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Inter sofrido, Aguirre sincero e o 7 a 1 na Copa. Juan abre o jogo

Zagueiro e um dos líderes do grupo revela conversa de Aguirre que mudou o Inter - Jeremias Wernek/UOL
Zagueiro e um dos líderes do grupo revela conversa de Aguirre que mudou o Inter Imagem: Jeremias Wernek/UOL

Jeremias Wernek

Do UOL, em Porto Alegre

03/06/2015 06h00

Um Internacional sofrido, forjado na temporada em que o Beira-Rio ficou fechado e na luta contra o rebaixamento que existiu matematicamente até a última rodada do Brasileirão, é a essência do time que está na semifinal da Copa Libertadores. Esta é a definição de Juan, zagueiro e um dos líderes do grupo comandado por Diego Aguirre. Integrante ativo do Bom Senso FC, o camisa quatro ainda vê grandes méritos na filosofia do técnico uruguaio e diz que a derrota de 7 a 1 para a Alemanha na Copa do Mundo foi reflexo da enorme diferença entre as estruturas de cada país.

Em Porto Alegre desde julho de 2012, Juan não desvincula o time que está entre os quatro melhores do continente daquele que foi dirigido por Dunga e depois Clemer. Em entrevista ao UOL Esporte, o zagueiro vai além: revela que o sofrimento do ano de 2013 – de jogos do Colorado em Caxias do Sul e da irregularidade quase total, são citados até hoje no vestiário para mobilizar o elenco.

“Vira e mexe o pessoal que ficou lembra aquele ano e como a gente não quer viver de novo aquela coisa”, diz. “É um seguimento do que a gente fez em 2014 e uns até sendo rescaldo do sufoco de 2013. Ano passado já foi muito bom, com Gauchão e Brasileirão muito regular, mas agora a obrigação é dar um passo a frente. O grupo está maduro, merece algo de expressão”, completa.

Presente em duas Copas do Mundo, 2006 e 2010, Juan ainda fala que a derrota histórica para a Alemanha fez jus ao abismo entre a organização dos países e reitera críticas à CBF e traça paralelo entre os treinadores brasileiros e os estrangeiros.

“O sistema aqui é único. Em nenhum lugar do mundo você encontra algo similar. Tem leis que permitem ser tão complicado... o nosso modo de pensar é diferente do resto do mundo. A diferença de tudo, jogadores e treinadores, é grande”, dispara. Confira a entrevista completa a seguir:

UOL Esporte: onde esse Inter de 2015 pode chegar?

Juan: Espero que chegue longe, mas não vejo como inter de 2015. É um seguimento do que a gente fez em 2014 e uns até sendo rescaldo do sufoco de 2013. Ano passado já foi muito bom, com Gauchão e Brasileirão muito regular, mas agora a obrigação é dar um passo a frente. Estamos tentando com a Libertadores e tem o Campeonato Brasileiro. O grupo está mais maduro e merece algo de expressão.

Qual exemplo você tem para mostrar essa maturidade do time?

Você vai sempre ganhando experiência. Esse ano tivemos de tudo na Libertadores: saímos perdendo em casa, levamos gol no final fora de casa e viramos também um confronto. É um somatório que vai deixando o grupo mais forte e dando confiança.

UOL Esporte: Que outras ligações existem neste Inter de agora com 2014 e 2013?

Juan: Em 2013 a gente sofreu muito, ficamos marcados. O Inter vinha de belas campanhas, mas teve um ano difícil em 2012 e depois mais ainda. Vira e mexe o pessoal que ficou lembra aquele ano e como a gente não quer viver de novo aquela coisa. Ano passado já tivemos uma outra postura e conseguimos jogar sempre na parte de cima da tabela, entre os primeiros. Esse ano a gente sabia que podia dar um salto de qualidade, tivemos reforços e o pessoal da base para agregar coisas que faltavam. A gente chegou a um grupo mais equilibrado, com um pouquinho de tudo à disposição. Ano passado tínhamos dificuldade de reposição e agora não mais.

Em que momento o Diego Aguirre ganhou o grupo? Existe uma passagem clara neste sentido para você?

