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Thiago Gonçalves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Entenda a ciência por trás das descobertas que 'mudam tudo que já sabemos'

Impressão artística cedida pelo Observatório Europeu Austral (ESO) registra o entorno de um buraco negro supermassivo - L.Calcada/ESO/EFE
Impressão artística cedida pelo Observatório Europeu Austral (ESO) registra o entorno de um buraco negro supermassivo Imagem: L.Calcada/ESO/EFE

03/05/2023 04h00

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Há algumas semanas, comentei aqui sobre a possível descoberta de um buraco negro que teria sido ejetado de sua galáxia hospedeira. Era um caso interessante, com um enorme rastro de quase 200 mil anos-luz deixado pelo objeto.

Agora, um trabalho liderado por Jorge Sánchez Almeida, do Instituto de Astrofísica de Canarias, na Espanha, oferece uma explicação diferente. O que havia sido descrito como o rastro de um buraco negro seria apenas uma galáxia muito fina, vista de perfil.

Com dados mais profundos que o trabalho original, a equipe de Sánchez Almeida mostrou que o gás ionizado detectado apresenta características claras de rotação, exatamente como veríamos em uma galáxia como a Via Láctea se a estivéssemos observando de perfil: um lado está se afastando de nós enquanto o outro se aproxima.

A comparação com outra galáxia já conhecida, IC 5249, é convincente: os dois objetos são muito semelhantes, e a explicação faz todo o sentido. O rastro não seria um rastro, mas simplesmente outra galáxia.

E agora, como decidir quem está certo?

Ainda não sabemos. Acredito que mais dados e mais trabalhos virão para tentar oferecer uma solução definitiva para o problema.

O caso é uma oportunidade interessante para discutir como os resultados científicos, sobretudo aqueles mais recentes, não são definitivos. As duas explicações são plausíveis, e ainda não há um veredito final, com dados categóricos capazes de excluir uma das explicações.

A ciência é cheia de casos parecidos, e o debate é saudável. É a própria essência do método científico: formular hipóteses e testá-las, confirmando-as ou descartando-as de acordo com os experimentos —ou no caso da astronomia, de acordo com as observações com telescópios.

No entanto, na busca por cliques, vejo cada vez mais na imprensa e nas redes sociais um sensacionalismo exagerado, que busca transformar resultados inesperados em um grande mistério fundamental da ciência, como se "tudo que soubéssemos estivesse errado".

O exemplo mais recente é a enxurrada de novos resultados do telescópio espacial James Webb.

Este observatório está encontrando muitas galáxias grandes e maduras a grandes distâncias, ou seja, quando o universo era muito jovem.

É realmente um resultado inesperado, afinal nossos modelos preveem galáxias pequenas e jovens nessa época, tendo em vista que não haveria tempo suficiente para que elas crescessem tanto.

As explicações para isso variam.

  • Pode ser que tenhamos que repensar nossos modelos de formação de galáxias, para levar em conta que elas podem ter crescido de forma diferente no primeiro bilhão de anos do universo.
  • Pode ser também que tudo seja resultado de um erro de calibração, já que o telescópio é novo e ainda está, de certa forma, em fase de testes.

De qualquer maneira, o que não podemos dizer é que isso põe em cheque o modelo do Big Bang, como vi em vários canais de notícias.

Seria uma explicação possível? Sim, seria, mas isso geraria problemas com diversos outros resultados e modelos construídos ao longo dos últimos 100 anos.

Assim, o sensacionalismo bate de frente com o entendimento estabelecido e o próprio método científico.

Pior, ao colocar em dúvida de forma leviana os modelos clássicos, estamos abrindo as portas para um questionamento mais fundamental dos cientistas em todos os campos, oferecendo uma base artificial para argumentos antivacinação, por exemplo.

Não é mais um debate ou divulgação científica, é um movimento caça-cliques que se aproveita da ciência para seus próprios fins.