Como um funkeiro mirim quase proibiu a venda de "GTA" no mundo inteiro
Conheça a história de MC Miltinho, que aos seis anos emplacou uma música em "GTA IV" - e por enquanto não recebeu nada por isso
O ano era 2010. "Grand Theft Auto IV" vendia como água pelo mundo afora: quebrou recordes ao arrecadar US$ 310 milhões no primeiro dia de vendas e US$ 500 milhões em uma semana. Dá pra comprar muito cordão de ouro com esse dinheiro, diga-se de passagem.
Estes números assombrosos não impediram a juíza Leonete Maria da Silva de 'martelar o martelão' da justiça e mostrar quem manda no bonde. A responsável pela 3ª Vara Cível de Barueri (SP) ordenou, no dia 18 de outubro daquele mesmo ano, que o jogo fosse recolhido das prateleiras. E não só do Brasil: Do. Mundo. Todo.
O motivo? A reivindicação dos direitos da música "Conga Kid", que se encontrava no game pela rádio Electro-Choc e foi inserida com a segunda expansão de "GTA IV", "The Ballad of Gay Tony".
MC Miltinho, MC Batata e o alemão vacilão
Vamos ao início da treta. Basicamente, o processo jurídico aconteceu por conta de a música ter sido inserida de forma irregular. A versão do game foi produzida por Daniel Haaksman, um italiano radicado em Berlim e que diz até hoje em entrevistas que adora um ritmo mais... latino.
O produtor, já famoso no mercado musical, morou no Rio de Janeiro durante uma época de sua vida e aproveitou para fundar sua gravadora Man Recordings, em meados de 2005.
Pela proximidade com a cultura carioca, Haaksman conheceu um dos grandes hits do funk em 2009, "Bota o Dedinho pro Alto", cujo cantor era ninguém menos senão o funkeiro mirim Milton Luiz Lourenço, mais conhecido nas quebradas como MC Miltinho.
De acordo com Hamilton, pai do funkeiro mirim, ele caiu em um golpe - praticamente uma 'Grand Roubada' - para não receber direitos autorais. “No dia e hora marcados para assinar o acordo com um representante da Man Recording me pediram para filmar o meu filho dançando e cantando a música. Não achei nada demais”, disse em uma entrevista ao jornal O Dia.
Deu ruim: o vídeo acabou no YouTube e, em pouco tempo, tornou-se febre na Alemanha e em diversos outros países como o Chile, cuja melodia virou um dos toques mais baixados para celulares na época.
MC Batata e MC Miltinho entraram em uma verdadeira cilada, sem receber absolutamente nada.
O UOL Jogos tentou entrar em contato com Daniel Haaksman e a gravadora Man Recordings, mas não obteve sucesso.
Foi o maior caô
Com a ajuda do advogado Thiago Jabur Carneiro, especialista em propriedade intelectual, no dia 24 de maio de 2010 Hamilton entrou em uma ação no valor de R$ 500 mil contra a Rockstar Games e a Synergex, empresa responsável pela distribuição do game no Brasil.
A Rockstar apresentou um termo de autorização do uso da música, mas um laudo mostrou que a assinatura no documento não batia com a de MC Batata. Não era para menos: o nome assinado estava grifado como 'Amilton', sem H.
Dessa forma, no histórico dia 18 de outubro de 2010, a senhora juíza Leonete deu uma moral pesada e decidiu que o game deveria ser retirado das prateleiras de todo o mundo em apenas 48 horas - sob pena de multa diária de R$ 5 mil. Se deu certo? Bem...
Peixinho contra tubarão
"A ordem da juíza era para o Brasil e o mundo inteiro. Esta foi a primeira decisão com ordem internacional, mas que depois foi anulada pelo Tribunal de Justiça por força de um recurso que a Rockstar fez", declarou o advogado Thiago Carneiro ao UOL Jogos.
"É um processo burocrático, depois que você emite uma ordem, ainda precisa enviá-la para outros países. Como isso durou por três semanas, não deu tempo de ser formalizada no Brasil e ser recebida pela justiça de outros países. Não houve proibição de venda internacional porque a ordem vigorou por pouco tempo."
Hoje, sete anos depois do início deste processo, a juíza responsável pela ação até já se aposentou, e no lugar entrou o juiz Raul de Aguiar Ribeiro Filho.
"Não pedimos mais a proibição e nos concentramos na indenização, tanto moral quanto material. Na época que o jogo tinha sido lançado, a proibição era pertinente, mas hoje ele é muito pouco comercializado", explica Carneiro.
A demora, segundo ele, ocorre por conta do acúmulo de serviço no Cartório de Barueri.
"Sete anos é desproporcional. É injustiça, principalmente vendo um menino que viveu em uma comunidade do Rio de Janeiro, uma pessoa carente que precisa desses recursos para sobreviver, e do outro lado uma empresa multibilionária."
Negociando com os donos da grana
Pelo tempo decorrido, os advogados de Miltinho resolveram agir por conta própria e fizeram um acordo com os requeridos do processo.
Com exclusividade ao UOL Jogos, os defensores da Rockstar e Synergex - que hoje em dia nem existe mais - enviaram a seguinte declaração, atribuída à Take-Two Interactive Software (multinacional proprietária da Rockstar):
“A Take-Two foi envolvida em conflito envolvendo um produtor musical e um artista local, e firmou acordo por um valor semelhante ao valor de uma licença de música para os seus jogos. Estamos felizes que o caso tenha sido resolvido.”
Confirmando o ajuste recém firmado, o advogado Carneiro conta que, por conta de uma cláusula de confidencialidade, nenhum dos envolvidos pode dar uma de X9 e falar os termos combinados entre as partes.
"Finalmente conseguimos entrar em acordo depois de sete anos de processo. Estamos finalizando a assinatura e o processo vai acabar, vamos informar ao juiz e ele precisa homologar. Só não podemos divulgar valores ou a data do recebimento da indenização", finaliza Thiago.
Coé agora?
Se quando era criança, o MC participou de diversos programas na televisão aberta, atualmente ele sequer é notado no YouTube. Sua última produção de maior respiro rolou em 2011, aos oito anos, com um funk chamado "Nossa Força".
A letra parece quase um protesto à situação pela qual passou na época:
"Nossa força vem
Vem do coração
Sou apenas mais um pobre querendo ganhar meu pão
A ganância que te cega
O produto te consome
Todo mundo segue a regra dominada pelo homem"
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