Pelo o que via nos companheiros e dentro do grupo, um momento importante foi depois de um jogo... Não lembro qual foi, mas questionaram muito as mudanças e cobravam demais um time titular. Bem ou mal, o jogador brasileiro está acostumado a isso, a sempre ter um time titular e aí fica difícil entender algo novo. Existia uma dúvida, eu sentia que o grupo tinha dúvida e se perguntava. ‘Quando ele vai definir? Vai ser sempre esse? E se eu não estiver dentro, não vou mais ter oportunidade?’. Aí teve uma reunião e ele disse que estava sendo cobrado, mas não iria definir nada por ver o grupo muito equilibrado. Com todos em condições de jogar. Ele deixou claro que ia continuar com o rodízio e ali eu senti que desbloqueou o grupo. Ninguém mais ficou com medo de não ser titular. E aí passamos a pensar jogo a jogo.

02.jun.2015 - Juan durante treinamento do Inter no CT do Parque Gigante - Jeremias Wernek/UOL - Jeremias Wernek/UOL
Juan já jogou 106 partidas pelo Inter e marcou nove gols. Ganhou três títulos de Gauchão
Imagem: Jeremias Wernek/UOL

Quando foi essa reunião?

Não me lembro exatamente, mas acho que foi depois do jogo com o Cruzeiro-RS, nos pênaltis. Logo no dia seguinte ele falou e eu, posso até estar enganado, mas vi o grupo bem ali. Saiu a tensão e o pessoal ficou mais tranquilo, mais relaxado.

UOL Esporte: E a maior diferença do Diego Aguirre no trabalho, no dia a dia, qual é?

Juan: A primeira coisa é fazer todo mundo se sentir importante. Algo raro, diria até novo aqui no Brasil. E outra é a intensidade muito alta de jogo, quem acompanha treino aqui vê. A gente tenta levar isso sempre para os jogos, talvez a gente não consiga passar os 90 minutos assim por ser bem difícil, mas no momento de maior intensidade nosso time joga muito bem.

De fora a gente pega uns fragmentos, mas os relatos são de um Diego Aguirre focado essencialmente na tática e na técnica. Sem discursos motivacionais, sem apelo emocional. É isso mesmo e essa abordagem faz diferença?

Não sei dizer até que ponto a dificuldade com a língua influencia, para um estrangeiro pode ser mais difícil lidar com a parte emocional. Mas ao mesmo tempo me parece que ele vê o futebol um pouco como eu vejo também. É nossa profissão, é o que a gente faz e talvez não precise de motivação extra. Motivação é estar no clube atual, ganhar bem e jogar bons campeonatos.

UOL Esporte: Saindo só do caso Diego Aguirre e abrindo o leque para as suas outras experiências no futebol. Tem muita diferença do técnico brasileiro para o estrangeiro?

Juan: Tem, tem muita. E não é culpa do treinador, mas do sistema do futebol brasileiro. O sistema aqui é único. Em nenhum lugar do mundo você encontra algo similar. Tem leis que permitem ser tão complicado... o nosso modo de pensar é diferente do resto do mundo. A diferença de tudo, jogadores e treinadores, é grande.

Você se refere à necessidade de ganhar sempre, a falta de tempo e essa cultura?

Primeiro que aqui é o único lugar do planeta que tem estadual. Eu vendo um treinador estrangeiro compreendo. É difícil ele entender que é começo de trabalho, mas tem que ganhar e se não ganhar pode ser até demitido. É difícil ver o tanto de viagem que se faz aqui e as pessoas não aceitarem o rodízio de jogadores. São coisas que fora do Brasil são normal e aqui não. Na minha opinião, é mais difícil para treinador brasileiro mudar o sistema. Aqui é onde ele vive, onde trabalha, é o mercado dele. E se ele não se der bem nesse mercado, não trabalha mais. O estrangeiro vem, tenta implementar a filosofia e muitas vezes não dá certo. Aí sai e a gente fica aqui, na mesma.

UOL Esporte: Como você viu o 7 a 1 da Alemanha em cima da seleção brasileira?

