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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fim das redes sociais? E por que Jade Picon e Anitta querem atuar

Jade Picon e Anitta diversificam e buscam novas audiências diante do declínio das redes sociais tradicionais - Reprodução/Instagram
Jade Picon e Anitta diversificam e buscam novas audiências diante do declínio das redes sociais tradicionais Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

30/10/2022 04h00Atualizada em 30/10/2022 13h45

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Resumo da notícia

  • As redes sociais enfrentam seu pior momento, com piora dos resultados financeiros, fuga de usuários e aumento da concorrência
  • Influenciadores digitais começam a sentir os impactos e buscam alternativas para diversificar os negócios
  • Jade Picon e Anitta, duas grandes influenciadoras digitais, ao investirem para se tornarem atrizes ganham mais visibilidade e valorizam suas marcas
  • Empresas que criam 'momentos de atenção concentrada', como Globo, Disney e Netflix, são beneficiadas pela crise das redes sociais

Nessa semana a Meta (antigo Facebook) anunciou que sua receita caiu 4% nos últimos três meses e que no próximo semestre os números vão piorar. O crescimento do TikTok, uma guerra com a Apple (que limitou o acesso aos dados dos usuários) e a expectativa de um cenário de recessão global em 2023 ajudam a explicar a queda de quase 25% do valor de mercado da Meta na quinta-feira. A dona do Facebook e Instagram perdeu R$ 454 bilhões (US$ 85 bilhões) em um único dia.

A Meta também disse que reduzirá algumas de suas equipes de trabalho para conter custos. É a primeira vez na história que a empresa cortará vagas. O lucro líquido da empresa foi de US$ 4,4 bilhões, uma queda de 52% em relação ao ano anterior. Já os gastos da companhia subiram 19%. Apesar da piora dos números, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, diz que seguirá investindo bilhões no metaverso. Um aposta incerta, já que mesmo após a companhia investir US$ 36 bilhões no projeto, nem mesmo os funcionários da Meta estariam usando a novidade, segundo reportagem do The Verge.

O problema vai além da Meta. Na mesma semana, o Twitter foi vendido para Elon Musk por não ter nenhuma perspectiva de lucro. Listado na Bolsa de Valores de Nova York há quase nove anos, o Twitter registrou prejuízo líquido todos os anos, exceto em 2018 e 2019, quando obteve lucro de pouco mais de US$ 1 bilhão.

No Google, o YouTube no último trimestre pela primeira vez em sua história registrou piora da receita, que caiu 2%. Como seus pares do Vale do Silício, a gigante de vídeo sofre com a baixa de investimento das marcas em publicidade, crescente concorrência com o TikTok e regras mais rígidas da Apple. As ações do Google caíram 8% no dia seguinte ao anúncio de resultados nessa semana.

O TikTok é um fenômeno de crescimento e incomoda a concorrência, mas perde US$ 7 bilhões por ano, segundo um relatório revelado pelo WSJ. Pior, a rede social corre risco de ser banida dos Estados Unidos, ou ser punido pelo governo chinês, que aumentou drasticamente o controle sobre as empresas de tecnologia no país. No ano passado, Zhang Yiming, fundador da ByteDance, foi pressionado pelas lideranças do partido comunista a deixar a ByteDance.

Menos dinheiro para os influenciadores

Em julho, diante de uma série de polêmicas envolvendo personalidades digitais, escrevi que os influenciadores não tinham perdido a noção, apenas estavam desesperados. Como o engajamento nas redes está caindo, atrair usuários está cada vez mais difícil. Então, criar polêmicas e apelar se tornou a saída para atrair a atenção das pessoas.

Além disso, com o crescimento do TikTok, a expectativa da audiência é cada vez mais por conteúdo espontâneo e natural. Ou seja, é a vez dos anônimos e influenciadores com algo a dizer, não da turma superproduzida e artificial que ganhava milhões ditando moda no Instagram.

"O que vemos como diferencial é a desburocratização das ferramentas de edição para facilitar a produção de conteúdo. Isso viabiliza o aprendizado, fazendo com que qualquer pessoa possa ser ou aprenda a ser produtora de conteúdo", diz Natália Oliveira, gerente de estratégia e criação da MAP Brasil. "É menos sobre a interação e mais sobre criação e produção de conteúdo. Ganha quem prioriza não só o que as pessoas postam, mas quem posta. Para quem cria conteúdo, estar conectado à verdade é o que conta.".

TikTok revolucionou a influência

O Facebook, mas principalmente o Instagram, vinham realizando altos investimentos para garantir que produtores de conteúdo seguissem engajados nas plataformas. Agora, com a queda da receita financeira e mudança de foco da Meta para o metaverso, essa relação deve piorar. Com menos dinheiro e menos alcance nas redes sociais, consequentemente haverá menos recursos para remunerar os criadores de conteúdo.

"A questão da queda/baixa das redes sociais Instagram e Facebook, tanto em horas de utilização quanto de formas de monetização das plataformas possui relação direta com a alta da popularidade do TikTok e o seu formato de produção de vídeos curtos", diz Vinícius Machado, CEO e fundador da Creators Brasil.

