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Ricardo Feltrin

REPORTAGEM

Exclusivo: Cinemateca na Vila Leopoldina foi instalada sobre "lixão"

Incêndio no galpão da Cinemateca Brasileira na Vila Leopoldina, no último dia 29 de julho - Reprodução
Incêndio no galpão da Cinemateca Brasileira na Vila Leopoldina, no último dia 29 de julho Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

09/08/2021 02h16

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Nova notícia que ameaça, ainda mais, uma boa parte do acervo audiovisual brasileiro: a unidade da Cinemateca localizada na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, está assentada sobre um antigo lixão.

O solo local é contaminado, e a contaminação pode já ter sido repassada para o acervo de filmes e documentos.

Em outras palavras: a Cinemateca jamais deveria ter sido instalada nesse lugar. Esse erro monumental foi cometido por gestões anteriores que não o governo Bolsonaro, bom lembrar.

No entanto, o atual governo já sabe de tudo isso pelo menos desde 2019. A coluna teve acesso exclusivo aos laudos que comprovam o solo contaminado.

Quem descobriu tudo isso foi a Associação Cultural e Educativa Roquette Pinto (Acerp), que geria a Cinemateca, mas foi "expulsa" em agosto de 2020 pelo governo Bolsonaro (ex-ministro de Turismo Marcelo Álvaro Antônio e secretário de Cultura Mário Frias). Apesar do aviso, nada foi feito.

Mais um incêndio

Parte da Cinemateca Leopoldina pegou fogo no último dia 29.

Segundo a Cetesb, não há nenhuma relação entre o incêndio e o fato de o local ter sido um lixão.

Porém, em nota enviada à coluna, o órgão estadual afirma que são necessários estudos para saber se o incêndio não acabou por contaminar o acervo ainda mais (veja íntegra da nota ao final do texto). Isso porque o fogo sobre solo contaminado pode apenas agravar essa situação.

Solos contaminados, especialmente de lixões, podem dissipar gases não só inflamáveis, mas tóxicos para pessoas e também destrutivos para com o material ali armazenado.

O terreno da Cinemateca Leopoldina pertence à União. Para ser utilizado ele teria de passar por um longo —e caro— processo de descontaminação.

Além disso, no início do ano passado o local foi "palco" de uma enorme enchente que também já havia contaminado ou destruído boa parte do acervo —que está sem nenhum tipo de tratamento há mais de um ano.

Temeridade

Se o leitores acham que as más notícias acabaram por aqui, sentem-se pois lá vem (mais) história.

Ciente agora da contaminação e dos riscos de incêndio na Vila Leopoldina, o governo federal está promovendo às escondidas e às pressas a mudança do acervo de lá para a unidade da Cinemateca da Vila Clementino, zona sul de SP.

Acontece que esse processo está sendo feito sem os devidos tratamento e descontaminação do material que estava na Vila Leopoldina.

Além disso, a unidade da Cinemateca na Vila Clementino/Vila Mariana está sobrecarregada e com sua infraestrutura bastante comprometida.

Seriam necessários milhões de reais em reformas e adaptações antes de receber mais material.

Com um adendo: nenhum país desenvolvido do mundo guarda todo seu acervo em um só lugar. Por questões de segurança ele sempre é dividido em mais de um lugar.

Acervo em risco iminente

Se na Vila Leopoldina há um acervo de quase 80 mil filmes, na Vila Clementino existem cerca de 200 mil deles guardados, além de uma infinidade de documentos.

Inclusive ali estão os temidos acervos de rolos em nitrato, que não só "derretem" sem o devido tratamento, como são ainda mais inflamáveis que os filmes comuns. Os filmes de nitrato são originais da primeira metade do século 20.

Além disso, a Cinemateca da Vila Clementino está em uma área residencial, o que aumenta os riscos para a população do entorno.

Outros lados - Cetesb

Procurada, a Cetesb, por meio de sua assessoria, enviou a seguinte nota:

"Não é correto fazer qualquer relação entre as contaminações presentes no imóvel com o incêndio ocorrido recentemente.

A Cinemateca Brasileira apresentou à CETESB, em 03/08, uma investigação detalhada, avaliação de risco e plano de intervenção, realizada antes do incêndio, etapas previstas no procedimento para o gerenciamento de área contaminada, que está em análise.

Além disso, o recente incêndio não traz impedimentos para a continuidade das ações necessárias para a remediação da contaminação, mas outras exigências técnicas poderão ser primordiais para avaliar se o incêndio atuou também como nova fonte de contaminação para o imóvel."

Nota: Em nenhum momento a coluna afirmou que o incêndio foi causado pelo solo contaminado ou ex-lixão. Apenas ressaltou que esse tipo de solo favorece incêndios (se é que a palavra "favorecer" pode ser usada).

Outros lados - Governo federal

A coluna está tentando entrar em contato com a Secretaria Nacional de Cultura, para que comente o assunto e explique o porquê de estar transferindo material contaminado de uma unidade da Cinemateca para outra.

Até o momento ninguém foi localizado. Se e quando a Secult se pronunciar, terá sua versão incluída neste texto.

Outros lados - Prefeitura de SP

A coluna também entrou em contato com a Prefeitura de SP para saber por que está sendo permitido que material contaminado de um imóvel da União esteja sendo transferido para um imóvel do município sem os devidos tratamento e segurança.

Assim que a prefeitura se manifestar, sua posição será incluída neste texto.

Apesar da indignação de autoridades não federais, como o governador do Estado, João Dória, e da prefeitura e Câmara de São Paulo, até o momento ninguém tomou nenhuma medida para tentar resolver a questão de fato.

Muito menos no governo Bolsonaro.

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