Paixão internacional: elas não têm time brasileiro, mas estarão torcendo na final da Liga dos Campeões
O que define a paixão no futebol? Acompanhar todas as notícias, vibrar nas vitórias e lamentar as derrotas? É o conceito clássico, mas e quando o coração bate por um clube estrangeiro - e não por um brasileiro? A final da Liga dos Campeões, disputada entre Real Madrid e Liverpool, neste sábado, às 15h45, revela duas histórias curiosas de amores internacionais. O LANCE! conta os casos das torcedoras Giovanna Rinaldi e Mariana Fonseca, que mostram que o apego a um clube é muito mais que simplesmente rodar a catraca de um estádio.
É o caso da jornalista Giovanna Rinaldi, de 23 anos, torcedora do Real Madrid. Diferente do restante de sua família, não se sentiu encantada por qualquer equipe brasileira e deixou de lado a influência paulista para encontrar aconchego no futebol espanhol. Na época que o Barcelona dominava o continente, Iker Casillas fez com que ela fosse para o outro lado do país.
- Eu era muito fã dele (Casillas). Eu já gostava de futebol com uns 13 anos, mas acompanhava religiosamente e não tinha um time específico. Nem nacional nem de fora. Eu queria acompanhar mais e passei a assistir ao Madrid. Começou de forma despretensiosa, mas não demorou quase nada pro clube em si me cativar e virar aquela coisa de marcar os jogos no calendário. A partir daí não larguei mais, apesar da época praticamente coincidir com o domínio absoluto do Barcelona com o Guardiola - conta Giovanna.
Já a analista comercial Mariana Fonseca, de 23 anos, deixou a influência dos pais de lado para dedicar seu tempo e sentimento no Campeonato Inglês. Não que as quatro grandes equipes de São Paulo não fossem interessantes, pelo contrário, mas a jovem preferiu adotar o Liverpool (ING) como seu clube de coração. O motivo? Segundo ela, história e torcida foram os fatores primordiais.
- Conheci o Liverpool por conta do bom desempenho do Michael Owen em 2002. Naquele período era muito difícil acompanhar devido ao difícil acesso a notícias. O fator principal para que o Liverpool se tornasse o meu time do coração foi principalmente ter conhecido e entendido os valores do clube e a relação histórica clube-cidade. O fator história e torcida pesaram muito para o encantamento também mas, o principal, foi encontrar ali um lugar que tive identificação com ideais e valores - conta Mariana.
O LANCE! conversou com elas para conhecer as histórias, trajetórias e melhores momentos que vivenciaram ao lados dos clubes europeus para as quais torcem. Entre viagens ao Velho Continente aos comentários pejorativos recebidos nas redes sociais, as torcedoras nutrem seus sentimentos à espera da final da Liga dos Campeões. O L! transmite em tempo real a partir das 13h, neste sábado, a decisão da Liga dos Campeões.
Mariana e Liverpool: uma história que ultrapassa o continente
Não foi por falta de tentativa que Mariana decidiu não torcer para uma equipe brasileira. O pai e o avô da paulista bem que tentaram, mas não conseguiram levar mais uma adepta para seus clubes de coração. Não foram poucas as camisas de presente, histórias sobre um passado glorioso e idas a estádios nos domingos. No entanto, sem sucesso. O vínculo afetivo surgiu do outro lado do continente, assistindo ao Liverpool pela televisão.
- Muitas pessoas atribuem o fato da minha e da nova geração não torcerem para um time nacional por não "viver" o futebol nacional, mas isso é balela. Posso dizer que não torço para um time nacional porque nunca tive o sentimento de identificação com os clubes daqui. Nunca me senti pertencente a uma torcida brasileira, eram só as pessoas tentando me impor um sentimento que não existia - disse a torcedora.
Todo torcedor que simpatiza com uma equipe internacional carrega o sonho de assistir a uma partida do estádio. No caso de Mariana, as arquibancadas de Anfield têm uma memória plural com a brasileira. Aos 23 anos, a paulista carrega idas e vindas entre Brasil e Inglaterra e vivenciou a trajetória do Liverpool nesta edição de Liga dos Campeões como poucos. Ela conta sobre as melhores histórias vividas nas viagens para acompanhar o clube.
- Poderia dar a resposta que todos esperam: a final de 2005 contra o Milan mas, quero mencionar como uma das experiências mais especiais ter vivido essa Liga dos Campeões de perto. Essa temporada estive viajando para alguns jogos do Liverpool e tive a oportunidade de estar no jogo contra o Maribor, na Eslovênia, e contra o Porto, em Anfield, e foram experiências surreais. Viajar com outros torcedores, conhecer muitas pessoas novas e culturas diferentes acrescentou muito na minha vida - conta.
É comum ver os efeitos da globalização no futebol internacional. Barcelona e Real Madrid exploram o mercado asiático de forma intensa. O Manchester United domina a China e a Índia. O Manchester City iniciou projeto para montar suas bases na América do Norte. Essa explosão é um fenômeno social que tem crescido gradativamente a medida que os clubes europeus aumentam seu poderio financeiro - e casos como de Mariana são mais comuns do que parece.
