Topo

Página Cinco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este vai ser um país generoso ou mesquinho?

Cena de Stuck Rubber Baby, de Howard Cruse - Reprodução
Cena de Stuck Rubber Baby, de Howard Cruse Imagem: Reprodução

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

18/07/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

"Pessoalmente, não vejo como alguém nesta boa terra de Deus pode esperar que um policial mantenha a calma com os crioulos insistindo nessa cantoria e em sacudir placas perturbando todo mundo que não nasceu com pele escura, com mil reclamações pelas ruas e calçadas todo dia..."

É o que diz um dos toscos mais simbólicos de "Stuck Rubber Baby - Quando Viemos ao Mundo", HQ do estadunidense Howard Cruse que há pouco ganhou uma edição da Conrad (tradução de Dandara Palankof, letras de Lilian Mitsunaga). Estava na dúvida se valeria a pena apontar o álbum, publicado originalmente em 1995, como um clássico dos quadrinhos, mas o Festival de Angoulême deste ano facilitou a vida ao reconhecê-lo como patrimônio da arte.

De fato, não é toda hora que encontramos um gibi tão complexo quanto "Stuck Rubber Baby". Perseguições a homossexuais e a negros, alvejados por brancos, héteros e cheios de fé em Deus, são uma constante em casas, ruas e festas de um Estados Unidos da década de 1960. De um lado, bandos como a Ku Klux Klan contam com a simpatia, a conivência e o apoio das forças policiais e de certos governantes. De outro, jovens de diferentes grupos subjugados tentam fortalecer seus pontos de convergência e contornar as divergências para lutar por direitos.

Stuck Rubber Baby, de Howard Cruse - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Os preconceitos institucionalizados e reproduzidos bestialmente estão em uma das camadas mais evidentes da narrativa. A dúvida entre seguir com manifestações pacíficas ou responder com violência àqueles que se sentem seguros para professar toda a sua brutalidade é outro elemento notável no trabalho de fundo autobiográfico de Howard, que se foi há três anos. Antes de vencer uma série de outros prêmios importantes com "Stuck Rubber Baby", dentre eles o Eisner, o quadrinista fundou em 1980 e editou a Gay Comix, publicação underground que durou até 1998.

No prefácio do volume, Alison Bechdel, quadrinista famosa por trabalhos como o ótimo "Fun Home", resgata uma entrevista dada por Howard ainda na década de 1990, após o lançamento de "Stuck Rubber Baby". "Este é um livro que as pessoas podem levar pra vida e revisitar para encontrar novas sutilezas, questões que são contemporâneas, mesmo que a história tenha acontecido trinta anos atrás. Ela trata de questões às quais dou muita importância: este vai ser um país generoso ou mesquinho?", dizia o autor.

Serve para os Estados Unidos de ontem. Serve para os Estados Unidos de hoje. Serve para o Brasil. As palavras escritas por Alison em 2019 olham para lá, mas, ponderando os traços locais da estupidez, cabem na realidade daqui. "Agora, quase outras três décadas após seu lançamento, essa pergunta não poderia ser mais dura e mais significativa. O relato visceral de Howard Cruse do passado recente dos EUA contribui com graciosidade e força à visão de um mundo justo".

Você pode me acompanhar também pelas redes sociais: Twitter, Facebook, Instagram, YouTube e Spotify.