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Deyverson S.A.? Família encara carreira do jogador como trabalho coletivo

Deyverson em ação durante treinamento do Palmeiras - Cesar Greco/Palmeiras
Deyverson em ação durante treinamento do Palmeiras Imagem: Cesar Greco/Palmeiras

Diego Iwata Lima

De São Paulo

02/07/2021 04h00

Quando vai dar conselho a um dos jovens atletas de cujas carreiras cuida, Anderson Brum, 35, ex-goleiro profissional, tem o discurso na ponta da língua.

"Meu irmão não é Neymar, mas se vocês tiverem o espírito dele, vocês podem até não chegar na lua e nas estrelas, mas vão chegar no topo do mundo".

Parece até que Anderson e Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, já se conversaram. Pois é mais ou menos isso que o português fala do tal irmão de Anderson, o atacante Deyverson.

Em mais de uma oportunidade, Abel elogiou o camisa 16 pela disposição e entrega nos jogos em que o dirigiu.

"Ele é assim desde moleque, podia ser jogo de pingue-pongue, futebol, qualquer coisa. Ele sempre foi de se entregar ao máximo", contou Anderson, em entrevista ao UOL.

"Eu fiquei até emocionado quando o Abel falou que o primeiro zagueiro dele é o centroavante [após a partida contra o Juventude], pois é exatamente assim que o Deyverson pensa".

Anderson é hoje quem comanda, no escritório e no campo, a Associação Esportiva e Cultural Mamaô, clube amador que leva o pseudônimo de seu pai Carlos, peculiarmente assim apelidado por ter sido amamentado até os dez anos de idade.

"Ficavam sacaneando —'aê mamador', 'aê, mamão', 'para de mamar' e tal—, até que um dia ele se tornou Mamaô", revelou.

Mas essa não é a única função de Anderson atualmente. Junto com o irmão Leandro e seus pais, ele comanda a "Deyverson S.A.".

Família, empresa

Não, não existe um CNPJ formalmente constituído para tal entidade. Mas a carreira do jogador do Palmeiras é encarada por toda a família como uma empreitada empresarial e conjunta. Visão que, segundo Anderson, ajudou muito na fase mais tranquila que Deyverson vive atualmente.

"A gente se fala todo dia, o dia todo, por WhatsApp. Logo pela manhã, já trocamos "bom dia", "eu te amo", "bom trabalho", pedimos a benção e comentamos alguma coisa que tenha acontecido com um de nós, inclusive com o Deyverson", conta ele.

"A gente se fala para transmitir o que precisa ser dito. Combinamos de não exagerar, não encher o saco do Deyverson. Mas dentro da autonomia que ele tem e precisa, falamos com ele de vez em quando sobre algo que tenha acontecido em algum jogo", diz.

"Quando um erra, erramos todos. Quando acerta, acertamos todos. Vale para mim e para meus irmãos", diz.

Ser em campo como é fora dele

Se para os garotos ele sugere que imitem a disposição do irmão, para Deyverson o conselho é para ele também imitar a si mesmo —mas a maneira como ele é fora dos gramados.

Deyverson e irmão  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Anderson Brum e Deyverson em jogo amador
Imagem: Arquivo Pessoal

"O que eu digo para ele sempre é: você é um cara sensacional, que ajuda um monte de gente, que é amado por todo mundo. Apenas deixe que esse cara entre em campo, nada mais que isso", conta Anderson.

"Eu digo: "você é um atleta que todo time gostaria de contar, você faz o trabalho sujo, você aparece para o treinador, não para a torcida. Quando for provocado ou provocar, não tem necessidade de ocasionar grandes turbulências". Ele foi melhorando ao longo desse tempo na Europa, que nos escolhemos para que ele fosse respirar um pouco", conta.

Cruzmaltinos e Rubro-negros? Não, palmeirenses

Anderson diz que Deyverson voltou ao Brasil contra o conselho da família e de seu agente, o português Filipe Dias.

"A gente insistia para ele ficar mais um pouco na Europa, ele tinha mercado. Mas ele dizia: 'eu amo o Palmeiras, eu quero o Palmeiras', queria voltar", garante Brum.

