Poze do Rodo: cancelamento de show após pedido de bolsonaristas é censura?

MC Poze do Rodo, 24, teve um show cancelado no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, após críticas de deputados estaduais bolsonaristas. O espaço é de responsabilidade da Funarj, fundação que administra de diversos espaços culturais no estado.

Os deputados acusaram o artista, um os principais do trap e funk, na plenária da Alerj, a fazer "apologia" ao crime organizado por meio das letras das músicas. A Funarj, na sequência, atendeu o pedido. Esse cancelamento pode ser entendido como censura?

Para o advogado Jeyzel Credidio, especializado em Direito Penal, o cancelamento pode ser considerado censura. Ele cita o artigo 5ª da Constituição: "É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". O especialista ainda diz que o ocorrido nos remete aos tempos da ditadura.

"Essa perseguição se tornou uma triste parte do nosso cotidiano nos tempos atuais. Se engana, porém, quem acredita que a censura possui um único viés ideológico, isso porque ambos espectros políticos fazem uso da censura para impedir que representações artísticas ocorram, como visto no caso do comediante Leo Lins, por exemplo."

"Poze do Rodo e tantos outros artistas são ceifados de seus direitos sob argumentações diversas, mas que sempre estão roupados pela justificativa da proteção do coletivo, como forma de argumentar e alcançar um objetivo pessoal ou político. Quem perde, sempre, é a sociedade e o artista", completa o advogado.

O deputado Anderson Moraes (PL), que se define como "bolsonarista, conservador e cristão", liderou a petição contra o show do MC. Em contato com Splash, ele mantém seu posicionamento e nega censura. "A Funarj agiu corretamente. Diversos parlamentares solicitaram o que todos já perceberam ouvindo as composições do MC Poze, como apologia ao Comando Vermelho e machismo, ao se referir às mulheres, coisificando-as, dentre outras letras lamentáveis. O poder público não pode apoiar isso".

"De maneira alguma houve censura. Poderia ser contratado qualquer artista do Funk ou outro gênero musical predominante em comunidade. A questão são letras que estimulam e exaltam atos criminosos, influenciando sobretudo a juventude a cometer delitos. Saudade do Claudinho e Buchecha", completa o deputado.

Splash fez contato com a Mainstreet, gravadora do MC Poze do Rodo, por meio de sua assessoria de imprensa, mas ela preferiu não se pronunciar.

Réu em processo

Em julho de 2020, MC Poze do Rodo foi denunciado pelo Ministério Público do Rio por associação ao tráfico. A prisão preventiva do MC foi decretada, mas a defesa conseguiu a revogação do pedido. O artista é um dos principais nomes do trap e do funk atualmente, com 5,8 milhões de ouvintes mensais somente no Spotify.

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Splash apurou que o processo segue em andamento no Tribunal de Justiça do Rio e que Poze, por meio de seus advogados, responde à justiça quando solicitado. De acordo com o inquérito, Poze integra a maior facção criminosa do Rio — o Comando Vermelho. Até a publicação da reportagem, não há qualquer condenação contra o artista sobre associação ao tráfico, nem impedimento a viagens e realizações de shows.

Em 2021, a Polícia Civil do Rio de Janeiro chegou a pedir sua prisão por se apresentar durante a pandemia e, novamente, por associação ao tráfico — este último porque, segundo a polícia, há tráfico de drogas nos bailes em que ele se apresenta.

Na época, o advogado criminalista Joel Luiz Costa apontou que essa interpretação da lei abre margem para o racismo. "Os MCs são uma espécie de bode expiatório do momento para que se mantenha um processo de criminalização da cultura produzida por pessoas negras. Como já aconteceu com a capoeira, o samba, as religiões de matrizes africanas", disse em entrevista a Splash.

O que diz a Funarj?

O show, que estava marcado para o dia 22 de agosto, integrava a programação do projeto "Fim de Tarde". A instituição havia orçado uma despesa de R$ 40 mil com a apresentação.

Jackson de Oliveira Emerick, presidente da Funarj, cancelou a apresentação por meio de um ofício, na terça-feira (8). Segundo o colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, Emerick justificou a decisão alegando "demonstrar amplo respeito em relação a todas as demandas".

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Procurada por Splash, a Funarj afirmou que a responsabilidade da curadoria dos shows é do produtor Zé Ricardo. "O Projeto Fim de Tarde, que tem como objetivo promover a diversidade cultural e musical, é uma iniciativa da FUNARJ, que se dedica à promoção e desenvolvimento das artes no estado. A curadoria artística do projeto é responsabilidade do renomado curador Zé Ricardo, que desfruta de uma vasta experiência na cena musical."

A instituição, no entanto, confirmou que a apresentação foi cancelada "em respeito à solicitação apresentada" por "diferentes bases de deputados" da Assembleia do RJ. "Inicialmente, a FUNARJ emitiu um ofício informando o cancelamento do show, em respeito à solicitação apresentada. No entanto, em um cenário de intensa discussão e polêmica, a FUNARJ recebeu um novo ofício, desta vez de outra base de deputados, solicitando a continuidade do espetáculo. Diante desse contexto, o curador Zé Ricardo, em respeito à ALERJ, aos fãs do movimento TRAP e à própria essência do Projeto Fim de Tarde, tomou a decisão de realizar uma substituição no lineup do evento."

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