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O perigoso protagonismo dos treinadores

Tinga e ex-brasileiros do Borussia Dortmund tiram foto com técnico Jürgen Klopp - Christof Koepsel/Bongarts/Getty Images
Tinga e ex-brasileiros do Borussia Dortmund tiram foto com técnico Jürgen Klopp Imagem: Christof Koepsel/Bongarts/Getty Images

20/08/2020 04h00

Atualmente, quase tudo o que envolve um clube de futebol está ligado ao treinador. Em caso de sucesso, são exaltados. Se o caminho estiver atribulado, vem a demissão.

É perigoso este protagonismo que estão embutindo nos treinadores.

Acabam responsabilizados por fatores que, às vezes, nem passam por eles. Após os 7 a 1, na derrota do Brasil para a Alemanha, acertos e erros foram canalizados na figura do técnico.

É bem simples exemplificar isso. Ao final de um jogo, mesmo que um jogador faça três gols e seja eleito o craque em campo, quem irá falar por uma hora ou mais na coletiva será o treinador dele para explicar a tática utilizada ou as alterações que escolheu ao decorrer da partida.

Esta supervalorização é arriscada. Quanto mais protagonismo damos ao treinador, mais rápido ele é derrubado. Desta forma, não o deixamos trabalhar, implantar e implementar o seu raciocínio. Eles estão sendo consumidos dentro do futebol brasileiro por esse personagem que personificam.

Muricy Ramalho comandou o Inter na primeira década do século XXI - Reprodução - Reprodução
Muricy Ramalho comandou o Inter na primeira década do século XXI
Imagem: Reprodução
O papel deste profissional nem sempre é tão preponderante como costuma-se exaltar. O Muricy Ramalho, com quem tive um ano maravilhoso em 2005, no Internacional, me cativou por sua lealdade e pela simplicidade como trata o futebol. Sempre focado no seu discurso "Aqui é trabalho", costumava dizer que um treinador tem, no máximo, 30% de influência no resultado da partida.

A impressão que eu tenho é que estes valores foram invertidos. A leitura que fazemos hoje nos dá a compreensão que 70% do resultado final é de responsabilidade do treinador, o que deixa os atletas como meros figurantes.

O jogador é quem deve ter mais prazer no futebol. Mas não estamos presenciando isso. Muitas vezes, na saída do gramado, ele se mostra sem emoção porque exerceu apenas uma função que lhe foi passada, pois em nenhum momento pôde fazer algo prazeroso, como driblar, improvisar, fazer um gol da forma como gostaria.

Em 90 minutos, ele fez mais para agradar o treinador do que por sua paixão pelo esporte.

Este prazer fica a cargo do treinador. Hoje, quando você vê uma coletiva de imprensa pós-jogo, penso que 80% das vezes aparece um técnico explicando com entusiasmo como foi aquela partida. A forma como ilustram o jogo também me chama atenção. Virou moda utilizar uma linguagem que muitos que estão vendo pela TV nem entendem.

Muitas pessoas no futebol estão se protegendo, buscando um lugar de segurança, ao empregar esta nova nomenclatura. Quando começam a falar "segundo terço do campo", "ataque posicional", "ataque funcional"... fico até confuso.

Essa linguagem rebuscada, às vezes, atrapalha até mesmo o jogador, porque pode dificultar na compreensão do vocabulário do jogo. E olha que eu vivi por 19 anos e meio dentro do campo, em lugares diferentes — Japão, Portugal, Alemanha —, defendi só times grandes no Brasil — Inter, Grêmio, Cruzeiro e Botafogo. Mesmo assim, sinto que eu nunca joguei quando escuto estes termos da moda. Eles esquecem o mais simples: quem faz mais gols ganha, quem sofre mais perde.

Tenho a sensação pós-jogo que não é o mesmo esporte que convivi por quase duas décadas e que tanto gosto. Trabalhei com grandes treinadores, inclusive com o melhor do mundo na atualidade, que é o Jürgen Klopp, no Borussia Dortmund. Atuei com o Fernando Santos, atual treinador da seleção portuguesa e campeão da última Eurocopa, além de Tite, Abel Braga e Muricy Ramalho, todos campeões da Libertadores. Trabalhei com os melhores.

Convivi também com vários treinadores enquanto ouvia em mesas de bar que ele era ideal para determinado time. Mas na hora do vamos ver, não conseguiam transmitir todo aquele conhecimento porque não souberam compreender o grupo que tinham à disposição.

É lógico que a imprensa brasileira participa ativamente desta valorização do treinador e, da mesma forma, também ajuda a derrubar estes profissionais. Depois das rodadas, há longas discussões se o técnico mexeu certo ou não no time, se utilizou a formação ideal ou não...

Isso tudo é passado ao torcedor como se todos os erros e acertos fossem do treinador. Na verdade, sabemos que não existirá resultado se o 'bonequinho' que está lá dentro de campo não exercer a função.

No Brasil a ciranda na troca de comando complica este balanço. Vamos fazer um exercício. Se um treinador for demitido no Rio de Janeiro por falta de resultados e, na sequência, for empregado por um time do Sul e acabar campeão, qual é a análise certa: ele é um treinador ruim que foi mandado embora ou ele é bom ao pegar o campeonato em andamento e, mesmo assim, terminar como campeão?

Jorge Sampaoli comanda o Atlético-MG em partida contra o Botafogo no Brasileirão 2020 - Thiago Ribeiro/AGIF - Thiago Ribeiro/AGIF
Jorge Sampaoli comanda o Atlético-MG em partida contra o Botafogo no Brasileirão 2020
Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF
Discussão igualmente exagerada é o bom desempenho dos técnicos estar atrelado à nacionalidade. Jorge Jesus e Sampaoli são quase exceções por aqui. Nos últimos anos, os clubes brasileiros contrataram dezenas de treinadores estrangeiros que não vingaram no nosso futebol, entre eles portugueses e argentinos.

Tempo é a palavra certa para se analisar o trabalho de um treinador (brasileiro ou estrangeiro) ou de um grupo.

Já estão falando de sucesso do Jorge Sampaoli no Atlético-MG com somente quatro rodadas do Campeonato Brasileiro. Até aqui, o certo é valorizamos o que ele fez no Santos de 2019. Mesmo com um time normal, sem estrelas, conseguiu brigar com o Flamengo e acabar na segunda colocação.

Vamos com calma, o nosso campeonato é cruel e o mais equilibrado do mundo. Ainda vai ter muita água para rolar no Brasileirão.

* Com colaboração de Augusto Zaupa