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Ricardo Feltrin

Opinião: Futuro de Dani Calabresa na TV está ameaçado

Após denunciar assédio, Dani Calabresa corre risco - Reprodução/Instagram
Após denunciar assédio, Dani Calabresa corre risco Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

06/12/2020 12h42

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Quase um ano depois de ter sido exposto e acusado de assediar atrizes da Globo, Marcius Melhem, 48, deve acabar se safando.

Digo isso não como profeta, pitonisa ou cassandra, mas escaldado e assustado pelo que estou ouvindo de fontes na Globo nas últimas 48 horas.

Segundo essas fontes (conquistadas ao longo de 23 anos cobrindo TV) nem parece que Melhem é culpado de nada.

Depois de supostamente (sou obrigado legal e jornalisticamente a usar esse advérbio) usar do próprio cargo contra colegas, e de o caso ter sido acobertado ou subestimado pela própria emissora —e parte da imprensa— por quase um ano, o ex-"diretor" de humor admite que errou.

Em nota enviada neste domingo (06) à coluna, ele admite que errou, quer reparar seus erros e pede o benefício da dúvida.

Afirma ainda que o recurso do "off" (quando um jornalista publica informações sem informar as fontes) "nunca foi usado tão sem parcimônia para destruir uma pessoa sem abrir espaço para a dúvida" (veja a íntegra da nota ao final deste texto).

Reservadamente, o ex-diretor de humor da Globo se considera "injustiçado" e de quase "vítima" de uma conspiração.

É isso mesmo que vocês leram.

Em apenas 48 horas Melhem está conseguindo trocar a própria posição: não é nenhum vilão, e sim também uma vítima, um incompreendido, um injustiçado.

Após a nova matéria da "piauí", anteontem, ele até parece se arrepender por um segundo, mas volta atrás rapidinho ("fui tóxico mas sou inocente", disse de forma geral).

E ainda diz que vai processar Calabresa e sua advogada. Espernear é algo que ele definitivamente tem direito.

Sim, ele recebe solidariedade

Mas, o mais espantoso, segundo esta coluna apurou, é que, na surdina, Melhem está recebendo apoio e solidariedade de muitos famosos da Globo —a maioria da área de humor, inclusive.

Infelizmente não tenho provas materiais, portanto não posso nomear os bois. Mas, adoraria.

Só garanto que a lista é enorme e faria vocês ficarem de queixo caído —tal o número de artistas mulheres que está se colocando do lado dele e contra Calabresa. Para alguns (algumas) ela também não tem recebido nem o benefício da dúvida.

Aliás, é possível contar nos dedos quantos artistas da emissora saíram publicamente em defesa dela.

Como diz uma expressão muito usada em redes sociais: é covardia que chama?

Dezembro de 2019

Coube ao jornalista Leo Dias (então no UOL) revelar o caso em dezembro do ano passado. E descobri mais: Leo não foi o primeiro a saber da denúncia contra Melhem, embora tenha sido o primeiro a revelá-la corajosamente.

Soube que ao menos outros dois jornalistas do mundo do entretenimento (infelizmente e para sorte de Melhem eu não fui um deles) foram avisados por um famoso ex-diretor de TV do caso de Dani Calabresa.

No entanto, decidiram não publicar nada.

Dúvida? Descrença? Amizade com o acusado? Receio de ser mal visto ou ter portas fechadas a informações sobre a emissora líder?

Não posso responder, mas enquanto isso, nos bastidores, vários globais passam pano e a mão na cabeça dele e culpam a vítima.

É Dani que está em risco, não Melhem

Essa "inversão" da culpa não é nenhuma novidade num país e num setor (a TV) asquerosamente machista em que o poder é exercido também pelo assédio sexual.

O ex-hollywoodiano Harvey Weinstein e quase seus 30 anos de abusos sexuais estão aí para não me deixar mentir.

Tanto que no mundo da TV sempre ouvimos falar no famoso "teste do sofá" (o certo seria chamar de teste do motel) —que definitivamente é uma realidade, e não uma lenda

Dito tudo isso, quem está com a carreira em risco agora, quem corre risco mesmo de "sumir" do mapa televisivo por causa do escândalo, não é só o acusado, mas também a vítima: Dani Calabresa.

Sinceramente não sei como ela conseguirá atravessar a catraca do Projac amanhã ou depois. Só sei que vai conseguir, porque é mulher e profissional corajosa, além de claramente ser uma fortaleza.

Afinal, foi preciso que ela fosse desrespeitada por anos, antes que sua paciência acabasse e ela decidisse informar aos seus superiores o inferno que estava passando.

Pois o inferno de Dani ainda nem começou. Ela precisará ainda de mais coragem para o que vai enfrentar agora e adiante.

Agora é obrigação da Globo, da imprensa e até da sociedade protegê-la.

Se ela precisa de outro tipo de ajuda? Claro que não. Talentosa, inteligente e criativa, sua história na TV (e no cinema) já fala por si.

Mas, é preciso impedir que ela seja estigmatizada e perseguida justamente por ter tido coragem.

Repito: ela precisa ser protegida também da própria Globo e de seus detratores covardes internos.

Já ouvi (e li) de algumas pessoas: "Ainnn, mas e se ela estiver mentindo?"

Pergunto: por que ela faria isso? Por que afundaria a própria vida e uma carreira num mar de lama sem ter nada a ganhar e tudo a perder? Para chamar a atenção? Doença?

