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Supermercado 'proibido' tem bebidas, porco e segurança reforçada no Qatar

Colaboração para o UOL, em Doha (Qatar)

24/11/2022 04h00

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Quando o carro se aproxima do destino colocado no aplicativo, algo já está estranho. O muro é alto e tem cercas de arame farpado. Há câmeras para todos os lados e, na porta, uma guarita com muitos seguranças. Tudo normal para quem mora em São Paulo e vê casas com esse mesmo cenário o tempo todo. Nada normal para o Qatar, que se orgulha de ser um dos países mais seguros do mundo, onde ninguém rouba ninguém. Aqui não há arame farpado, cerca elétrica, muros com lanças, guardinha de rua ou plaquinha de "cuidado com o cão".

O único lugar um pouco mais "fortificado" que eu havia visto em Doha era a caminho da Universidade do Qatar. Um muro enorme, centenas de metros de extensão, com torres altas no estilo guarita nas pontas. Lembrava um presídio, não fossem a limpeza, o jardim bem cuidado à frente e os belos motivos árabes. Procurei no "maps", no celular, e não havia nome algum. Achei que fosse de algum magnata. Não estava tão errado. O motorista de aplicativo falava um inglês difícil de entender, mas me contou que era um prédio do governo. "Where the king works". Onde o rei trabalha. O rei aqui é o emir.

Pois bem, era compreensível que aquele lugar fosse fortificado. Fora dali, não vi nada que se parecesse com aquele muro cheio de arames farpados. O carro chega à guarita. O segurança mal-encarado pede para ver "o e-mail com o horário marcado". Eu mostro no celular. "OK, pode ir em frente". Sim, eu havia chegado ao QDC. O Qatar Distribution Center. Ou, livre tradução minha, o "supermercado proibido".

Geladeira com itens feitos com carne de porco, de bacon a salames - Julio Gomes/UOL - Julio Gomes/UOL
Geladeira com itens feitos com carne de porco
Imagem: Julio Gomes/UOL

À direita, vejo um amontoado de barris de chope. Ou de cerveja, não sei. São muitos. Centenas. O estacionamento é como um estacionamento qualquer de supermercado, com carrinhos largados perto de algumas vagas. Não havia nenhum ambiente de clandestinidade. Ninguém saía escondendo a sacola, disfarçando, olhando para os lados. Nos carrinhos levados aos carros, caixas de cerveja de variadas marcas. Na cobertura que dava entrada ao supermercado, bandeirinhas com os países da Copa intercaladas com vários avisos de câmeras CCTV, "você está sendo filmado". E seguranças. Muitos deles. Era a hora de mostrar de novo o e-mail de hora marcada. "Pode passar".

No caminho até a entrada, havia um pequeno quadrado de grama artificial, um gol com um buraco nele, uma bola posicionada para a cobrança do "pênalti" e um cartaz com uma classificação, escrita a mão. Havia nomes e pontos. É Copa do Mundo, amigo!

Entrei no "supermercado proibido" e ele me lembrou imediatamente um "free shop" destes de aeroporto. Igualzinho. Mas só a parte das bebidas. É um supermercado de bebidas. Os diferentes tipos estão bem separadinhos e organizados: vodka, whiskey, licores, vinhos, cervejas. Havia promoções, do tipo leve uma caixa e ganhe 30% off. A cerveja X estava de 12 por 9. Alguns vinhos de países da Copa do Mundo estavam com preços mais baixos.

Em outro setor, Brahma é vendida como novidade - Julio Gomes/UOL - Julio Gomes/UOL
Em outro setor, Brahma é vendida como novidade
Imagem: Julio Gomes/UOL

Não costumo comprar bebida em São Paulo, só cerveja e, às vezes, dou uma espiada nos vinhos em promoção. Um vinho verde português de que eu gosto custava 44 ryals do Qatar, o que dá mais ou menos uns R$ 65. Justo, mesmo preço. A Brahma, vejam só, estava mais cara que a Heineken. Aí já fomos surpreendidos. Ao comprar uma caixa com 24 unidades, uma garrafinha de cerveja de 33cl custa aqui mais ou menos 8 ryals ou 12 dos nossos reais.

Algo entre o dobro ou o triplo de um supermercado de São Paulo. Mas quatro ou cinco vezes mais barato do que o preço praticado nos poucos lugares em que se pode vender bebida alcoólica em Doha.

O supermercado existe porque as bebidas não são completamente proibidas no Qatar. A religião muçulmana proíbe o consumo, mas cidades como Doha recebem muitos estrangeiros a trabalho ou estudos. Eles sabem que é impossível vetar completamente. Os residentes no Qatar têm uma carteirinha que permite a visita ao QDC, sempre com hora marcada. Cada cidadão tem um limite mensal para gastar por lá, e este limite é estabelecido em função da renda. Quem ganha mais, pode mais. Um pequeno resumo de "a vida como ela é".

Supemercado no Qatar vende bebidas alcoólicas  - Julio Gomes/UOL - Julio Gomes/UOL
Supemercado no Qatar vende bebidas alcoólicas
Imagem: Julio Gomes/UOL

Recebi de um amigo o link, supostamente da Fifa, para me inscrever e ser autorizado a comprar bebidas aqui. Estava interessado no tema desde o começo. Interesse jornalístico, é claro. Inicialmente, me parecia pegadinha, até poderia ser vírus. Mas ele garantiu que havia recebido de um amigo e este amigo havia recebido de alguém da Fifa. Resolvi arriscar. Passados alguns dias, veio o e-mail do atendimento ao cliente QDC. "Sua permissão QDC foi temporariamente aprovada!", dizia o assunto do e-mail. Assim mesmo, com exclamação e tudo. U-huu!

"Welcome to Qatar", dizia. "Obrigado por escolher os serviços QDC". Oras, pensei. Que outro serviço eu poderia ter escolhido? Enfim. Veio um número provisório, um Qatar ID e a explicação de como marcar uma visita. Fui autorizado a gastar até 2000 ryals por mês. Uma barbaridade, convenhamos, o equivalente a R$ 3000. Devo ter a mesma cota do emir, pensei.

Quando me dirigia ao caixa, vi uma porta que levava a uma pequena sala adjacente. "Pork Shop. For non-Muslims". Carne de porco também é proibida para muçulmanos. O supermercado basicamente vende tudo o que é proibido nos mercados comuns de Doha. Os preços, nitidamente mais caros do que os praticados no Brasil. Resolvi pegar um pacotinho de salame italiano e uma pizza de pepperoni. Ajuda em uma cobertura como essa ter coisas gostosas em casa. E também valia pela história para contar.

No caixa, precisei mostrar o e-mail e o passaporte. O recibo já te mostra o saldo para gastar no restante do mês - o que sobrar não pode ser guardado para o mês seguinte. Tudo é colocado em sacolas pretas, claramente a ideia é que ninguém fique por aí mostrando na rua que comprou bebidas e carne de porco. "Have a nice day, sir", diz o rapaz. Valeu! Pelo menos vai ter uma cervejinha e um salame no fim do dia.

Setor do mercado em que carne de porco é vendida no Qatar; consumo é proibido no islamismo - Julio Gomes/UOL - Julio Gomes/UOL
Setor do mercado em que carne de porco é vendida no Qatar; consumo é proibido no islamismo
Imagem: Julio Gomes/UOL

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