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OPINIÃO

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Fred 400 gols, feito a ser enaltecido

Fred comemora gol do Fluminense contra o Nova Iguaçu - Jorge Rodrigues/AGIF
Fred comemora gol do Fluminense contra o Nova Iguaçu Imagem: Jorge Rodrigues/AGIF

15/04/2021 04h00

No último domingo (11), um fato passou batido para muitos que costumam acompanhar o futebol. Ansiava que o feito seria enaltecido com mais afinco por comentaristas esportivos e até torcedores, mas não foi bem assim.

Ao balançar a rede do Nova Iguaçu, na vitória do Fluminense pelo Carioca, Fred alcançou a incrível marca pessoal de 400 gols na carreira. Para se ter ideia do tamanho da proeza, apenas nove jogadores em atividade já conseguiram este feito. Nesta lista restritíssima estão Cristiano Ronaldo (773 gols) e Lionel Messi (734), que encabeçam a lista.

Acredito que o feito do Fred não foi tão fomentado aqui no Brasil por causa dos seus 37 anos. Quando o jogador profissional passa da casa dos 30 anos, ele já começa a ser avaliado como velho, assim como ocorrem com os treinadores. Vai na contramão em relação aos demais setores. Em qualquer outra profissão, a experiência adquirida ao longo dos anos é aplaudida e valorizada, mas isto não ocorre no futebol brasileiro.

Se o Fred fosse mais novo, os seus 400 gols teriam sido engrandecidos. Este é um feito que não temos o privilégio de ver a todo o momento. Poucos craques alcançaram isto. Lógico que Pelé e Romário, com mais de 1.000 gols, são hors-concours.

Tanto que a IFFHS (Federação Internacional de História e Estatística do Futebol) divulgou recentemente o ranking dos maiores artilheiros da história por clubes. A liderança pertence ao Baixinho, que fez 689 gols por clubes ao longo da carreira e é seguido por Pelé, com 684 gols. O top 3 ainda tem Cristiano Ronaldo, com 679 gols vestindo apenas camisetas de times, sem contar os tentos por seleções. Destes 400 gols do Fred, apenas 18 foram pela seleção brasileira.

Vale ressaltar que outros atacantes lendários não chegaram à marca dos 400 gols, como Edmundo, Hernán Crespo, Adriano, Drogba, Miroslav Klose (maior artilheiro das Copas)...

Fluminense celebra os 400 gols de Fred no Twitter - Fluminense / Twitter - Fluminense / Twitter
Fluminense celebra os 400 gols de Fred no Twitter
Imagem: Fluminense / Twitter

Em média, o Fred anotou 22,2 gols por temporada desde que estreou como profissional, em 2003. Não é fácil manter essa média, sem levar em conta os períodos de lesões que os atletas estão sujeitos devido à maratona de jogos. E não podemos esquecer casos de "artilheiros de uma temporada", que brilham por um ano, ou numa edição de Campeonato Brasileiro, e depois somem do mapa.

No caso do Fred, tem o agravante que ele atua nunca função que cada vez rara, pois o homem de área está sendo eliminado no tal "futebol moderno". Praticamente todas as atividades às vésperas das partidas visam levar a bola à meta adversária e, se não tiver este cara para empurrar a bola para as redes, tudo será em vão. Atualmente, os centroavantes foram recuados para ajudar na marcação e participar em outros setores do campo, fazendo com que ele fique mais distante do gol.

Os próprios fundamentos que sempre foram exaltados e treinados exaustivamente nas categorias de base, como chute ao gol e cabeceio, hoje nem fazem mais parte da rotina. Tudo agora é regrado, calculado, para evitar possíveis lesões. Jovens de 14, 15 anos já são mapeados e restringidos no número de quilômetros que irão correr e de chutes que irão fazer a cada atividade. Tudo para preservá-los. Hoje, a ciência está em campo.

O Fred foi, com certeza, muito mais exigido ao longo da sua formação. Os jogadores que dominam a grande área estão em extinção. Eles que precisam se adaptar ao jogo, e não os times.

Nunca joguei ao lado do Fred, mas sempre tive muito respeito pela carreira e feitos que alcançou. Ele é um dos caras que mais demonstrou domínio na grande área nestes últimos anos. Poucos têm este faro de gol e posicionamento, de saber usar o corpo para favorece-lo na disputa com os defensores. Tanto que o jogo é feito para que aconteça isso, pois se trabalha a semana toda para tentar ao menos fazer um gol e não tomar nenhum.

