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Pan 2019

Venezuelanos em êxodo matam saudades de casa no Pan

Venezuelanos torcem pela seleção de softbol no Pan - Demétrio Vecchioli/UOL
Venezuelanos torcem pela seleção de softbol no Pan Imagem: Demétrio Vecchioli/UOL

Demétrio Vecchioli

Do UOL, em Lima (Peru)

30/07/2019 04h00

Foram três horas esperando até que o contêiner que vende entradas para o centro esportivo da Villa María del Triunfo enfim reabrisse, já no meio da tarde. Mas valeu a pena. Mesmo vivendo de bicos, Juan Fernando, 22 anos, estava com os 20 soles (cerca de R$ 22,00) reservados para um aguardado momento. Depois de pouco mais de um ano, o venezuelano iria voltar a um campo de beisebol.

Quer dizer, de sotfbol. Mas não faz diferença. Importante era entrar e reencontrar o cenário tão conhecido: um taco, uma bola, muitos bonés, uma paixão. O beisebol é a paixão nacional de um povo que está em êxodo. São cerca de 800 mil venezuelanos morando no Peru, a maioria deles em Lima. Poder gritar "ponche, ponche, ponche" ("eliminação", na gíria da modalidade) de novo é, por alguns minutos, estar novamente em casa.

Não era difícil identificar que a maior parte do público que prestigiava a vitória da Venezuela sobre a seleção anfitriã, pela terceira rodada do torneio de softbol masculino do Pan, não estava ali para torcer para os donos da casa. Se os peruanos pareciam torcer sem entender direito o que estava acontecendo em campo, gritando mais por patriotismo, os venezuelanos estavam, em sua maioria, vestidos a caráter, muitos com os uniformes de seus times do coração.

O beisebol é o esporte número um da Venezuela, que não joga a modalidade no Pan. Não se classificou porque não viajou ao Brasil no começo do ano para disputar um torneio qualificatório. A confederação não tinha dinheiro. A crise que atingiu cada venezuelano sentado na arquibancada do estádio também atingiu a seleção.

Família vende tudo

Pedro Fuñeda chegou a Lima há dois anos e não sabe quando vai voltar para casa. Nem se vai, um dia. Os laços com a Venezuela continuam existindo, mas apenas os afetivos. Para fugir da crise e seguir a vida em outro lugar, vendeu tudo. Carro, casa, bens pessoais. Pegou um ônibus, depois outro, depois outro, até chegar à capital peruana. Agora está recomeçando.

Diferentemente da maior parte dos compatriotas, encontrou emprego na mesma área em que atuava na Venezuela: em uma funerária. Ao seu lado, sua mulher, vestindo orgulhosa uma camiseta com a bandeira do país, conta que trabalha em uma fábrica de sofás.

"Escolhemos o Peru pela situação econômica. Aqui há emprego. Está melhor do que o Chile, que a Argentina", compara ele. Sua história é como de tantos outros. A crise o deixou sem condições de ter uma vida digna. Mesmo se as coisas melhorarem um pouco, não pensa em voltar por enquanto. "Tem essa daqui", me diz, enquanto bagunça o cabelo da filha Julia, oito anos. "Nossa prioridade é que ela cresça bem".

Inressos de softbol no Pan - Demétrio Vecchioli - Demétrio Vecchioli
Torcedores esperam em fila para assistir aos jogos do softbol
Imagem: Demétrio Vecchioli

Saudades da tapioca

Este repórter aprendeu a diferença entre softbol e beisebol (basicamente o primeiro tem bola maior, campo menor e arremesso por baixo) graças à prestatividade dos jovens Mikel e Manoela. Os dois pareciam loucos para praticar o português. "Por que você não trouxe tapioca?", perguntou ela, pelo menos três vezes. Expliquei que também eu deveria ter pensado nisso, porque o pão do hotel é sempre o mesmo e não me entra na cabeça a ideia de comer arroz e feijão no café da manhã, como servem onde estou hospedado.

O namorado deixa claro que não está muito feliz com a culinária peruana. "Aqui é só pão. Pão com tudo. Quero comer feijoada! Farofa!". É saudade de Manaus, onde viveram por seis meses. "Deixei muitos amigos lá, vamos voltar um dia", dizem.

Por enquanto é só um sonho. Fugindo da Venezuela, eles moraram seis meses no Amazonas. Depois, vieram de ônibus até Lima, onde o pai dela os estava esperando e precisava de ajuda na vidraçaria, que pelo jeito vai bem. Os três e mais a irmã pequena de Manoela compraram ingressos para todos os dias.

Um atleta na torcida

Jossman Marcano não deu a mesma atenção à reportagem. Ele levando a sério o jogo e não queria desviar sua atenção. Mais do que torcedor, ele é também jogador e técnico de softbol. Seu nome estava costurado na jaqueta amarela: professor Jossman Marcano.

Ele e centenas de venezuelanos que moram em Lima jogam softbol todos os domingos de manhã. Na falta de um campo, as partidas acontecem na areia. É a Liga VenePeru de Softbol adaptado. "Tem um time de cada estado da Venezuela. Todos os domingos, às 9 horas, estamos lá", conta.

Neste domingo ele foi direto da praia para Villa María del Triunfo, um bairro carente de Lima. Ficou duas horas na fila para comprar ingresso. Outros tiveram mais dificuldade. Juan Fernando, citado no início deste texto, contava que estava lá há três horas, com apenas dez pessoas à frente dele e de outros três amigos, todos jovens, quando a bilheteria finalmente abriu e a fila andou.

Logo atrás dele, Darwin vibrou. Havia tentado comprar entradas pela internet, mas não conseguira. No dia pátrio do Peru, tirou folga. Motorista de aplicativo, ainda busca por um trabalho fixo, mas não reclama. "Aqui está muito melhor. Não há comparação. Na Venezuela, não havia dinheiro para sair de casa", lembra.

Apesar da demora para comprar ingresso, o estádio não ficou lotado. Em campo, a Venezuela ganhou de três a zero e chegou ao seu primeiro triunfo no torneio.