Juan: (Pausa) Eu... Se você me perguntar se foi pela diferença entre os times vou dizer que não. Se jogarem umas 10 vezes acho que o Brasil ganharia umas, perderia outras, possivelmente a maioria, mas não teria um placar daqueles de novo.  Acho que o Brasil do Felipão era um time menos rodado que a Alemanha. Naquele momento eles eram mais time em termos de bagagem, de grupo. Tanto isso que o Brasil em todas as partidas da Copa o Brasil apresentou descontrole. Mas outros times não aproveitam e a Alemanha sim. Ela sabia que o momento de descontrole era o caminho para terminar o jogo. Eles fizeram. Foi um dia muito feliz deles, claro, deu tudo certo, mas aproveitaram o desespero do Brasil e liquidaram a partida.

Você falou com o Júlio César logo depois do jogo ou algo assim?

Depois do jogo não, falei com o Júlio depois da Copa. Depois do jogo é um momento muito difícil. Quando você joga tem outra leitura, quer ganhar e o emocional conta muito. Eu tive essa leitura, a seleção brasileira era forte, mas não tão forte como Alemanha, Argentina e Holanda. Esses três times tinha mais rodagem, base de outra Copa. O Brasil ficou quase dois anos com o Mano, outro estilo de jogo, e tudo contou na Copa.

E esse processo de autoanálise que o futebol brasileiro esboçou também é produto desse sistema que você fala? Depois do 7 a 1 tudo virou ruim e errado. Ou seja, não se achou um caminho e tudo passou a não prestar.

Mais ou menos o pensamento típico do brasileiro. Talvez tenha sido o ápice da negatividade, mas a cada Copa que o Brasil não ganha tem isso. Acho que tem muita coisa errada, com a seleção pouca coisa porque ela está sempre aí, com resultados. Exemplo é agora, depois da Copa. Mas de resto tem muita coisa errada.

UOL Esporte: Da estrutura que leva até a seleção?

Juan: Talvez o 7 a 1 seja mais fruto da diferença entre o futebol brasileiro e o alemão que dos times. Os times eram iguais, mas o nível da estrutura... merece um 7 a 1. Tudo que envolve o futebol: preparação do jogo, regulamento.

E como o Bom Senso trabalhou para não entrar nessa onda de terra arrasada, de que não presta e a reforma tinha que ser feita por vocês?

Acho que o Bom Senso FC, de todos os críticos, era o mais tranquilo sobre isso. A gente não falou depois da Copa, falamos quase dois anos antes. O fato da seleção ter perdido foi, infelizmente, a oportunidade para as coisas ficarem claras. Se tivesse ganho talvez muita coisa passasse batido, ficasse escondida. Muitas reinvindicações já existiam e não influenciam em nada a seleção, mas muito no futebol brasileiro.

UOL Esporte: Mas eu digo, o que aconteceu tirou o véu e todo mundo viu, mas pelo fato do Bom Senso FC ter apontado erros antes não foi preciso se segurar para evitar um ‘eu avisei’, que certamente não soaria bem?

Juan: Claro que era um momento muito difícil, falar contra o seu país logo após a maior derrota, é difícil. Eu até entendo, a seleção brasileira não tem culpa. O que a gente sempre fala é do futebol brasileiro e por ver que existe muito potencial.

Voltando ao Inter. Evidente que não existe fórmula para ser campeão, mas como o grupo fez para se arrumar com início de ano tão diferente? Técnico estrangeiro, rodízio, garotos da base, sete reforços...

O grupo conversa muito sobre a oportunidade ímpar, eu só estou chegando longe agora. A molecada nova está com chance de ouro pela frente, os mais velhos talvez joguem a última. A gente tem muito respeito, um com o outro. Tentamos trazer sempre quem está mais para baixo, buscar para perto de quem está mais em cima. Temos bons exemplos no grupo para caminhar juntos.

A torcida do Inter atrela essa campanha na Libertadores ao Fernandão. Vocês no vestiário falam sobre isso, em jogar pelo Fernandão?

A gente não comenta muito isso, ele ainda está muito vivo na cabeça do torcedor e na gente também. Se a gente vier a ganhar, com certeza será justo uma homenagem. Esse Inter vencedor, esse novo Inter, tem muito dele. Fernandão, Iarley, Clemer. O que a gente puder fazer, vamos fazer no campo.