Difícil crer nisso, não?

Além disso vamos deixar claro que prestar solidariedade a quem quer que seja não é crime. Isso é uma decisão individual e de consciência.

Apenas para registro, encerro este texto com a carta que os "colegas" de Dani assinaram no início deste ano em defesa de Melhem, após o escândalo revelado por Leo Dias no ano passado.

"Durante as nossas férias fomos surpreendidos com a publicação 'coordenador da área de humor da Globo é denunciado por assédio moral', veiculada em 26/12/2019 em O Dia e UOL pelo colunista Leo Dias com o subtítulo 'Marcius Melhem está sendo denunciado por assédio moral por uma série de atrizes do núcleo de humor da emissora'.

Sobre isso, nós, profissionais ligados ao programa Zorra abaixo-assinados registramos aqui o nosso inconformismo com o teor da nota e declaramos à direção da Globo que o nosso colega Marcius Melhem em tempo algum praticou assédio moral com qualquer um de nós.

Temos todos ali uma relação baseada no diálogo, profissionalismo e respeito. Toda solidariedade a Marcius Melhem".

Outro lado

Em nota enviada à coluna neste domingo, Marcius Melhem, por meio da assessoria de sua defesa, fala sobre a coluna publicada ontem, sobre o caso. A coluna vai republicá-la aqui.

Na nota ele admite "muitos erros", diz que quer repará-los, mas pede o benefício da dúvida até tudo ser esclarecido. Também refuta o adjetivo de "predador" (usado pela coluna).

Ele também criticou o uso do "off" (quando um jornalista publica informações de fontes não identificadas, pelos mais diversos motivos) e diz que isso está sendo feito como forma de "linchamento".

Veja abaixo a íntegra da nota:

"Caro Ricardo,

Li sua análise baseada em fontes anônimas de que de autor dedicado virei um "predador" que encurrala mulheres nos corredores da TV ao me tornar executivo, há 3 anos. O off é um recurso consagrado, mas poucas vezes na história foi usado tão sem parcimônia para destruir uma pessoa sem abrir espaço para a dúvida e o direito de defesa. Permita-me, por favor, chamar sua atenção para alguns pontos.

1 - Eu não fui executivo da TV Globo por três anos, mas por um ano e meio.

2 - Na matéria da Folha, assinada pela colunista Mônica Bergamo, está dito que a maioria das situações relatadas, inclusive a da Dani Calabresa, teria acontecido antes de eu ser diretor. E agora esse grupo do off diz que eu teria mudado e me tornado um predador quando me tornei executivo da empresa.

3 - A expressão "encurralar vítimas em corredores" tem sido repetida a todo momento. Conheci poucos lugares no mundo com mais câmeras do que a Rede Globo. Que corredores são esses? Ninguém passa por eles? Jamais isso foi visto ou relatado? Na revista Piauí me acusaram, em off, de invadir o camarim do Projac para ver a Dani Calabresa de maiô em uma gravação que, na verdade, aconteceu sem minha presença, em ambiente externo, a vários quilômetros do Projac (nota: a coluna havia usado a expressão "encurralar em corredores", mas a retirou por não haver provas materiais até o momento).

4 - Seu texto adjetiva a matéria da "Piauí" como "brilhante". É uma opinião, devo respeitá-la, mas, se for possível, permita-me dizer que o fato de ter muitos detalhes não a torna verdadeira. Aliás, a Monica Bergamo, citada na Piauí, foi ao Twitter no mesmo dia explicar que a pequena parte que citava ela estava errada. Imagine a minha parte!

Ricardo, muitos foram meus erros. Quero reconhecê-los e me responsabilizar por eles. Mas permita-me fazer um apelo à consciência daqueles que lincham sem considerar o direito à dúvida, baseados em uma narrativa sem provas e sem considerar a hipótese de haver motivações inconfessáveis por trás de acusações anônimas.

Outro lado 2 - Globo

"A Globo não comenta questões de "compliance", mas reafirma que todo relato de assédio, moral ou sexual, é apurado criteriosamente assim que a empresa toma conhecimento. A Globo não tolera comportamentos abusivos em suas equipes e incentiva que qualquer abuso seja denunciado.

Neste sentido, mantém um canal aberto para denúncias de violação às regras do Código de Ética do Grupo Globo. Por esse Código, assumimos o compromisso de sigilo do processo, assim como o de investigar, não fazer comentários sobre as apurações e tomar as medidas cabíveis, que podem ir de uma advertência até o desligamento do colaborador. Mesmo nas hipóteses de desligamento, as razões de "compliance" não são tornadas públicas.

Somos muito criteriosos para que os estilos de gestão estejam adequados aos comportamentos e posturas que a Globo quer incentivar e para que as medidas adotadas estejam de acordo com o que foi apurado. Não foi diferente nesse caso. O acolhimento e a empatia com quem relata situações de violação do Código de Ética são pontos essenciais do programa de "compliance" da empresa.

Isso não quer dizer que os processos de "compliance" sejam estáticos. Ao contrário.

Eles evoluem constantemente para acompanhar as discussões da sociedade. As práticas e as avaliações são revistas o tempo inteiro, assim como são propostas e acolhidas sugestões de melhoria nos mecanismos de comunicação interna. A própria sociedade está se transformando e a empresa acompanha esse processo."

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