Aldeia medieval é o tour mais aleatório que você pode fazer em Buenos Aires
Castelos com chaminés e vitrais, vielas e torres empedradas, telhados pontudos e até um moinho ao estilo holandês do século 16. Parece cenário de filme de época de terras distantes, mas a descrição é de uma vila a apenas uma hora e meia da cidade de Buenos Aires, que atrai cada vez mais a atenção de brasileiros.
Trata-se de Campanópolis, uma aldeia de 12 hectares idealizada por Antonio Campana, um argentino, filho de imigrantes italianos, que, quando diagnosticado com um câncer terminal e expectativa de vida de não mais de 5 anos, decidiu se entregar à criatividade e construir seu próprio vilarejo.
Empresário, dono de supermercados e de uma fábrica de enlatados, Campana não era arquiteto, mas desde que foi diagnosticado com um câncer terminal, deixou a criatividade a solta e passou a criar seu mundo de fantasia: mesmo sem nenhuma noção de engenharia, ele começou a desenhar castelos e torres e contratar pedreiros para transformar as ideias em realidade.
Era uma casa muito engraçada
O local criado por ele surpreende não somente pela semelhança do local com uma aldeia medieval, mas também por subverter a lógica da engenharia e arquitetura: há portões em segundos andares onde deveria haver paredes ou janelas, telhas colocadas no chão e escadas que levam de um andar a lugar nenhum. Além disso, muitas portas não podem ser abertas, por só cumprirem a função de vitrais ou de decoração.
Não espere coerência ao caminhar pela aldeia, mas sim se deparar com cenários encantadores para admirar ao som de música medieval que se espalha pelo ambiente, com a possibilidade de selfies diferentes com fundos fotogênicos e a descoberta de um lugar que foge ao roteiro tradicional da visita a Buenos Aires — e que muitos habitués do país vizinho ainda não conhecem.
Antigo lixão
Localizada no município de González Catán, na zona metropolitana de Buenos Aires, a apenas 35 km da capital, Campanópolis está em um terreno de cerca de 200 hectares comprado em 1977 pelo empresário, com o intuito de construir uma casa de fim de semana e se dedicar ao cultivo agrícola, mas acabou expropriado pela ditadura (1976-1983) e transformado em um lixão a céu aberto.
Após lutar na justiça, Antonio Campana recuperou as terras e iniciou um processo de saneamento para recuperar a fertilidade do solo.
Tudo se transforma
Com a notícia da doença terminal, o empresário começou a construção da aldeia com elementos destinados ao desuso, como restos de demolições, antiguidades que comprava em leilões, além de trens e partes de ferrovias na década de 1990, quando esse tipo de transporte passou a ser desativado no país.
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Quero receberAssim, muitos elementos que acabariam no lixo ou na fundição viraram material de construção para criar o lugar, aberto ao público pelos filhos de Campana em 2013.
Entre os objetos que compõem este curioso destino turístico estão semáforos, inúmeros itens de madeira e ferro, colunas, portas e portões. Vale o olhar atento para as localizações curiosas ao percorrer a aldeia: há bombas de água, grades, pés de cama e de cadeira e outros objetos inusitados em cima de postes de luz.
Toldos que deveriam estar do lado de fora das construções, para evitar raios de sol ou gotas de chuva, decoram o interior de ambientes.
As criações impensáveis fazem com que os guias do lugar advirtam, já na entrada, que é proibido subir em qualquer escada ou abrir portas, pelo risco de acidentes, como sair do lugar com um galo na cabeça por dar de cara com uma parede inadvertidamente.
Vila surrealista
Campanópolis está dividida em três setores: a aldeia medieval, um setor de casinhas do bosque que se parece ao ambiente de contos como "Chapeuzinho Vermelho", "João e Maria" e "Os Três Porquinhos", e o setor Villa Nueva, último setor do percurso, de caráter mais surrealista e cenário para algumas das selfies mais desejadas entre os turistas que vão ao vilarejo, como a tirada de baixo para cima com o interior da torre colorida de fundo.
Ao longo do vilarejo há quatro passagens — ruelas com curvas que se assemelham às de antigas cidades europeias — e os museus da madeira, do ferro, de penduricalhos de lustres, e um sobre Campana.
No de madeira, é possível ver esquis feitos com o material como os usados antigamente, uma engrenagem da vinícola Trapiche usada para moer a uva, o relógio de uma antiga estação de trem, entre outros objetos acumulados por ele, como escadas do material que, como a maioria das que existem na aldeia, não levam a lugar nenhum.
Alça de caixão e estátua sem cabeça
Há salões temáticos, como o que é todo decorado com moedas, mas que conta com uma parede onde há diversas — pasme — alças de caixões. Várias estátuas dadas pelo governo croata para a Argentina, cortadas pela metade para ir à fundição devido à ferrugem, tiveram suas partes unidas novamente e foram colocadas em uma praça do vilarejo.
Uma delas acabou decapitada após cair com os ventos de uma época de tornados na região de González Catán, e hoje é mantida sem a cabeça.
No chão e nas paredes das construções, é possível ver os diferentes elementos reutilizados, como escória (resíduo da fundição de metais e minérios) em vez de tijolos, dormentes de vias férreas simulam os caminhos da época de charretes, projetados em ruas de paralelepípedos na mesma distância da comumente havia entre as rodas para os veículos não sacudirem no trajeto.
No interior da torre de uma delas, há belos vitrais e uma porta enorme de uma ex-discoteca, nas alturas, feita com madeira e um belo vitral.
Cenário à la "Game of Thrones"
Embora despertem a curiosidade dos visitantes, não se sabe a origem de muitos dos objetos comprados por ele. Mas muitas vieram do mundo ferroviário, como os sinalizadores com a inscrição "London Liverpool Railway" (comprados para a conexão ferroviária entre as cidades de González Catán e La Plata) que viraram pilares de sustentação de uma parte da aldeia, e as 24 colunas de 8 toneladas cada que vieram da atual Galerias Pacífico, famoso shopping de Buenos Aires, que no passado abrigou escritórios da empresa ferroviária estatal.
Campanópolis atrai tanto a atenção dos visitantes que é utilizada para ensaios fotográficos, casamentos, gravações de filmes e serviu até como lugar de estreia da série "Game of Thrones" na América Latina.
Para mergulhar na aventura medieval em plena América do Sul, há duas opções: comprar o passeio no site campanopolis.com.ar (atenção: não há bilheteria no local) e chegar de táxi ou uber ou adquirir o pacote que inclui transporte e ingresso com agências de turismo.
*A jornalista foi a Campanópolis a convite da agência Aguiar Buenos Aires.
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