Sem receber e preso a clube romeno, brasileiro de 23 anos pensa em parar
Rafael Kneif é um lateral-esquerdo brasileiro de 23 anos. Não está contundido. Em boas condições físicas e médicas, treina todos os dias em Sorocaba, interior de São Paulo. Já passou pelas categorias de base do Flamengo, foi campeão paranaense profissional pelo Coritiba e tem propostas para atuar no Brasil e na Itália.
Rafael Kneif pensa em abandonar a carreira.
- Eu estou preocupado com ele. Está ficando depressivo - revela a mãe, Adriana Martins Kneif Reis.
Kneiff é protagonista de uma história surreal no futebol. Sua antiga equipe lhe deve sete mil euros (R$ 31 mil) em salários, mas o processa por abandono de emprego. Um clube que decretou falência, alega que não pode pagar seus atletas, mas continua contratando reforços. Equipe que fez com que o brasileiro, desiludido com o futebol, pense em pendurar as chuteiras.
- Não sei se depois de tanto tempo inativo vou conseguir arrumar um time. Eu treino todos os dias, mas estar fora de um elenco pesa. Ninguém vai querer saber da minha história, que eu estava sem receber. Vão desconfiar. Talvez minha opção seja parar. - confessa ao LANCE!
Os problemas começaram em janeiro do ano passado, quando seu empresário avisou da existência de uma proposta do FC Ceahlaul, da Primeira Divisão da Romênia. Parecia uma boa oportunidade. Não tanto pelo dinheiro, mas para aparecer no mercado europeu. O raciocínio foi correto, tanto que recebeu sondagens de outros clubes do Velho Continente. Mas quando isso aconteceu, ele já brigava com os dirigentes romenos.
Em seis meses de trabalho no Ceahlaul, Kneif recebeu 15 dias de salários. Só. Não passou fome porque a mãe lhe mandava dinheiro.
Adriana briga mais do que o próprio filho pela carreira dele no futebol. Pediu ajuda à Fifa, CBF, FIFPro (sindicato mundial de jogadores), Ministério do Trabalho, das Relações Exteriores, Conmebol.
- Ela apelou a tudo e a todos. Nunca vi uma mãe brigar tanto pelo filho - confessa Leandro Andreotti, especialista em direito esportivo internacional, contratado pela família para cuidar do caso.
Apesar da inadimplência, Kneif jogou 18 partidas em seis meses no Campeonato Romeno. Foi titular 16 vezes. No meio do caminho, o Ceahlaul entrou em liquidação. Pelas leis do país, quando um time abre processo de falência, não é obrigado a pagar nenhum funcionário.
- A legislação deles favorece totalmente o clube e em nada o trabalhador - completa Andreotti.
- Eu não ia deixar meu filho passar necessidade. Mandei um cartão de crédito para ele comprar comida, casaco para enfrentar o frio. Mas eles fazem isso com todos os jogadores. Eu tive condições de ajudar o Rafael. E se não tivesse? - se revolta Adriana.
Kneif voltou ao Brasil em julho para passar férias e a mãe impediu que viajasse novamente para a Romênia. Isso apesar de o presidente e dono do clube, o italiano Angelo Massone, exigir o retorno do lateral a Piatra Neamt, cidade onde fica a sede do Ceahlaul. Ameaçou com punições. O jogador teria de viajar com seu próprio dinheiro. A equipe não pagaria a passagem.
- Eu não deixei que voltasse. Já sabiam que ele estava descontente. Como saber o que iam fazer com o meu filho? - questiona a mãe.
O lateral conta histórias de maus tratos a funcionários e atletas. Fala de racismo contra um jogador negro do elenco. Ofensas feitas pelo próprio dono da equipe.
- Ele é italiano e não sabia que eu falava italiano. Eu ouvi e entendi o que ele falava. Não pagava salário de ninguém. Nem de gente humilde, como o cozinheiro, a mulher que limpava o chão. As condições de trabalho eram absurdas. Quando os jogadores reclamavam de alguma coisa, ele dizia que era a "revolta dos escravos" - relata o brasileiro.
A briga pela liberação tem um pano de fundo. O Ceahlaul quer que Rafael esqueça a dívida para poder atuar em outra equipe. Ele e a família não querem nem ouvir o assunto. Uma questão de justiça não apenas por causa do brasileiro, mas por outros que passam pela mesma situação na Romênia. Para forçar a situação, o clube entrou com processo contra o volante por abandono de emprego. Na Justiça comum, algo que a Fifa condena.
Consultado pelo LANCE!, Rinaldo Martorelli, representante do FIFPro no Brasil, afirma que a entidade acionou o Sindicato dos Jogadores na Romênia porque, segundo o contrato, todas as pergências devem ser decididas nos órgãos do país europeu. Esse é outro temor da família. A lentidão das decisões, que quase sempre favorecem ao clube.
- Nós queremos que a Fifa tome uma atitude. Há jurisprudência quanto a isso. A Fifa pode intervir. A Romênia é um país que, com relação a processos de insolvência e falência, apenas protege o clube - completa Andreotti.
O lateral brasileiro relata casos de ex-companheiros que, para conseguirem sobreviver, abandonaram o futebol e foram colher tomates na Bélgica.
Teoricamente, toda a questão poderia se resolver em maio, quando termina o contrato com o Ceahlaul. Mas quem quiser contar com o brasileiro depois disso terá de pedir uma transferência internacional. Há o temor de que a Federação Romena se recuse a fazê-la porque a equipe considera que o rompimento de contrato foi litigioso.
- Qualquer time que quiser me contratar, terá de solicitar minha liberação e o caso vai passar pela Fifa. Haverá o medo de que algum problema possa acontecer - constata Kneif.
Atualmente na Segunda Divisão, o Ceahlaul está liberado para contratar novos atletas, inclusive do exterior. Isso apesar de ter pedido processo de falência o que, teoricamente, significa não ter dinheiro. Sinaliza que mais brasileiros podem ser enganados no futuro por situações que, inicialmente, pareçam vantajosas.
- O mercado de futebol tem maus pagadores e qualquer empresário no meio sabe quais são. O atleta, antes de aceitar uma proposta dele, tem de procurar se informar sobre todas as questões - pede Andreotti.
Enquanto isso, ele espera por uma decisão da Fifa que não tem data para acontecer. Pode chegar a qualquer momento, mas pode demorar até dois anos. Enquanto Rafael Kneif pensa até em abandonar a carreira aos 23 anos por causa de um passo errado, a mãe se desespera.
- Ele não é Messi. Não é Cristiano Ronaldo. O que fazem com jogadores como o Rafael não aparece na mídia, a Fifa não se preocupa. Gastam milhões para o prêmio da Bola de Ouro e não dão atenção a atletas que ficam presos a esse sistema de transferência internacional - reclama Adriana, contando os dias para o fim do pesadelo do filho.
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