Livros no Centro: Leitora viajou até o Chile para conhecer poeta favorito

Você viajaria mais de três mil quilômetros para encontrar seu escritor favorito? Pois a arquiteta, professora e tradutora Joana Barossi fez várias viagens até o Chile para conhecer seu poeta favorito, o chileno Nicanor Parra.

A história de Joana e de sua peregrinação para conhecer Parra é o tema de "O País dos Poetas", o quinto episódio do podcast Livros no Centro, uma produção da Livraria Megafauna com distribuição do UOL (você pode ouvir o programa completo no arquivo acima).

Nicanor Parra foi um dos poetas chilenos mais importantes do século 20. Ele é o criador da antipoesia, autor de um texto debochado, provocador e que rejeita formas muito requintadas e distantes do idioma popular.

Na vida e na escrita, Parra fez as próprias leis. Ele se interessava em surpreender pelo sarcasmo, pela desordem, cutucar o leitor. Seu livro "Poemas y Antipoemas", publicado nos anos 1950, revolucionou a poesia sul-americana e influenciou gerações de autores no mundo todo.

O primeiro contato de Joana com a obra de Parra foi justamente por conta do "Poemas y Antipoemas", que ganhou de presente de um amigo colombiano com uma dedicatória inusitada. "Foi esse livrinho que levei para uma das viagens que fui, a primeira, uma das primeiras que fui para o Chile", conta a partir de 4:52.

A viagem que inaugurou a relação da arquiteta, professora e tradutora com o Chile e a poesia chilena aconteceu em 2010. Ela visitou os lugares sobre os quais o Parra falava nos poemas, e saiu à procura de livros dele para trazer para São Paulo. Naquela época, tinha pouco do autor vertido ao português, apenas o volume "Nicanor Parra & Vinícius de Moraes", publicado pela Academia Brasileira de Letras e Academia Chilena de la Lengua em 2009.

Em 2012, por conta de um compromisso profissional, Joana teve que voltar ao Chile. Mas a visita ultrapassou as demandas do trabalho porque, meses antes, aqui no Brasil, ela conheceu o escritor que mudou a direção dessa história: Alejandro Zambra. "Fui para Flip e conheci o Alejandro lá. E daí essa foi a ponte. Acho que para mim o principal, porque a gente se conheceu e depois a gente trocou uns e-mails e falando do Parra. E daí eu falei que eu iria. E ele falou para a gente se encontrar", relembra. (Ouça a partir de 7:05).

Alejandro Zambra é um escritor chileno radicado no México. Ele faz parte de uma das gerações de escritores no país que foram influenciadas pela obra do Parra. E, mais do que isso, trabalhou como editor do poeta quando ainda morava no Chile.

A ida ao Chile e as trocas sobre livros fortaleceram a amizade dos dois, que continuou por trocas de e-mails depois que ela voltou para o Brasil. Essa conversa toda também intensificou o encanto de Joana por Nicanor Parra. E a convicção de que ela precisava conhecê-lo.

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Voltou ao Chile e, na primeira ida à casa do poeta, Joana foi de ônibus, sozinha, com a ajuda de um mapinha impresso e do que ela lembrava de ter visto em fotos da fachada da casa dele, na região de Las Cruces, cerca de cem quilômetros de Santiago. Ela ficou por um tempo espiando o Parra pela fresta do portão e pensando no que iria fazer, qual seria o próximo passo. Em 14:37, ela diz: "Não imaginei que, de fato, eu ia vê-lo. Fiquei só no bato ou não bato. E estava angustiada".

Joana se viu dividida: por um lado uma convocação interna a estimulava para o encontro com que tanto sonhou, do jeito que fosse; por outro, ter ido até lá e vê-lo de longe já era quase suficiente.

No fim das contas, o chamado selvagem que a fez viajar milhares de quilômetros até o Chile em busca do poeta perdeu espaço para o medo de meter os pés pelas mãos e se arrepender do encontro. "Não quero ser recebida desse jeito. Acho que é melhor eu ficar com essa loucura de vir até aqui, atravessar o continente. E não falar com o cara", relembrou a partir de 15:33.