Fred e Celso Barros em sua apresentação no Fluminense, no gramado das Laranjeiras, em 2009 - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Fred e Celso Barros em sua apresentação no Fluminense, no gramado das Laranjeiras, em 2009
Imagem: Reprodução/Twitter

Nas vezes que enfrentei o Fred, ele estava jogando o fino da bola. O Fluminense o repatriou no início de 2009, depois de sucessivas grandes temporadas pelo Lyon, da França. Ele estava com os seus 20 e poucos anos, no seu auge, era complicado marcá-lo pelo seu porte físico e habilidade. Antes de levar o Tricolor das Laranjeiras ao título do Brasileiro de 2010, havia sido fundamental na luta contra o rebaixamento à Série B no ano anterior. Os cariocas chegaram a ter 99% de chances de cair, segundo cálculos de matemáticos, mas se salvou milagrosamente.

Aquilo configurou um novo Fluminense, devolveu a autoestima ao torcedor. Acredito que a torcida fluminense vê o Fred como um dos maiores ídolos das últimas duas décadas. Ser ídolo no Brasil é algo muito difícil, a exigência é grande, pois o torcedor quer performance todos os dias. Essa referência do elenco precisa se expor, tanto para a mídia quanto para a torcida. E o Fred sempre esteve ali, sempre representou o Fluminense.

Fred vê G. Jesus como titular absoluto, mas torce por chance na seleção - Jefferson Bernardes/VIPCOMM - Jefferson Bernardes/VIPCOMM
Fred comemora após marcar na goleada do Brasil sobre Camarões na Copa de 2014
Imagem: Jefferson Bernardes/VIPCOMM

Tanto que foi no clube que deu a volta por cima. Depois da enxurrada de críticas que recebeu na Copa do Mundo de 2014 — momento que talvez tenha sido o pior momento da sua carreira —, entrou para a lista dos maiores artilheiros do clube. Ele lidera, inclusive, a lista de goleadores da era dos pontos corridos do Brasileirão, com 152 gols.

Os ataques ao Fred no Mundial no Brasil foram injustos. Não dá para apontar para apenas um profissional de um grupo composto por 23 jogadores e descarregar toda a culpa. No esporte, existem erros, e não culpa. O futebol não é um segmento para achar culpados, ninguém matou ninguém ali nem roubou nada. Houve falhas, mas do conjunto.

É inadmissível e covarde achar que apenas um centroavante foi totalmente responsável pela acachapante goleada sofrida diante da Alemanha. Pouquíssimas vezes a bola chegou aos seus pés naquela Copa, ao contrário do que ocorreu, ou ocorre, nos clubes por onde passou e foi e é goleador.

Quase jogamos juntos em 2009

Curiosamente, quase joguei ao lado do Fred, naquela janela de 2009. O Fluminense me procurou à época. O Celso de Barros — ex-presidente da Unimed, patrocinadora do Tricolor carioca entre 1999 e 2014 —, foi a Lyon negociar com ele. Dias depois, encontrei o Celso em Amsterdã (Holanda). Durante o jantar, negociamos a minha volta ao futebol brasileiro, pois estava deixando o Borussia Dortmund. Estava tudo certo, cheguei a receber uma camiseta do Fluminense com o número 7 e o meu nome estampado. Mas o Internacional entrou no jogo, e o meu coração falou mais alto.

Liderado pelo capitão Fred, o Fluminense comemora o título do Campeonato Brasileiro de 2012 - Buda Mendes/LatinContent via Getty Images - Buda Mendes/LatinContent via Getty Images
Liderado pelo capitão Fred, o Fluminense comemora o título do Campeonato Brasileiro de 2012
Imagem: Buda Mendes/LatinContent via Getty Images

Apesar de eu não ter vínculo próximo ao Fred, conheço inúmeros jogadores por onde passei nos 20 anos de minha carreira. Portanto, sei que ele é um cara batalhador e agregador pelos clubes que defende.

"Tive a experiência de jogar dois anos com o Fred, um cara super do bem, descontraído. Fomos companheiros de quarto em algumas concentrações no Cruzeiro. Ele é um cara que conhece a área como ninguém, um finalizador. O Fred sabe usar bem a sua força para se desvencilhar dos zagueiros. Fico muito feliz por ele ter alcançado os 400 gols na carreira, é um marco gigantesco. Ele se empenha o máximo dia a dia, merece tudo o que alcançou", me disse Léo, zagueiro do Cruzeiro.

"Tenho prazer de jogar com o Fred e de ter auxiliado, com assistências, em alguns de 400 gols dele. Me sinto lisonjeado de trabalhar ao lado do Fred, um jogador de Copa do Mundo. Ele soma dentro de campo, com os gols, e fora dele também", reforçou o lateral Egídio, do Flu.

No fim de maio, a CBF dará o pontapé para o Brasileirão 2021, e Fred fará de tudo para ampliar o rótulo de maior goleador dos pontos corridos.

*Com colaboração de Augusto Zaupa