Morre o genial Lee 'Scratch' Perry. E o mundo fica normal demais sem ele
Pedro Antunes
Pedro Antunes
https://www.uol.com.br/splash/colunas/pedro-antunes/Pedro Antunes, ou "Pô Antunes" pra quem só me conhece pelo Instagram, é jornalista, apresentador, curador e crítico de música e cultura pop desde 2010. Escreveu no Jornal da Tarde, Estadão e foi editor-chefe da Rolling Stone Brasil. Fez mais entrevistas do se lembra, tem um "novo disco favorito" por semana e faz mini-análises de álbuns no programa Tem um Gato na Minha Vitrola, no perfil @poantunes.
Colunista do UOL
29/08/2021 13h21
Não é exagero dizer que rap e o reggae existiriam como os conhecemos se não fosse a transcendental passagem de Lee 'Scratch' Perry por aqui, encerrada na manhã deste domingo, 29, aos 85 anos.
A notícia foi publicada pelo jornal "The Jamaican Observer" e confirmada pelo primeiro-ministro jamaicano Andrew Holness, em uma homenagem publicada no Twitter.
'Scratch' Perry era um fenômeno que nunca aprendeu a ler ou escrever música. Nem precisou disso. E fez com que sua obra e suas produções fossem de carne e osso, sem o barroquismo de quem estuda demais e se aprisiona covardemente pela técnica excessiva.
Algumas pessoas são mais cerebrais, outras emocionais. Algumas equilibram-se entre os dois lados. Perry era coração. Uma explosão intuitiva, criativa que entortava a realidade e os paradigmas da música até transformá-los de vez.
Perry ajudou a fomentar as complexidades dos ritmos que criaram o reggae produzindo as primeiras grandes gravações de Bob Marley & the Wailers, como "Soul Rebel" (1972) e "Small Axe" (1973).
Também estabeleceu a musicalidade do movimento rastafari com músicas como "Thieves", de Junior Murvin e "War Ina Babylon", de Max Romeo.
Com o single "I Am the Upsetter", de 1968, o artista jamaicano apresentou-se ao mundo como este "upsetter", que em uma tradução livre pode ser compreendido como este "incomodador" ou "perturbador".
Nunca fez tanto sentido. A passagem de Perry por aqui não serviu para manter o status quo e as estruturas intactas. Ele era este agente bem-vindo do caos, com um espírito confrontador que elevou o reggae, no fim dos anos 60 e início dos anos 70, e foi além.
E enquanto definiu o que entenderíamos do gênero jamaicano nos anos seguintes, ele também estudou a evolução dele, o dub, um gênero eletrônico com remixes e recortes dissidente do reggae. Figura importante deste movimento musical de vanguarda, lá esteva Perry na fundação do que, décadas depois, entenderíamos como hip-hop e a própria música eletrônica.
Ao longo deste caminho, Perry nem sempre foi compreendido. Foi chamado de louco ou o charlatão, mas também o profeta e o gênio. Capaz de levar a ultrapassar os limites estabelecidos pela normalidade, talvez Perry tenha sido tudo isso, mesmo. Seja como produtor, dono de selo, entusiasta, Perry sempre foi o exemplo de alguém que não se prendeu.
Ao jornal The Guardian, em 2016, ele falou:
"Eu sou o príncipe e a música é a rainha."
"Ele é um mistério. O mundo é seu instrumento. Você só precisa ouvir. Mais do que um produtor, ele sabe como inspirar a alma do artista. Scratch é um xamã", disse Keith Richards, em 2010, que seguiu com esta comparação que, para mim, é maravilhosa:
"Você nunca poderá dizer algo sobre Lee Perry. Ele era o Salvador Dali da música"
Sem Perry, o mundo fica um pouco normal demais.
Você pode falar comigo aqui, no Instagram (@poantunes) e no Twitter (também @poantunes).