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Pedro Antunes

Pearl Jam, a única e improvável sobrevivente do caos do grunge

Colunista do UOL

27/08/2021 07h04

No ano de 1991, dois dos grandes discos daquela década foram lançados com a diferença de um mês. Primeiro veio "Ten", do Pearl Jam, que completa hoje 30 anos, e depois "Nevermind", do Nirvana, de setembro.

E o mundo das guitarras estava transformado para sempre. Embora as duas bandas ocupassem lados opostos do espectro sonoro do rock alternativo de Seattle da época, foram estes os álbuns ajudaram fomentar o movimento conhecido posteriormente como grunge.

E o grunge, minha gente, era o caos envelopado por camisas de flanela.

Claro que tentaram repetir a história das rivalidades entre bandas, como foi com Beatles e Rolling Stones e, daquele mesmo ano, de toda a treta entre Blur e Oasis para definir qual delas era a maior do Reino Unido, mas Nirvana e Pearl Jam eram tão diferentes entre si e tão alheias à imprensa de modo geral que a história não seguiu adiante.

Mas o ponto é que aqueles dois álbuns iniciaram uma revolução musical e estética que já fervilhava nos clubes abafados de Seattle, com bandas como Soundgarden e Alice in Chains, e até reverberava em outros estados, como na ensolarada San Diego, com o Stone Temple Pilots.

Cada um destes grupos, à sua maneira, foi consumido pelo sucesso do grunge, pela fama, pela pressão do mainstream, pelos vícios e por todos os fantasmas internos criados a partir dessa mistureba toda.

Neste caso, o Pearl Jam se tornaria a exceção.

A maldição do grunge

O Nirvana foi a estrela-cadente mais brilhante daquele movimento e também a primeira a se apagar com a partida de Kurt Cobain, em 1994.

Depois, o Alice in Chains entrou em hiato, a partir de 1996, para que Layne Staley lidasse com o luto da morte por overdose da ex-noiva Demri Parrott e com o seu próprio vício.

Esta batalha durou até 2002, quando ele também foi encontrado sem vida após uma dose fatal de heroína e cocaína combinadas.

A primeira banda da turma a conseguir um contrato com uma grande gravadora, o Soundgarden viveu o apogeu de popularidade em 1994, com o álbum "Superunknown", e definhou três anos depois, quando o grupo anunciou o fim culpando o "mercado da música" como esta entidade vampiresca que sugou a vontade da banda seguir adiante.

Tanto Alice in Chains quanto Soundgarden tentaram o retorno anos depois. A primeira segue até hoje com o ótimo vocalista William DuVall. Já o Soundgarden se juntou anos depois, em 2010 para um novo álbum, turnê, etc, mas a banda foi atingida pela trágica morte de Chris Cornell, em 2017.

Já a "intrusa" Stone Temple Pilots se manteve por toda a década de 1990, mas as tensões internas e os exageros nos vícios por parte do vocalista Scott Weiland chegaram no ápice em 2002, no último show da turnê do grupo, com o desentendimento entre o guitarrista Dean DeLeo e cantor.

Depois disso, a história do STP foi marcada por idas e vindas, a chegada de Chester Bennington, vocalista do Linkin Park para o lugar de Weiland, até a morte do ex-vocalista, por overdose de álcool, remédios e cocaína, em 2015. O grupo também segue na ativa, com Jeff Gutt ao microfone.

Com a perspectiva do tempo, percebe-se que como o grunge implodiu talvez por culpa da própria explosão. Era um movimento frágil emocionalmente para lidar com uma indústria voraz no início de uma década em que ainda se endeusava os "rockstars" com apetite por drogas ilícitas, álcool e autodestruição.

E a morte do grunge pode ser oficialmente decretada quando surgiu a geração post-grunge, de grupos como Creed e companhia. Tenho arrepios só de pensar nessa leva de artistas.

A exceção chamada Pearl Jam

Quando "Ten" chegou, revolucionário, dark, com voracidade, guitarras pesadas e letras cantadas com a intensidade insana de Eddie Vedder, o Pearl Jam já havia vivido o fundo do poço e saído de lá mais forte ainda.

Em meados dos anos 1980, Stone Gossard (guitarra) e Jeff Ament (baixo) integraram a banda Green River, um grupo que fez um relativo sucesso, mas acabou por diferenças criativas.

E assim eles se juntaram a Andrew Wood para criar a Mother Love Bone, esta sim uma banda que chegou a encantar publicações como a Rolling Stone EUA, antes mesmo de lançar o primeiro álbum cheio. Wood, contudo, não viu o disco "Apple" nascer e também foi vítima de uma overdose.

Do luto pela perda do amigo e companheiro de banda, em uma terceira tentativa de Gossard e Ament, surge o Pearl Jam.

O trauma anteior levou o grupo a demitir o baterista Dave Krusen por conta do gosto excessivo pelo álcool logo após a gravação do disco de estreia. Krusen, que foi indicado ao Hall da Fama do Rock and Roll ao lado dos ex-companheiros de banda anos depois, disse que a internação em uma clínica de reabilitação após a saída do Pearl Jam salvou-lhe a vida.

A verdade é que o Pearl Jam, de modo geral, sempre foi o patinho feio do grunge porque a banda nunca se encaixou exatamente na estética do movimento (se é que existia alguma). Com gosto por jams e "solos demais", como reclamaram na época, aprendeu logo com "Ten" que era preciso ter mais controle sobre as coisas e a importância de dizer "não" para o mercado quando necessário.

A primeira versão da mix do álbum, assinada por Tim Palmer, é detestada pelos músicos por ter intervenções demais. Não por acaso, o grupo lançou, anos depois, a versão "Ten Redux", com a mixagem mais a seu gosto.

O fato é que enquanto todo o resto da turma do grunge se consumiu (e alguns até voltaram), o Pearl Jam segue na ativa. Em 2020, lançaram "Gigaton", o 11º disco de estúdio, um bom trabalho. O grupo não parou esteticamente no tempo ou no que exibiu em "Ten", apesar da força daquele disco, com singles como "Alive", "Even Flow" e "Jeremy". Pelo contrário, cada performance, seja no estúdio, ou seja nos palcos, é uma pancada de criatividade.

"Ten" marca o início da história de uma banda que, mesmo com altos e baixos, venceu a probabilidades e sobreviveu ao caos.

Sim, e já se passaram 30 anos. Estamos velhos.

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