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'Travecos horrorosos': as polêmicas do quadro de Alfredinho no Zorra Total

De Splash, em São Paulo

29/09/2022 04h00

Lúcio Mauro Filho relembrou em entrevista recente ao podcast "Papagaio Falante" sua atuação no "Zorra Total" (TV Globo) e o salário que ganhava na época: R$ 1,2 mil.

O ator participou do programa humorístico nos anos 90, quando boa parte da atração se passava em uma festa na cobertura de um prédio. Ele interpretava Alfredinho, um rapaz gay que "constrangia" o pai, Maurição (Jorge Dória), com seus trejeitos femininos.

O quadro exibia cenas e frases homofóbicas sob o pretexto do humor.

Quando Alfredinho chamava o pai de "papi" com a voz estridente, Maurição costumava repreendê-lo de forma agressiva: agarrando o braço do filho com força ou respondendo de forma enérgica que deveria ser chamado de "paizão". Em um dos episódios, revoltado, arranca laços do cabelo de Alfredinho.

Em vários momentos, amigos de Maurição debochavam de Alfredinho e referiam-se a ele com palavras ofensivas como "boiola", "bichona" e "maricona".

O bordão de Maurição em si já escancarava a homofobia das sequências: "Onde foi que eu errei?", questionava, desesperado, como se a homossexualidade do filho fosse uma falha tão grande que deveria ser resultado de um erro do pai.

Em outro episódio, Alfredinho fica responsável por organizar um concurso de beleza cheio de "incautas", para o deleite do pai e seus amigos. O personagem, porém, prepara o "Miss Brasil Gay".

"Eu tô esperando incautas maravilhosas e chegam esses travecos horrorosos?", pergunta Maurição. "A gente cria filho para se envolver com traveco. Onde foi que eu errei?", questiona, ao final do quadro, como de costume.

O termo é pejorativo e não deve ser usado para se referir a travestis. Na língua portuguesa, o diminutivo "eco" normalmente acrescenta uma conotação às palavras. Além disso, invalida uma luta de anos travada em prol de conseguir o respeito e a dignidade que travestis merecem.

É importante notar que o quadro em questão era exibido na TV Globo há mais de 20 anos, no início dos anos 2000. Naquela época, o debate em torno do preconceito contra a comunidade LGBTQIA+ não era tão amplo e muitas questões ainda eram tabu na sociedade.

Ao longo de sua exibição, o "Zorra Total" apresentou outros quadros que reforçavam preconceitos ou se apoiavam na sexualização de mulheres.

Lúcio Mauro Filho interpretou Alfredinho em 'Zorra Total' nos anos 90 - Reprodução - Reprodução
Lúcio Mauro Filho interpretou Alfredinho em 'Zorra Total' nos anos 90
Imagem: Reprodução

Estereótipos de homossexuais foram explorados outras vezes no programa, como nos personagens Pitbicha (Tom Cavalcante) e Pitbitoca (Heitor Martins), o Dr. Rossetti (Chico Anysio) e o Dr. Logulo (Leandro Hassum), que se esforçavam para esconder um caso, e Patrick (Rodrigo Fagundes), que tinha o bordão "Olha a faca!".

A Efigênia, interpretada por Daniela Valente em 2004, era a "gênia estagiária" que sempre se enganava ao realizar os pedidos de seus "mestres". Luciana Coutinho, que interpretava Cinara, aparecia geralmente enrolada em uma toalha ou exibindo seu corpo.

Mais recentemente, em 2014, o quadro "Ônibus da Marginal Parada" fazia piada com assédio sexual no transporte público.

O que Lúcio Mauro Filho já falou sobre o papel?

Em entrevista à revista Istoé Gente em 2001, o ator disse que o papel de Alfredinho fez com que ele fosse mais assediado por mulheres. "Incrível como a mulherada vai conferir se ele é gay mesmo", comentou Cíntia Oliveira, mulher de Lúcio Mauro, à publicação.

Em janeiro de 2018, o artista relembrou seu papel em "Zorra Total" e fez uma comparação com seu papel em "Malhação: Viva a Diferença" (TV Globo), em que interpretou o pai de um filho gay. Na publicação, ele reforçou a importância do respeito à diversidade.

"São 18 anos de diferença entre a primeira foto, quando fui o filho gay, e a segunda foto, onde sou o pai do filho gay. Os gêneros são diferentes. Zorra é um programa de humor, Malhação é uma novela. Mas a intenção é a mesma: colocar a comunidade LGBT na discussão, como parte natural da sociedade, com direitos e deveres. Um cidadão comum que deve estar inserido e ter sua dignidade amparada pelo bom senso nas relações e no respeito pela opção individual", escreveu.

Acho que andamos bastante nesses dezoito anos que separam as fotos, tanto na dramaturgia, quanto na vida real. Avançamos, mas ainda temos um longo caminho na luta por menos preconceito e mais respeito. A violência tanto psicológica, quanto a real ainda persiste e tempos de ódio e retrocesso como o que vivemos, podem anular importantes conquistas. Lúcio Mauro Filho

Em fevereiro deste ano, em entrevista ao podcast "Papo com Clê", o ator afirmou que não fez publicidades na época em que fazia o personagem:

"Diferentemente de hoje em dia, gay não fazia comercial de nada. Se você tivesse a tua imagem associada ao mundo gay, você não ia ser chamado pra comercial de nada e ponto. Eu dava 36 pontos no ibope e nenhuma marca queria trabalhar comigo", contou.