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Carioca - 2022

Fluminense tenta fechar a porta do 'clube dos tetras' do RJ para o Flamengo

Marinho, jogador do Flamengo disputa lance com Calegari jogador do Fluminense  - Thiago Ribeiro/AGIF
Marinho, jogador do Flamengo disputa lance com Calegari jogador do Fluminense Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

02/04/2022 04h00

O Flamengo entra em campo, hoje (2), buscando atingir o inédito tetracampeonato do Carioca, e o Fluminense tenta impedir que o rival passe a integrar a prateleira que, atualmente, tem apenas o clube das Laranjeiras e o Botafogo. O tema, inclusive, até os dias de hoje reforça o antagonismo entre tricolores e alvinegros e já gerou alfinetadas em redes sociais.

A equipe comandada por Abel Braga venceu o primeiro duelo da decisão por 2 a 0, na última quarta-feira (30), e pode ser campeão até se perder por um gol de diferença. Já o Rubro-Negro precisa vencer por três gols de vantagem para garantir o troféu.

Campeão em 2019, ao bater o Vasco na final, e de 2020 e 2021, ambos sobre o próprio Fluminense, o clube da Gávea nunca foi campeão quatro vezes consecutivas. O feito o faria igualar as marcas do Tricolor, que conquistou o Estadual entre 1906 e 1909, e do Botafogo, campeão entre 1932 e 1935.

"O tetra de 1909 marcou o fim de uma era. Foi o último título da geração de 1902, que fez parte da fundação do Fluminense Football Club, primeiro clube do país com futebol no nome e foco exclusivo para o esporte. O time-base contou com os irmãos argentinos Victor e Emile Etchegaray, que, além de Félix Frias, foram os únicos que participaram de todas as partidas nos quatro títulos. Outros nomes com destaque foram os dos artilheiros Horácio Costa Santos e Edwin Cox, primeiros goleadores da história tricolor", disse Dhaniel Cohen, coordenador do Flu Memória.

Equipe do Fluminense de 1909, que conquistou o tetra do Carioca - Site oficial Fluminense - Site oficial Fluminense
Imagem: Site oficial Fluminense

No lado do Glorioso, o escritor e pesquisador Auriel de Almeida lembra a importância daquele time da década de 30 na história do clube.

"Geralmente, quando se fala em Botafogo, se lembra do maior esquadrão de todos os tempos, da década de 60, mas nos anos 30 também tinha uma grande equipe. O Botafogo tinha passado uma década de 20 não muito boa, mas, a partir do final da reta final daquela década, começa a reunir grandes craques. O tetra começou sob o comando do técnico húngaro Nicolas Ladanyi, que implementou coisas que faziam sucesso na Europa, como o uso da psicanálise do esporte, e, em campo, colocava um futebol bem ofensivo", disse ele, que é autor de livros como "Passos do Campeão", sobre a Taça Brasil de 1968.

Ele lembra ainda uma peculiaridade sobre as quatro taças do Alvinegro, e as consequências dos debates quanto à profissionalização no futebol.

Equipe do Botafogo de 1935, que conquistou o tetra do Carioca - Site oficial do Botafogo - Site oficial do Botafogo
Imagem: Site oficial do Botafogo

"Tem algo nessa sequência que tem de ser explicado. O futebol era, oficialmente, amador até 1932. Houve uma cisão para o profissionalismo. O Botafogo e o Flamengo eram contra o profissionalismo, enquanto Vasco e Fluminense eram a favor. Então, Vasco, Flu e America montaram uma liga profissional, enquanto havia a liga amadora. Quando o Flamengo resolveu aderir ao profissionalismo, o Botafogo ficou sozinho, e disputou os campeonatos de 33 e 34 ainda neste formato", recordou.

"Posteriormente, a CBD aceitou o profissionalismo e o regulamentou. Com isso, conseguiu atrair alguns clubes. O Bangu, campeão de 33, e o Vasco, de 34, vieram para a mesma liga. Em 35, com todos na mesma competição, o Botafogo se sagrou campeão, e conquistou o quarto título em sequência", completou.

A polêmica de 1907

O Campeonato Carioca iniciou em 1906 e já em sua segunda edição houve uma polêmica que durou anos, persiste até os dias de hoje, e causou até mesmo mudança no hino de um dos clubes.

Em 1907, após alguns pontos controversos, Botafogo e Fluminense tinham o mesmo número de pontos ao fim da competição. O Tricolor apontava a ata da Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA) para indicar que seria o campeão pelo chamado "goal average", saldo de gols, como critério de desempate.

O Alvinegro, por sua vez, sentindo-se prejudicado pelo W.O. contra o Internacional — que também não havia enfrentado o Fluminense por estar suspenso pela LMSA —, se mostrou a favor da realização de um jogo-extra. O que não foi acatado.

Um dia após o último jogo, houve uma Assembleia na qual a diretoria da LMSA discutiu a questão do "goal average", mas a ata acabou derrubada posteriormente pelo Conselho da Liga. Sem um acordo entre os clubes, houve uma grande confusão e a liga foi dissolvida.

Em 1989, o assunto voltou à tona. Após briga nos bastidores, e decisões que indicaram, em momentos distintos, cada time campeão, o Botafogo foi ao Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro (TJD-RJ), sob a alegação de que, à época, o regulamento não apontava tais critérios de desempate.

"A primeira rivalidade do Rio é Botafogo e Fluminense por causa de 1907. Aquele foi um ano em que não se tinha o critério de desempate no regulamento, os times decidiam isso. O Botafogo queria um jogo-extra, e o Fluminense queria ser declarado o campeão. Houve uma tentativa de mudança de regulamento, mas, para isso, deveria ser unânime, e a votação foi 3 a 2", afirmou Auriel de Almeida.

"O regulamento alegado era adendo, não valia. O Estatuto da LMSA de 1907, na seção 'regulamento dos campeonatos de foot-ball', é estabelecido que o clube com menos pontos perdidos, sendo dois por derrota e um por empate, será o campeão. Apenas isso. Se existisse regulamento que dava o título ao Flu, teria sido cumprido", completou.

Em 1996, quase 90 anos depois do torneio, Eduardo Viana, então presidente da Ferj, decidiu decretar os dois clubes como os campeões de 1907.

"Pelo regulamento da competição de 1907, que foi acertado anteriormente por todos os clubes, o título era para ser único e exclusivo do Fluminense. Fluminense e Botafogo terminaram empatados em pontos, mas o saldo de gols era o critério definido como desempate. Com isso, o título seria tricolor, mas os alvinegros não aceitaram e sugeriram um jogo extra. Quase 90 anos depois, de modo muito mais político do que legal ou técnico, os dois clubes foram declarados campeões. Pelo bom senso, jamais o título poderia deixar de ficar marcado na história como do Tricolor", disse Dhaniel Cohen.

O ato fez o Botafogo até mesmo mudar o hino. Antes "campeão de 1910", a canção passou a ser "campeão desde 1907".

Em 2016, o debate ganhou novo episódio, quando o Alvinegro lançou uma camisa em que havia um selo com os dizeres "único tetracampeão carioca". Nas redes sociais, os clubes "trocaram farpas", e o Fluminense lembrou ser o "primeiro tetracampeão".