- Com o avanço das redes sociais, em questão de segundos você tem acesso ao dia a dia completo do clube inclusive com ótima cobertura no seu idioma local, facilitando e criando a sensação de proximidade com o clube que está a mais de 6.000 milhas de distância da sua cidade natal. A tendência é que o número de torcedores e simpatizantes de clubes europeus no Brasil cresça justamente por essa abertura de mercado e espaço para crescimento considerando que o cenário do futebol brasileiro é desfavorável. Os cabeças do esporte não têm interesse em apresentar melhorias ou atrativos para as novas gerações - declara.
Mariana se tornou uma referência para os torcedores do Liverpool. Seu perfil virou uma plataforma de notícias que ganha mais seguidores a cada partida. Mesmo com isso, nem tudo são flores nessa trajetória. A paulista já sofreu com ataques nas redes sociais por torcer para uma equipe internacional. Por isso, prefere se resguardar nas discussões - as quais considera irrelevante.
- Muitas vezes escutei que não gosto de futebol de verdade além de ouvir com muita frequência termos toscos como geração 'nutella', criada a leite com pera, e ainda tenho o bônus de ouvir comentários machistas como, por exemplo, você só torce para o Liverpool porque x jogador é bonito. Com o tempo isso se tornou irrelevante, as pessoas costumam falar qualquer coisa para ofender e atacar quando o assunto é algo que elas não compreendem. A verdade é uma só: limite geográfico não é, nunca foi, limitante, tão pouco fator de condição, pra sentimento.
Giovanna e Real Madrid: o conto de fadas em 'La Décima'
"A gente não escolhe por quem se apaixona, não é?" Foi assim que Giovanna Rinaldi começou a contar sobre sua paixão pelo Real Madrid. O caso é parecido com o de Mariana: simpatizava com o São Paulo na infância, muito por influência dos pais, mas sempre o tratou de maneira superficial. Por outro lado, o coração batia mais forte na Copa do Mundo. Ela não entendia o porquê, até passar a viver os campeonatos europeus.
- Não tenho um time nacional porque nenhum acabou me cativando da maneira que um lá de fora fez. Minha família é metade palmeirense, uma parte são-paulina e a parte do Sul é colorada. Tenho simpatia por alguns times brasileiros, inclusive vou ao estádio assistir jogos, mas torcer mesmo acabo torcendo só pelo Madrid. Claro que gostaria de poder ir assistir meu time jogar ao vivo todo final de semana, mas a distância não me desinteressou, pelo contrário - conta Giovanna.
De lá para cá, foram idas e vindas com o Real Madrid. No currículo, são três títulos de Liga dos Campeões, algumas delas com sua presença no estádio. Giovanna destaca que a maior emoção veio em 'La Décima'. O título diante do Atlético de Madrid, em Lisboa, é considerado como o momento de maior emoção que o clube espanhol deu para a jornalista. Emoção esta que nunca passou perto de sentir acompanhando o futebol brasileiro.
- A maior experiência que o Madrid me deu foi a conquista da décima Liga dos Campeões. As que vieram depois também foram muito importantes, mas a décima teve um peso especial. Era aquela obsessão de mais de uma década, aquele título que faltava pra que as coisas voltassem a engrenar pro Madrid a nível europeu. E também, pela maneira que foi, contra um rival e gol aos 93. Foi uma emoção enorme, uma descarga de adrenalina tão grande e num momento tão crítico, que todo mundo sabia que aquele gol não ia nos levar pra prorrogação, mas que o título era nosso - conta.
O crescimento da busca pelos clubes europeus dentro do mercado brasileiro é apresentado das formas mais simples. Não é difícil encontrar uma criança vestindo a camisa de Messi ou Cristiano Ronaldo, conversar com os amigos sobre como Neymar está no PSG ou, até mesmo, uma troca de figurinhas no shopping pode fazer esse círculo aumentar, como conta Giovanna.
- Outro dia fui trocar figurinhas da Copa em um shopping e passei meia hora conversando com um menino que não deveria ter 10 anos e sabia muito de futebol europeu, conhecia vários jogadores além dos mais famosos. Isso se deve ao desinteresse pelo futebol nacional, por questões que acabam o desvalorizando e afastando o torcedor. E é claro que a ida de craques brasileiros para fora também contribui, é fácil perceber isso com o enorme destaque que o PSG ganhou no Brasil depois da ida do Neymar para o futebol francês - conta.
O lado negativo dessa equação é o mesmo nas redes sociais. Mensagens ofensivas não são novidades, atreladas a termos pejorativos como "geração Playstation" e "torcedor Nutella". Giovanna sabe que ainda enfrenta resistência por torcer para um time europeu, mas procura não se ofender com as declarações e afirma que não precisa de um 'certificado' para se considerar uma torcedora de verdade.
- Ainda existe um pé atrás da maioria das pessoas quando digo que só torço pro Real, que "torcer pra time assim é fácil", que sou brasileira e não espanhola, que sou da geração PlayStation e por aí vai. Eu nunca liguei muito porque nunca achei que deveria justificar porque eu torço pra um time e não pra outro, assim como a maioria das pessoas que torce para um time nacional também não precisa. Eu acho isso uma besteira, porque tem gente que torce pra um time da sua própria cidade e não vai assistir, só vê pela TV. Cada um na sua. Futebol é paixão, você não precisa se adequar a certos critérios pra ganhar um certificado de torcedor "de verdade".
*Sob supervisão de Aigor Ojêda
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