Para Machado, cada vez mais o TikTok vem se apresentando como uma plataforma mais atrativa, com retorno mais positivo para as marcas. "O retorno é elevado principalmente pela entrega orgânica da plataforma, que se mostra maior em contraposição ao Facebook e Instagram. Se o mercado está decidido a monetizar o TikTok, é lá onde os influenciadores irão concentrar-se".

Mesmo não sendo uma profissão regulamentada, dados da Nielsen indicam que o Brasil tem mais de 500 mil influenciadores digitais. O número é superior a dentistas formados (374 mil) e engenheiros civis (455 mil). O país tem praticamente a mesma quantidade de influenciadores e médicos (502 mil).Ou seja, não faltam candidatos a estrelas da influência digital produzindo um assombroso volume de conteúdo, mas estar no topo será cada vez mais difícil. E a plataforma da moda talvez nem seja o TikTok ou Instagram.

Oscilações no Instagram e menos alcance

Mesmo os grandes astros da influência enfrentam uma situação desafiadora. Existe uma crescente insatisfação com as oscilações de alcance dos posts e aumento e queda repentinos do número de seguidores, principalmente no Instagram.

Um apresentador de TV e uma cantora, cada um deles com mais mais de 20 milhões de seguidores, viram o número de impressões de seus perfis cair pela metade no Instagram nos últimos 7 dias. No caso dele, de 40 milhões de impressões por semana, o número foi para a metade. Para a cantora, de mais de 100 milhões de impressões, foi para menos de 50 milhões. O fenômeno é um problema crescente para os criadores de conteúdo.

"Temos um índice de entrega que projetamos com base em dados históricos, mas esses números estão oscilando muito", diz Fátima Pissarra, CEO da agência Mynd e autora do livro Profissão Influência. "Você questiona o Instagram e eles dizem que está tudo normal".

Por outro lado, Fátima diz que o número de seguidores tem sido cada vez menos efetivo para atrair anúncios. "Estamos indo para um cenário muito mais de endosso que número de seguidores. As marcas estão buscando influenciadores que tenham uma voz dentro de temas mais específicos que a marca queira se apropriar. É cada vez mais sobre relevância e menos sobre quantidade".

O consenso é que existe um contexto do amadurecimento da forma de fazer publicidade por meio do marketing de influência. "Cada vez mais a análise do perfil do influenciador, seja por meio dos dados sobre os resultados atingidos ou por formatos de conteúdo está especializando-se e filtrando quem realmente sabe influenciar, criando uma visão mais crítica sobre quem serão os creators escolhidos para as publis", diz Machado.

A mídia tradicional de volta ao jogo?

Dentro dessa perspectiva, estar dentro de uma rede social específica faz cada vez menos diferença. A notícia é péssima para as plataformas. Porque as redes sociais passam a ser cada vez mais descartáveis para as personalidades mais relevantes. E quem fica são os produtores de conteúdo que não encaram a atividade como um negócio, mas apenas como passatempo, diminuindo a qualidade do conteúdo.

Há duas semanas, em entrevista à coluna, Erick Brêtas, diretor de produtos e serviços digitais da Globo, disse acreditar no surgimento de dois grandes polos, o mundo das plataformas UGC (user generated content) com YouTube, TikTok e Instagram. No qual a publicidade é mais barata, mas existe uma lógica de escala, com muita produção de conteúdo, mas nem sempre associada à qualidade.

Segundo Erick, "pode ser, em alguns casos, um espaço muito desafiador para as marcas. Como as marcas estão buscando um target, elas podem encontrar um público, mas podem estar associadas a conteúdos que não são os mais desejáveis para a imagem da marca".

No outro polo está o vídeo premium, com o Globoplay, além de Netflix, Disney e HBO quando implementarem seus planos com publicidade. O conteúdo não tem a mesma escala das redes sociais nem bilhões de visualizações. "No vídeo premium o conteúdo tem qualidade, a atenção do consumidor está concentrada - a pessoa fez uma pausa na vida dela para assistir aquele conteúdo e ela é inclusive mais tolerante à publicidade. E o consumidor sabe que tem uma grande recompensa, que quando aquela publicidade tem um baita conteúdo para ele assistir", disse Brêtas.

Ou seja, as plataformas de conteúdo premium vão criar os chamados "momentos de atenção concentrada". Isso é o que permite à Netflix cobrar até R$ 20 milhões para veicular campanhas em sua plataforma com publicidade no Brasil a partir de novembro.

"O TikTok tem ganhado espaço, crescido a sua base de produtores e consumidores de conteúdo. Mas ainda existe um grande desafio em como criar campanhas de engajamento dentro da plataforma que possam ir além de challenge ou produção de conteúdo segmentado", diz Flávio Santos, CEO e cofundador da MField e autor do livro Economia da Influência.

Por que Jade Picon e Anitta querem ser atrizes?