Joana voltou para o Brasil de mãos abanando. Viu ali a miniatura do ídolo por uma lateral na casa do vizinho e bateu em retirada. Meses depois, ela decidiu que precisava voltar para o Chile para de fato encontrá-lo. E o Zambra entrou de novo em cena.

Numa manhãzinha, os dois pegaram o carro e seguiram em direção a Las Cruces. Aquele mesmo ponto da longa costa chilena em que ela tinha estado não muito tempo antes - e do qual tinha fugido. Só que desta vez Nicanor Parra já estava sabendo da visita, que tinha sido agendada pelo romancista chileno.

À época já traduzindo poemas que dariam origem, anos depois, à antologia "Só Para Maiores de Cem Anos", lançada pela Editora 34 em 2018, Joana finalmente conseguiu se encontrar com o autor. Ele logo quis saber se a Joana era jornalista. Segundo ele, a imprensa distorcia suas declarações.

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Quando soube que ela não era jornalista, mas estava traduzindo seus poemas, Parra disse que não responderia nenhuma pergunta sobre tradução. Joana relembra o que ele disse a ela: "Não leio traduções, não só dos meus poemas, não leio tradução nenhuma" (Ouça a partir de 21:18).

Mas o encontro não foi só aridez. Parra contou sobre a família para Joana, mostrou um álbum de fotos com memórias felizes, conversaram sobre literatura.

Para saber mais sobre o momento em que uma leitora ficou cara a cara com seu escritor favorito - e depois sobre como ela se tornou inspiração para a personagem do romance mais recente de Zambra —, ouça o episódio "O país dos poetas" do podcast Livros no Centro, que é apresentado por Rita Palmeira, curadora da livraria Megafauna, e por Flávia Santos, livreira e coordenadora da loja. O livreiro Melvim Brito também participa deste episódio.

Você pode ouvir o podcast quinzenal --publicado sempre às quartas-feiras-- em Splash, no YouTube, no Spotify ou em sua plataforma de áudio favorita.

Lista de livros citados no episódio 5:

"Só Para Maiores de Cem Anos", Nicanor Parra (sel. e trad. Joana Barossi e Cide Piquet, Editora 34)
"Nicanor Parra & Vinícius de Moraes" (trad. e introd. Carlos Nejar e Maximino Fernández ABL/ACL).
"Rei Lear, Shakespeare" (trad., posf. e notas Rodrigo Lacerda, Editora 34)
"Poeta Chileno", Alejandro Zambra (trad. Miguel Del Castillo, Companhia das Letras)
"Bonsai", Alejandro Zambra (trad. Josely Vianna Baptista) - em Ficção: 2006-2014 (Companhia das Letras)
"Garotas em Tempos Suspensos", Tamara Kamenszain (trad. e posfácio Paloma Vidal, Círculo de Poemas)
"Antologia", Adília Lopes (CosacNaify/7Letras)
"Um Jogo Bastante Perigoso", Adília Lopes (Moinhos) - esgotado
"Gramática Expositiva do Chão", Manoel de Barros (Alfaguara)
"De Uma a Outra Ilha", Ana Martins Marques (Círculo de Poemas)
"Engano Geográfico", Marília Garcia (7Letras)
"A Universidade Desconhecida", Roberto Bolaño (trad. Josely Vianna Baptista, Companhia das Letras)
"Os Detetives Selvagens", Roberto Bolaño (trad. Eduardo Brandão, Companhia das Letras)
"2666", Roberto Bolaño (trad. Eduardo Brandão, Companhia das Letras)
"A Mais Recôndita Memória dos Homens", Mohamed Mbougar Sarr (trad. Diogo Cardoso, Fósforo)
"A Paixão Segundo GH", Clarice Lispector (Rocco)
"A Pediatra", Andrea del Fuego (Companhia das Letras)
"Um Apartamento em Urano", de Paul B. Preciado (trad. Eliana Aguiar, Zahar)
"Um País Terrível: um Romance sobre a Rússia", Keith Gessen (trad.Bernardo Ajzenberg e Maria Cecilia Brandi, Todavia)

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