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Com tantas polêmicas de J.K Rowling, ainda podemos consumir Harry Potter?

J.K. Rowling, autora da franquia "Harry Potter" - Divulgação
J.K. Rowling, autora da franquia "Harry Potter" Imagem: Divulgação

Fernanda Talarico

De Splash, em São Paulo

24/11/2021 04h00

"Harry Potter e a Pedra Filosofal" chegou aos cinemas brasileiros há 20 anos e ganhou o coração do público brasileiro. O sucesso foi mundial e fez com que o livro no qual o filme foi baseado se tornasse um dos mais lidos, com mais de 107 milhões de exemplares vendidos por todo o mundo.

Tanto sucesso alavancou a carreira da autora J.K. Rowling, que se tornou uma das pessoas mais ricas do mundo. No entanto, com tanta fama, vieram também diversas polêmicas. A principal delas é relativa a acusações de transfobia feitas contra a autora.

Em 2020, "Troubled Blood", um dos livros de Rowling fora do mundo de Harry Potter, conta a história de um homem cisgênero que se veste de mulher para enganá-las. Ao receber as críticas, a escritora tentou se defender e alegou ter se baseado nos assassinos Jerry Brudos e Russell Williams, que roubavam as roupas feminina de suas vítimas. A tentativa de mostrar o próprio lado não deu muito certo e, pouco tempo depois que a sinopse foi divulgada, a hashtag #RIPJKRowling era uma das mais comentadas no Twitter.

Ainda no ano passado, ela criou polêmica quando escreveu em seu Twitter sobre um artigo que usava a expressão "pessoas que menstruam". A escritora zombou por não usar a palavra "mulheres".

Após receber diversos ataques por conta da publicação, ela se explicou: "Eu conheço e amo pessoas trans", e disse que "tem empatia por pessoas trans há décadas", mas também critica fortemente o uso de hormônios e cirurgia em jovens ("muitos, inclusive eu, acreditam que estamos assistindo a um novo tipo de terapia de conversão para jovens gays, que estão sendo colocados em um caminho vitalício de medicação que pode resultar na perda de sua fertilidade e/ou função sexual plena").

Recentemente, a autora disse que recebe ameaças morte de ativistas transgêneros que a acusam de transfobia.

Na publicação, Rowling diz que recebeu tantas ameaças que "poderia colocá-las de papel de parede". Segundo foi reportado, o endereço da autora foi exposto.

Mas os desconfortos causados por J.K. Rowling não param por aí e também envolvem a escolha de Johnny Depp para viver Gellert Grindelwald em "Animais Fantásticos e Onde Habitam", filmes derivados da série original. Ele tinha acabado de ser acusado pela ex-mulher, Amber Heard, de violência doméstica. Depois de dois filmes, ele foi demitido da produção, e Mads Mikkelsen foi anunciado no personagem.

E Harry Potter?

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Em uma sociedade como a que vivemos hoje, cada dia mais inclusiva e menos tolerante às violências domésticas, J.K Rowling parece estar perdendo espaço. Um exemplo disso é o especial de 20 anos da saga que estreará na HBO Max e contará com quase todos os envolvidos da produção, com a exceção da autora. A ausência não foi justificada pelo streaming, mas rumores apontam que as polêmicas nas quais tem se envolvido são o motivo de ela não aparecer.

Para Fernanda Antonella, do Instagram "Transliteraria", a saga "Harry Potter" vai além de J.K. Rowling, e é possível consumi-la mesmo com as declarações da autora. "A minha relação com Harry Potter é de muita intimidade e muita nostalgia. Foi meu primeiro contato com a literatura e foi quando eu era muito nova, então a minha conexão emocional é muito forte."

A influencer de literatura é uma mulher trans e conta ter ficado em choque quando soube das declarações da autora: "A ficha não caiu".

Eu acho que é possível sim continuar consumindo os conteúdos dela no sentido de que cada um faz o que acha melhor da sua vida. É um país livre. Mas antes de deixar de consumir, a gente tem que lembrar que existe a questão da nostalgia.

Fernanda entende que a "fórmula de Harry Potter conversa muito com as pessoas LGBTQIAP+, com as crianças órfãs, sem amigos, que tem problemas com a família". "O que ela falou não vai apagar os anos que eu passei lendo os livros e as feridas que ele curou, os momentos bons que eu tive com a leitura e com os filmes. Essa magia, o que ela falou, não vai apagar."

No entanto, a influenciadora acredita ser importante consumir o conteúdo de J.K. Rowling sabendo que o que ela disse é prejudicial à sociedade. "Para mim, a melhor solução é discutir o problema, e saber que não é apenas um livro ou apenas um filme. Uma pessoa com uma influência tão grande tem o poder de mudança. Ela tem nas mãos dela uma grande responsabilidade. Antes de tudo, a solução é entender qual é o problema. Essa engrenagem do preconceito vai rodando e se juntando a outra."

É possível separar?

Para Franthiesco Ballerini, autor do livro "Jornalismo Cultural no Século 21", é possível separar o autor da obra, principalmente se pensarmos que ela escreveu os livros, mas os filmes envolveram outras pessoas que não compactuam com as opiniões de Rowling.

Para ele, o impacto da franquia é "imenso" e o discurso da autora é considerado "infeliz". "Ela não está encarando os sinais dos tempos. Ela é seguida por muitas pessoas no mundo inteiro e e especialmente crianças e adolescentes, portanto é muito ruim se associar a esse tipo de discurso."

E agora?

Talvez, a melhor opção para lidar com os posicionamentos problemáticos de J.K. Rowling e com as suas obras seja a informação. Entender que Harry Potter não será apagado, afinal é um marco da literatura e do cinema, mas que é possível conversar sobre os livros e sobre os filmes sem que o discurso da autora seja validado.

Neste caso, negar a grandiosidade da saga é impossível, portanto, é necessário discutir o assunto, ouvir diversos pessoas e entender como uma obra cultural pode ser analisada além das opiniões da autora.

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