"E dizíamos: 'você sabe como é o clima no Palmeiras, o que é bom e o que é ruim, as coisas que fizeram você sair de lá'. E ele dizia que os erros haviam sido dele, e que ele queria aproveitar essa oportunidade para dar o mesmo retorno que deu no campo em 2018, mas mais amadurecido", completa.

Anderson garante que o irmão, vascaíno na infância, se tornou palmeirense. E não foi só ele. Rubro-negro, Anderson garante que hoje veste a camisa do Palmeiras com orgulho. "O amor dele pelo clube passou para a gente também", afirma.

Quem fez Deyverson vascaíno quando criança, aliás, foi o próprio Anderson. "Eu, minha mãe e o Luciano, nosso irmão do meio, éramos flamenguistas, e só meu pai era vascaíno. Minha mãe então me chamou e disse que um dos meninos mais novos tinha de virar a casaca para o Vasco, para o meu pai não ficar sozinho. E eu escolhi o Deyvin, porque ele era mais novo, ainda não era de tirar sarro e tal", conta.

Um goleiro promissor que tomou decisões erradas

Anderson brum goleiro  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Anderson Brum no Figueirense, em 2005
Imagem: Arquivo Pessoal

Anderson foi um goleiro promissor. No bairro de Santa Margarida, onde nasceu e cresceu, diziam que ele era o irmão que viraria jogador de futebol.

Em 2006, com 19 anos, ele estava no Figueirense dividindo vestiário com Edmundo, Rodrigo Souto, Cléber (ex-Palmeiras) e Sergio Manoel. Do Animal, aliás, ele só tem coisas boas a dizer.

"Estava sempre brincando comigo, dizia que carioca tinha que andar com carioca", conta.

Anderson era do Sub-20, mas ia para o banco dos profissionais. Parecia ser questão de tempo para que ele explodisse. Mas uma série de atuações ruins pela equipe júnior do Figueira acabou fazendo com que ele fosse dispensado e começasse a rodar por clubes menores.

Ao deixar Santa Catarina, tinha proposta para ganhar R$ 900, na época em que o salário mínimo era por volta de R$ 300, para jogar por um clube da primeira divisão do Paraná.

"Eu tinha 19 anos e não quis, achei pouco, queria ganhar R$ 2 mil", conta. "Depois de um tempo, fui para o Teresópolis, e lá rompi o ligamento cruzado do joelho. Dali para frente, minha carreira não foi mais a mesma", conta.

A vida como jogador se encerrou em 2017, quando ele era goleiro do Angra, da Série B2 do Rio, o equivalente à quarta divisão. Por lá, conforme reportagem publicada pelo UOL na época, ficou sem receber salários.

"A gente jogava pela emoção", conta Anderson, que recebia R$ 100 em um mês, R$ 200 no outro, até que passou a não receber mais nada.

"Ou ficava com o sonho e a vaidade de ser jogador de futebol, ou dava suporte à minha família. Então, decidi parar e ficar no futebol", conta. Com a carreira encerrada, começou então a fase gestor, convidado pelo português Filipe Dias. E foi com Deyverson que ele começou a entrar mais profundamente nesse outro lado do esporte.

No dia em que concedeu entrevista ao UOL, Anderson estava na correria entre a Polícia Federal e a Civil, para emitir um novo RG e um passaporte para um dos seis atletas que ele vai levar do Mamaô para clubes portugueses variados.

"O Derik Lacerda [que está no Moreirense, ex-Coimbra] fui eu que descobri", conta orgulhoso.

"O futebol é muito generoso com quem faz as escolhas certas", filosofa Anderson, que também faz faculdade de Direito no Rio e hoje tem uma casa no badalado Recreio dos Bandeirantes, zona sul da cidade.

"Mas foi por causa de uma escolha errada que minha carreira como atleta não decolou, para que eu hoje pudesse não só ajudar meu irmão, meus pais, mas também ajudar a realizar os sonhos de tantos outros garotos como eu e o Deyverson", finalizou.

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