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'Mostra urna azul!': ele nem dormia de medo, hoje é influencer de funerária

Quener Aguiar é agente funerário e compartilha detalhes nas redes: "onde surge o medo, está o meu chamado" - Arquivo pessoal
Quener Aguiar é agente funerário e compartilha detalhes nas redes: 'onde surge o medo, está o meu chamado' Imagem: Arquivo pessoal

Laís Seguin

Colaboração para o UOL

06/12/2022 04h00

Com caixões e coroas de flores ao fundo, Quener Aguiar, 32, grava vídeos. Ele é um "funeral influencer" — termo que criou para descrever o trabalho de revelar a milhares de seguidores os bastidores de uma funerária.

De Santo Antônio do Jacinto, município de 10 mil habitantes, no interior de Minas Gerais, Quener é agente funerário há 14 anos, por influência de um tio que trabalhava no setor.

No tempo livre, produz vídeos sobre a rotina da profissão e sacia as curiosidades dos seus mais de 100 mil seguidores no Tik Tok. Engana-se quem pensa que ele, que lida com defuntos diariamente, sempre encarou bem a morte.

"Quando era criança, tinha muito medo da morte, medo de ir em velório. Quando sabia que alguém tinha morrido, não conseguia dormir à noite e mal sabia que isso seria minha profissão. Meu pai nem consegue acreditar que eu trabalho hoje em funerária."

Para Quener, a profissão é uma forma de lidar com os próprios monstros. "Onde surge o medo, está o meu chamado."

O funeral influencer conta que a ideia de revelar os bastidores de uma funerária surgiu pela falta de abertura das pessoas com quem conversava pessoalmente.

"Conforme o tempo passava, eu tomava gosto pela profissão que me proporcionou perspectiva de futuro e me deu um propósito. Também surgia o interesse em falar sobre isso com as pessoas, mas elas se incomodavam, desprezavam o que eu tinha a dizer", conta Quener.

Sentia que não podia falar sobre a morte, mas nas redes sociais encontrei o meu espaço.
Quener Aguiar

Foi quando ele pensou que talvez estivesse compartilhando a mensagem com um público errado. "Sempre tive a certeza de que meu conteúdo é importante e que alguém se interessaria." Foi o que aconteceu.

Ele compartilha a rotina na sala onde prepara os corpos. E não mostra nenhum cadáver, mas conta como funciona a limpeza e manutenção dos equipamentos que utiliza diariamente, os tipos de caixões mais caros, além dos detalhes do laboratório onde os procedimentos são feitos.

O TikTok foi a plataforma escolhida para as publicações por causa da facilidade de edição dos vídeos. Apesar de a rede social ser cheia de dancinhas e brincadeiras, Quener faz os vídeos em tom sério e informativo.

Conservação de corpos

Ele também responde às principais perguntas dos curiosos. São várias, mas a campeã de interesse é sobre o procedimento de conservação dos corpos.

"É rigoroso, com uma série de etapas que precisam ser seguidas à risca. Utilizamos uma substância chamada formaldeído, o formol, que é diluída em água e incluída em uma bomba de injeção", explica Quener.

Essa solução é injetada por meio de uma incisão paralela à clavícula (osso na parte superior do tórax), para ficar localizada na artéria carótida, no pescoço. Então, os profissionais fazem uma massagem a fim de facilitar que o sangue seja drenado, segundo o agente funerário.

"No final, retiramos a cânula e deixamos o corpo repousar por cerca de uma hora. Na sequência, realizamos uma incisão no abdômen por onde todos os líquidos serão aspirados do corpo", conta ele.

A cavidade no crânio, o nariz e a boca também passam por essa etapa, mas, nesse caso, o formaldeído puro é injetado após a aspiração. Esse processo é repetido até que não fique mais nenhum líquido no interior do corpo.

"Fazemos tampões e suturas nas incisões para manter a aparência mais natural do falecido. Para finalizar, lavamos o corpo, escovamos o cabelo e o falecido estará vestido com as roupas enviadas pela família", diz Quener.

O procedimento termina com uma maquiagem simples para restaurar a cor e a aparência natural da pele.

'Lido com a morte de pessoas conhecidas'

O trabalho parece rotineiro, mas tudo depende dos acontecimentos do dia. "A demanda define o horário, ficamos à disposição o tempo todo", diz o profissional.

"Nosso dia a dia consiste em receber o comunicado do óbito, ir até o local e recolher o corpo. A depender do caso, é necessário fazer o procedimento de tanatopraxia, que prepara e conserva o corpo para o velório e translados", explica.

Por trabalhar em uma cidade pequena, a profissão tem seu lado difícil. Ele lida com certa frequência com a morte de pessoas conhecidas. Uma situação em específico o impactou mais do que as outras.

Um homem sempre passava na frente da funerária diariamente por ser caminho de saída da casa dele. Certo dia, ele pediu um emprego na funerária, pois estava desempregado. Cinco horas depois, morreu em um acidente de moto com um caminhão.

"Quando algo assim acontece, tentamos encontrar alguma explicação. Não existe um motivo por trás da morte, ela é um acaso da vida."

Precisa ter coragem?

O público de Quener na rede social também o pergunta com frequência se ele tem medo de lidar com os mortos diariamente. Ele conta que óbitos de crianças causam mais impacto, mas que o trabalho na funerária não exige coragem — só empatia.

"Penso que estou lá para trazer o conforto da família e uma qualidade para esse momento tão difícil. A minha maior preocupação durante o trabalho é com o procedimento e não com o óbito em si. Quero garantir que o procedimento surta o efeito necessário para que não cause um constrangimento na família no velório."