A Globo, Netflix, Disney e HBO, além de terem a atenção concentrada, o que é bom para atrair anunciantes, se beneficiam de um segundo fator. Se nas redes sociais fica cada vez mais difícil alcançar sua audiência, na TV e no streaming os artistas podem alcançar grandes públicos e enfrentam menos riscos de polêmicas.

Isso explica por que o BBB é cada vez mais eficiente para criar "celebridades digitais" e por que a novela ainda é a forma mais eficiente de tornar alguém "famoso" no país. Jade Picon e Anitta investindo em carreiras de atriz talvez não seja coincidência. As duas entendem de mídia e marketing como poucos no país. Jade soube usar o BBB a seu favor e, independentemente de você gostar ou não da atuação dela na novela, ela segue em destaque e é reconhecida por cada vez mais brasileiros.

Jade Picon já era um fenômeno no Instagram, mas graças à sua participação na novela da Globo, agora é conhecida por um número muito maior de pessoas, o que engorda o cachê em ações comerciais. Se souber escolher as causas "certas", poderá se beneficiar ainda mais ao ser contratada para "endossar" marcas.

Anitta declarou essa semana à revista do WSJ que alcançou tudo que sonhava como cantora, e que seu próximo passo é investir na carreira de atriz. O novo momento das redes sociais talvez ajude a explicar as crescentes polêmicas da cantora no Instagram e seu recente afastamento das redes. "Eu não tenho olhado muito as redes sociais já tem pouco mais de um mês. E muita gente vive especulando, né? Gente, não estou em depressão. Estou feliz, plena, bem".

O poder de dar "acesso a um grande público" também dará maior poder de negociação para as plataformas com os artistas, algo que perderam nos últimos anos quando os famosos descobriram que poderiam ganhar mais no Instagram do que na TV.

"Vejo as marcas cada vez mais interessadas em produzir conteúdo publicitário, seja com narrativas proprietárias ou co-criando com influenciadores", diz Santos. "Entendo que os anunciantes estão sendo mais cautelosos e apostando em histórias orgânicas, mas não percebo uma desaceleração de investimentos".

O executivo destaca que "com todas essas evoluções, é extremamente necessária a profissionalização de todo o ecossistema da influência. Com criadores entendendo que precisam ser produtores de conteúdo e fomentadores de comunidades, e os anunciantes abrindo as portas para co-criar e produzir narrativas transmídia, diversificando assim o storytelling em várias redes diferentes", afirma Santos.

A novela Travessia é um sucesso comercial, e alguns dizem que parte dos resultados se deve ao "efeito Jade Picon". A influenciadora tem ótima aceitação no mercado publicitário e é perfeita para narrativas que cruzam da TV para a internet.

Influenciadores serão grupos de mídia?

Jade Picon e Anitta estão diversificando os negócios. Ambas são apontadas como visionárias no mercado, sempre um passo à frente dos concorrentes. Mas é nos Estados Unidos onde se pode ter uma real dimensão do potencial.

MrBeast, estrela do YouTube, talvez represente em boa medida o futuro apontado por Santos. O influenciador que se tornou empresário nessa semana anunciou que vai tentar captar cerca de US$ 150 milhões para seus negócios, o que levaria o grupo a um valor de mercado de aproximadamente US$ 1,5 bilhão. O financiamento ajudaria MrBeast - cujo nome verdadeiro é Jimmy Donaldson - a expandir rapidamente seu enorme império de restaurantes e produtos com sua marca.

MrBeast, um americano de apenas 24 anos, tem 107 milhões de inscritos no YouTube e seu canal principal é o quinto canal com mais inscritos no mundo. A Forbes estima que o influenciador ganhe mais de US$ 54 milhões por ano.

Em 2020, a MrBeast lançou um negócio de alimentos chamado MrBeast Burger, uma dark kitchen que entrega em mais de 1.000 locais nos EUA, Canadá e Reino Unido. Recentemente, ele abriu seu primeiro restaurante físico do MrBeast Burger, em Nova Jersey, atraindo milhares de visitantes ao local no dia da inauguração.

Em janeiro, MrBeast estreou seu próprio negócio de lanches chamado Feastables, que faturou mais de US$ 10 milhões em seus primeiros meses de operações. MrBeast usa sua influência para construir comunidades e depois vende comida e produtos para seus fãs.

MrBeast obtém uma receita significativa de publicidade de seus canais no YouTube, que ele diz usar para reinvestir em seu conteúdo. O YouTube é conveniente para MrBeast, mas sua dependência da plataforma é cada vez menor, já que o jovem hoje lidera um negócio bilionário.

Não morrem, mas mudam radicalmente

As redes sociais não vão morrer, mas vão mudar radicalmente. Haverá cada vez mais vídeos nas redes e o conceito de influenciador mudará radicalmente, com as figuras mais relevantes se tornando cada vez mais parecidas com empresas de mídia, com presença nos mais diferentes negócios. Já as empresas de mídia vão se tornar cada vez mais parecidas com empresas de tecnologia. Em comum, todos disputando ferrenhamente a atenção das pessoas.

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