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Bolsa estourada, parto de risco e festa: a vitória do Brasil na maternidade

Tatiane chega à Maternidade Leonor Mendes de Barros para ter sua primeira filha - Rogério Fernandes/UOL
Tatiane chega à Maternidade Leonor Mendes de Barros para ter sua primeira filha Imagem: Rogério Fernandes/UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

24/11/2022 20h16

Classificação e Jogos

A maternidade Leonor Mendes de Barros, na zona leste paulistana, tem capacidade para fazer até 450 partos por mês. É referência e uma das maiores da cidade. Mas o médico encarregado de chefiar o plantão avisa: oito partos já foram feitos hoje pela manhã e o movimento cai muito durante partidas do Brasil.

Valdir Tadini, 61 anos, sabe do que fala. Trabalha no local desde 1991 e notou esse estranho comportamento da natureza: de alguma forma, os bebês parecem não querer atrapalhar os pais bem no meio de um jogo da seleção na Copa do Mundo.

A outra hipótese, mais plausível, é a de que os pais só correm para a maternidade ao sentirem que o feto realmente não está nem aí para o futebol e quer nascer naquela hora e pronto.

O movimento na Leonor Mendes de Barros de fato é pequeno quando a bola começa a rolar. As três salas de espera estão todas vazias ou quase vazias. Os funcionários aproveitam para assistir ao jogo nas pequenas TVs espalhadas pelas dependências da maternidade. Os quatro funcionários dos guichês de atendimento parecem entediados e às vezes esticam o pescoço para tentar acompanhar a partida.

Do lado de fora da maternidade, vida que segue. Uma pessoa em situação de rua passa carregando um engradado vazio. Outro pede um cigarro e quase é atropelado por um ônibus na avenida Celso Garcia. Um camburão da polícia científica estaciona na casa em frente à maternidade. Alguém acaba de ter uma morte súbita lá dentro, explica uma funcionária.

Com menos de 10 minutos de jogo, porém, chega a primeira paciente. Cleidiane Cândida, 24 anos, está acompanhada do marido, Edivan Conceição, 30. Ele diz que até imaginava que a filhinha Zafira pudesse nascer bem na hora do jogo, mas que agora esse é, claro, um detalhe menor.

"Quando ela começou a sentir as dores já pensei: nossa, vai nascer bem na hora do jogo. Pelo menos, vou ter uma história pra contar, a de que minha filha nasceu bem na estreia do Brasil", diz Edivan.

Na sala dos cuidados pré-parto, Cleidiane aguarda tranquilamente. Ela só lamenta que, por causa do jogo, não pode estar acompanhada do restante da família. "Eles estão reunidos para ver o jogo e preferi não incomodá-los. O foco é na Copa", brinca Cleidiane, que aparentemente não entrou em consenso com o marido sobre o nome da filha. A chama de Maitê.

O tempo passa, o gol não sai e ninguém entra em trabalho de parto. As salas de espera seguem quase vazias, a não ser pela faxineira limpando um pequeno vômito.

Maternidade - Rogério Fernandes/UOL - Rogério Fernandes/UOL
Funcionários assistem à partida do Brasil na Copa na Maternidade Leonor Mendes de Barros
Imagem: Rogério Fernandes/UOL

Isso muda a partir do intervalo, quando chegam duas mulheres em trabalho de parto. Uma delas, de 38 anos, está acompanhada da vizinha. A mulher dá a entender que a acompanha porque a grávida é sozinha e não tem mais ninguém para estar ao seu lado neste momento.

Sua gravidez é de risco e por isso seu parto será monitorado de perto. A paciente é diabética, tem 38 anos, já sofreu um aborto espontâneo e teve um filho que nasceu com parto a fórceps.

O gol do Brasil sai e os funcionários comemoram. Enfermeiras e médicas assistem à partida, em uma das salas de espera, ao lado de dois homens que acompanham suas mulheres. A comemoração é tímida e contida. Ninguém aproveita que a maternidade está vazia para chutar móveis ou socar portas. Uma enfermeira pergunta quem é Richarlison.

O jogo se encaminha para o fim quando Tatiane Silva, 36, chega sozinha. Sua bolsa estourou, molhando sua calça e a obrigando a correr para a maternidade antes da hora. Seu marido, motorista de aplicativo, foi avisado de que o filho será prematuro e está a caminho.

"Eu imaginei que isso pudesse acontecer (o bebê nascer na hora do jogo do Brasil). Eu costumo acompanhar a Copa do Mundo, estava indo para casa ver o jogo", diz Tatiane. "Acho que saiu gol nosso, graças a Deus", diz em seguida, quando escuta a comemoração do segundo gol de Richarlison. "Se tudo der certo, segunda-feira verei o jogo do Brasil com a minha filha."