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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A frustrante história do japonês que só saiu da 2ª Guerra na década de 70

Onoda, o militar que protagoniza O Crepúsculo do Mundo, de Werner Herzog - Arquivo
Onoda, o militar que protagoniza O Crepúsculo do Mundo, de Werner Herzog Imagem: Arquivo

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

06/06/2022 04h00

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"O major não quer deixar margem a dúvida nenhuma. 'O senhor vai operar a partir da selva. Sua guerra será pura guerra de exaustão. Escaramuças a partir de esconderijos cambiantes. O senhor será um espírito, intangível, o eterno pesadelo do inimigo. Será uma guerra sem glória".

A figura do tenente Onoda fascina. Em 1944 que o homem recebeu a ordem para guardar uma ilha filipina então ocupada pelo exército japonês. Em meio à Segunda Guerra Mundial, Onoda deveria usar táticas de guerrilha para se embrenhar na floresta e ser bem-sucedido na missão.

Pouco tempo depois o Japão seria derrotado. Com o passar dos perrengues na mata, os poucos homens que Onoda tinha ao seu lado também caíram. Sem receber notícias oficiais e sem acreditar nos indícios que encontrava pelo caminho, Onoda travou a sua própria batalha ao longo de quase 30 anos. Matou civis e militares. Aterrorizou e intrigou muitos dos que pisaram na ilha. Ignorou tentativas de diálogos. Isolado do mundo, para ele a Segunda Guerra só foi ter fim já na década de 1970.

O Crepúsculo do Mundo, de Werner Herzog - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Não conhecia Onoda até saber que a Todavia publicaria aqui no Brasil "O Crepúsculo do Mundo", do cineasta alemão Werner Herzog (tradução de Sergio Tellaroli), baseado na fantástica história do militar japonês. Difícil não olhar com atenção especial para um romance protagonizado por um personagem desses. Não tem jeito, são as expectativas que nos fazem escolher um, não outro livro. E sabemos bem a desgraça que é criar grandes expectativas.

"A guerra de Onoda é insignificante para o universo, para o destino dos povos, para o curso da guerra em si. Ela se compõe da união de um ser imaginário com um sonho, mas essa sua guerra, produzida por nada, é um acontecimento arrebatador, arrancado da eternidade", lemos em certo momento. "O Crepúsculo do Mundo" parte do autor esnobando a oportunidade de trocar uma conversa com o imperador japonês e pedindo para ter um momento com o ex-militar. A partir disso, temos uma prosa em que pesa o olhar superficial do narrador sobre a trajetória do personagem.

Me questiono sobre o caminho escolhido por Herzog. Ao repassar as aventuras de seu protagonista, o cineasta oferece ao leitor um texto que se aproxima de uma mistura de reportagem - ou documentário, para ficarmos na praia do alemão - com toques pessoais. Há muito da casca, da superfície da história, mas pouco do seu interior. Sem o preenchimento de diversos espaços temporais, físicos e psicológicos, o romance não consegue romper a barreira que protege os mistérios do protagonista. Se há poucas informações detalhadas sobre o Onoda real, nessa obra de ficção sentimos falta justamente de um trabalho ficcional mais minucioso.

Apesar dos bons momentos do livro - impossível passar por ele sem refletir sobre questões como honra, idealização do guerreiro inquebrantável e bobajadas militares e patrióticas -, fica a impressão de que Herzog poderia ter entregado muito mais. O efeito do texto é transmitir a sensação de que Onoda também se manteve oculto e intransponível nessa nova investida, sem se curvar ao olhar do narrador? Pode até ser. Mas se fecha "O Crepúsculo do Mundo" com a sensação de que Onoda ainda merece um romance digno de sua singularidade.

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