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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Devolva o futebol aos jogadores

Tinga ao lado dos brasileiros Ewerthon e Amoroso, tiram foto com técnico Juergen Klopp, em jogo festivo entre do Borussia Dortmund e Liverpool, em 2019 - Christof Koepsel/Bongarts/Getty Images
Tinga ao lado dos brasileiros Ewerthon e Amoroso, tiram foto com técnico Juergen Klopp, em jogo festivo entre do Borussia Dortmund e Liverpool, em 2019 Imagem: Christof Koepsel/Bongarts/Getty Images

09/04/2021 04h00

Como tudo na vida (ou quase tudo), o futebol também passa por evoluções. Acredito que você já tenha ouvido falar e até debatido sobre tal do futebol moderno. O termo tem sido constantemente utilizado para tentar definir, ou explicar, mudanças que a modalidade sofreu nos últimos anos, principalmente em relação às táticas que as equipes estão levando a campo.

A tiracolo vem as novas nomenclaturas: ataque posicional, pressão baixa, pressão alta, basculação (flutuação), blocos, pressão pós-perda, amplitude, terço final, híbrido, transição, intensidade e extrema...

Todo esse 'tatiquês', por incrível que pareça, são novos termos para velhos significados. A recomposição, para sermos mais direto e mais simples, é somente o "voltar para marcar".

Esta nova linguagem ganhou força quando se tenta explicar uma partida, mas não falamos mais de gols e dribles.

Precisamos devolver o futebol aos seus donos, que são os jogadores, e atender o cliente, que são os torcedores. O jogador precisa ser estimulado a ser criativo, voltar a ter liberdade e coragem, com disciplina quando não tem a posse da bola, lógico. O cliente/torcedor é bem atendido quando seu time faz gols, vence e é campeão. É nisso que temos que nos focar no futebol.

Como o Muricy Ramalho disse certa vez, "treinador bom não atrapalha". Tenho visto tanto modelo de jogo que mais dificultam do que ajudam.

Trabalhei por duas temporadas no Borussia Dortmund com Jürgen Klopp, considerado hoje o melhor técnico do mundo, e por um ano no Sporting com o Fernando Santos, hoje à frente da seleção de Portugal. São profissionais modernos, vitoriosos — um foi campeão da Eurocopa e outro da Champions League. Eles são simples e diretos. Nunca me obrigaram a fazer nada que pudesse colocar o nosso time em risco.

Mesmo eu não sendo fluente em alemão, entendia muito bem o que o Klopp nos passava porque as instruções eram fáceis de serem assimiladas. No futebol brasileiro, também trabalhei ao lado de grandes treinadores que tratam as questões táticas como facilitadoras, como Tite, Abel Braga, Celso Roth, Muricy Ramalho, Marcelo Oliveira, Felipão, Falcão e Dorival Júnior. Fui campeão com todos e aprendi muito.

O futebol é simples. Todo o trabalho da semana é focado simplesmente em marcar gol e não sofrer gol. Por isso, acho complicado utilizar as nomenclaturas do futebol moderno. Em muitos casos, as peças do jogo, que são os atletas, não estão prontas para entender tantos termos novos. É preciso lembrar que boa parte destes jogadores largaram os estudos antes dos 15 anos para se dedicar exclusivamente ao esporte de alto rendimento. Você acha que este atleta vai entender o que é a "saída Lavolpiana", que foi tão copiada por Pep Guardiola?

Somado a isso, há um choque de gerações. Atualmente, presenciamos jovens de 16 anos já atuando entre profissionais mais experientes, como o caso do garoto Ângelo, do Santos. Nesta semana mesmo, este Menino da Vila se tornou o atleta mais jovem a fazer um gol na história da Libertadores na vitória do Santos sobre o San Lorenzo.

Ao mesmo tempo, presenciamos em campo jogadores na casa dos 30 anos, que aprenderam na base que recuar a bola para o goleiro era inconcebível, motivo para vaias. E este jogo com os pés dos goleiros, na saída de bola dos times, também virou febre no futebol brasileiro.

Manuel Neuer, goleiro do Bayern de Munique - Michael Dalder/Reuters - Michael Dalder/Reuters
Manuel Neuer, goleiro do Bayern de Munique, é constantemente elogiado por sua saída de bola com os pés
Imagem: Michael Dalder/Reuters

Estes goleiros que hoje são exigidos não tiveram uma formação que os obrigou, ou ensinou, a ter domínio de bola com os pés. Às vezes, até os jogadores de linha encontram dificuldades de controle de bola, vide então o que passa com os homens que ficam debaixo das traves. Nem todos os times têm à disposição um Manuel Neuer ou um Ter Stegen no seu elenco.

Não vejo nenhum clube brasileiro na atualidade pronto para sair jogando de pé em pé, do goleiro até a área adversária. O Flamengo até ensaiou isso com o Jorge Jesus, mas não vi essa obrigação de ter que sair jogando bonito mesmo sendo apertado pelo rival em seu campo de defesa.

É preciso ter muito cuidado com esta modernidade para que não seja imposta de maneira brusca. Acredito que este excesso de bolas recuadas não teria sido tão volumoso, como ocorreu no último Campeonato Brasileiro, se as torcidas estivessem nos estádios. Depois de três recuos, as vaias iriam ecoar forte nas arquibancadas.

Recordo de treinadores que me falavam que, se apertasse lá atrás, poderia recuar a bola. Sabe o que eu fazia? Tocava para outro volante para ele atrasar o jogo. Eu não queria ser o responsável pelas reclamações e xingamentos dos torcedores. Colocar a bola para fora em prol do 'fair play' em clássico era ainda pior.

Acho perigosa e temerária a maneira como as coisas estão sendo impostas neste futebol moderno. Nem todo time é obrigado a impor o jogo e nem todo time é covarde por não sair jogando desde a sua área. Há estratégias para tudo. O próprio Internacional foi campeão do mundo, em 2006, sobre o Barcelona, graças ao lance do gol que teve início depois de um chutão do Índio.

Esta semana mesmo, o Neymar deu ótimo exemplo que nem sempre é necessário recuar a bola. No lance do segundo gol do Paris Saint-Germain, o camisa 10 do time francês fez longo lançamento para o zagueiro Marquinhos marcar. O passe arrancou elogios de Bastian Schweinsteiger, ex-jogador e ídolo do Bayern de Munique. "99 entre 100 jogadores teria recuado a bola para o goleiro. Neymar não. Uma das melhores assistências que eu vi em um longo tempo!!!! Com o pé mais fraco ainda?", escreveu no Twitter.

Outro ponto complicado que enxergo é quando ligo a TV para assistir aos debates pós-rodada. A imprensa utiliza terminologias complicadas para explicar o simples. Mas o futebol é feito para o povão. Não precisamos incorporar todo este palavreado rebuscado que é totalmente fora do contexto do nosso povo. Como iremos entender um vocabulário importado se a própria educação no país é inadequada e obsoleta? Estes novos termos têm afastado o olhar do torcedor.

Tenho escutado e lido tantos novos termos que, às vezes, me pergunto se eu precisava saber de tudo isso para me tornar jogador? E se dominasse todo esse linguajar teria me tornado um atleta profissional?

Alex, ex-jogador de futebol, é o novo treinador do sub-20 do São Paulo - Divulgação/SPFC - Divulgação/SPFC
Alex, ex-jogador de futebol, é o novo treinador do sub-20 do São Paulo
Imagem: Divulgação/SPFC

Recentemente, li uma entrevista gratificante com o Alex, ex-meia do Cruzeiro, do Palmeiras e que fez história no Fenerbahçe. Pouco antes de ser confirmado como novo treinador do sub-20 do São Paulo, ele disse que iria entregar ao jogador a responsabilidade que é dele, que não ficaria na beirada do campo falando "toca para a direita, toca para esquerda". Além de dar a liberdade de driblar, distribuir caneta, chapéu... Mas isso tudo com responsabilidade, para ser feito no momento e local apropriado. O Alex foi exemplo de genialidade dentro de campo, com poder de decisão. Algo que não encontramos mais nas categorias de base.

É preciso salientar que o objetivo da comunicação é se fazer entender. Caso a mensagem não seja compreendida, a falha é de quem não soube se expressar, e não de quem não entendeu.

Que simplicidade volte ao nosso futebol!!!

*Com colaboração de Augusto Zaupa