 milhões de atmosferas (atm) —ao nível do mar, essa pressão é de 1 atm. E bastariam poucos quilômetros de profundidade para que a pressão impedisse que um objeto construído por humanos, como uma sonda, ficasse inteiro para mostrar o que há nessas profundezas.

... ou cozido

Se a temperatura média da superfície da Terra é de 15 ºC, as entranhas do planeta não são nada fresquinhas. A 670 km da superfície, a marca já seria de escaldantes 1.700 ºC. E aqui falamos de pouco mais de 10% da distância entre a superfície e o centro do planeta. Ou seja: a coisa fica bem mais tensa conforme descemos.

Cálculos feitos por cientistas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) apontam que a temperatura do núcleo do planeta seja de cerca de 4.530 ºC —ainda que um estudo publicado em 2013 indique que essa temperatura pode chegar próxima dos 6.000 ºC.

Considerando o número menor, é mais do que o suficiente para derreter carbono, o material com o maior ponto de fusão da tabela periódica, e fazer com que ele entre em ebulição. Dentre os metais, apenas o tungstênio não entraria em ebulição a essa temperatura. Já o número maior significaria uma temperatura mais alta do que a da superfície do Sol.

Uma sucessão de camadas

Deixando nossas limitações de lado, uma viagem hipotética ao centro do planeta seria como mergulhar em um bolo recheado com várias camadas de cores diferentes.

Tudo, claro, iria variar de acordo com o local de descida, mas nos primeiros 5 km de viagem cruzaríamos com rochas sedimentares de vários tons de cores distintos, podendo ser vermelhas, amarelas, cinzas etc. Passado esse trecho, a descida encontraria rochas cristalinas da crosta terrestre, compostas por minerais ricos em sílica e alumínio.

Nesses primeiros quilômetros também poderíamos encontrar reservas de água, gás e petróleo.

Descendo mais um pouco e chegando a cerca de 70 km de profundidade estaríamos no manto terrestre, que é a camada mais espessa da Terra —se estende por quase 3.000 km. Nessa zona de transição entre a crosta terrestre e o manto, poderíamos acabar mergulhando sem querer em um bolsão de magma, já que as câmaras que abrigam esse material derretido ficam a uma profundidade que varia dos 15 km aos 150 km.

No manto, seria a vez das rochas metamórficas ricas em ferro e magnésio e com cores mais escuras.

No final do manto, aos cerca de 3.000 km de profundidade, estaríamos no núcleo externo da Terra, local onde as rochas seriam majoritariamente compostas por ferro e níquel e estariam em estado líquido.

E chegamos ao centro!

Descendo mais um bocado, a pouco mais de 5.000 km de profundidade, chegamos ao núcleo interno, que ao que tudo indica é uma massa sólida composta por ferro, níquel e, possivelmente, enxofre.

Sim, você não leu errado: mesmo sem comprovação, há muitas evidências de que o centro da Terra seja sólido, apesar das altas temperaturas. A razão para isso é que a alta pressão eleva consideravelmente os pontos de fusão e ebulição desses elementos, fazendo com que eles permaneçam em estado sólido.

A composição do núcleo terrestre tem a ver com a própria formação do nosso planeta e também com um processo no qual materiais mais densos, pela força da gravidade, tendem a se concentrar no núcleo de corpos celestes como os planetas. É a chamada diferenciação planetária.

Fontes:

Gelvam A. Hartmann, professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp); Eder Cassola Molina, professor do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP); e Alessandro Batezelli, professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp)