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Feito do Neymar já é um prêmio The Best

Neymar ajudou o PSG a chegar à final da Champions contra o Bayern de Munique - GettyImages
Neymar ajudou o PSG a chegar à final da Champions contra o Bayern de Munique Imagem: GettyImages

27/08/2020 04h00

O futebol mudou em 2020. Competições foram encurtas por causa da pandemia do novo coronavírus. A Champions League, por exemplo, teve apenas um jogo nas quartas de final e na semifinal. Mesmo assim, a Fifa planeja manter neste ano a cerimônia para entregar o tradicional prêmio de melhor jogador do mundo, o The Best, só que de forma virtual.

Penso que é um bom momento para o futebol rever o conceito desse tipo de escolha, que vai contra a essência deste esporte.

Há algum tempo venho me perguntando: o que houve com o futebol que passou a focar em dois ou três jogadores? Por que os prêmios individuais viraram uma obsessão para as maiores estrelas da bola e despertam tanto interesse no público?

É natural que nós, como cultura, sempre busquemos um super-herói. Não é à toa que as maiores bilheterias do cinema mundial quase sempre têm um super-herói como protagonista. Isso está dentro até da nossa criação e educação. A gente tem sempre uma referência de suprassumo. É cultural, pois isso vende e engaja.

Mas o futebol nasceu como esporte coletivo, diferente, por exemplo, do tênis e da Fórmula 1. Todo craque deve ter como prioridade ajudar seu time a vencer. Aos treinadores cabe a necessidade de preservar a ideia de que a equipe está acima do talento de qualquer gênio. Infelizmente, na prática, temos visto o contrário.

Barcelona Messi Guardiola - Lluis Gene/AFP - Lluis Gene/AFP
Guardiola passa orientações para Messi durante partida do Barcelona
Imagem: Lluis Gene/AFP
Certa vez, o holandês Louis Van Gaal disse a um jornal espanhol que o colega Pep Guardiola fez Messi jogar em benefício do Barcelona, mas que os últimos treinadores do time catalão se adaptaram ao argentino ao invés de proteger o espírito da equipe.

Compactuo com o raciocínio de Van Gaal. Isso não quer dizer que não aprecio o futebol do Messi, pelo contrário. Sou grande fã do craque argentino, assim como de Cristiano Ronaldo e de Neymar, por exemplo. Mas os valores se inverteram. Agora, é o time que joga para as estrelas mega valorizadas que se tornaram o centro das atenções. Não se fala mais em Barcelona da Espanha, e, sim, no Barcelona de Messi.

A compulsão do jogador de ser eleito o melhor do mundo tomou conta até dos contratos. Nas negociações entre as equipes para a aquisição de direitos econômicos, há cláusulas de bonificações ao clube vendedor e até mesmo ao jogador caso seja escolhido o craque da temporada.

Kaká ergue o prêmio da Fifa de melhor jogador do mundo em 2007 - John Walton - PA Images via Getty Images - John Walton - PA Images via Getty Images
Kaká ergue o prêmio da Fifa de melhor jogador do mundo em 2007
Imagem: John Walton - PA Images via Getty Images
Por outra lado, colocaram sobre os ombros dos jogadores uma pressão e uma cobrança absurda, em especial nos brasileiros. Tenho a impressão que, depois do Kaká, em 2007, começamos a taxar de fracassados os nossos mais renomados atletas que vão para a Europa e não são eleitos os melhores do mundo.

Acho que ficamos mal-acostumados depois que vimos Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Kaká neste grupo de destaques da temporada. Tivemos durante um bom tempo alguém lá no topo. Mas como há quase 15 anos não ocupamos esse posto de destaque, exercitamos uma exigência destrutiva.

Neymar é o principal expoente destas críticas na atualidade. Mesmo que não tenha conquistado a Champions League no último domingo (23), ele foi, para mim, o principal destaque da Europa na temporada. Tecnicamente, foi superior a Messi e Cristiano Ronaldo.

Neymar foi uma das poucas alegrias que tivemos neste isolamento social por conta da pandemia. Voltamos a nos engajar por futebol em boa parte graças a ele. Muitos brasileiros pararam em frente à TV para torcer pelo time francês por causa dele.

Isto ficou evidente na final de domingo (23), quando a decisão entre PSG e Bayern de Munique marcou a maior audiência da história da TV por assinatura brasileira desde que ela foi fundada, nos anos de 1990, segundo dados do Ibope.

Independentemente de levantar ou não o prêmio Bola de Ouro ou The Best, Neymar fez o que um ídolo tem que fazer: envolveu a torcida, jogou com gana e emoção, demonstrou coletividade e devolveu a alegria de torcer por futebol. Ele expôs o lado humano ao chegar no estádio cantando e dançando, como qualquer pessoa deveria fazer num momento especial.

Com a derrota, veio a chateação e o choro ao não conquistar o título. Isso é um valor ímpar que ele tem, que é ser leal aos seus sentimentos.

Neymar também está mais maduro e completo. Mudou a mentalidade inicial que tinha quando deixou o Barcelona para atuar no PSG, apostando que seria a principal estrela. A troca de clubes foi em busca de mais protagonismo para não ficar ofuscado eternamente pelos holofotes a Messi. Hoje ele tem muito mais sentido de equipe.

Sobre as premiações, sou do grupo que compartilha que desde os primórdios do futebol o troféu mais importante é o de campeão. Não existe recompensa mais justa para um time do que todos erguerem juntos uma taça. Isto é válido para o clube, para o grupo e, principalmente, para o elo mais importante do esporte: o torcedor.

Acredito que a Bola de Ouro, da revista France Football, e o The Best, da Fifa, precisam ser vistos como consequência, e não como prioridade. Temos ouvido muitas vezes mais sobre os prêmios do que sobre os jogos em si. Esta inversão não é nada positiva. Os prêmios individuais foram sempre secundários, vieram do desfecho do sucesso coletivo.

Quanto aos jogadores, torço muito para que tenhamos um olhar mais coletivo e humano na vida de cada um deles.

* Com colaboração de Augusto Zaupa