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Tempestade chinesa? País investe US$ 3 milhões no surfe no ciclo olímpico

Equipe chinesa marcando presença no ISA Games - Pablo Jimenez/ISA
Equipe chinesa marcando presença no ISA Games Imagem: Pablo Jimenez/ISA

Colunista do UOL

24/08/2022 04h00

Se tivesse que fazer uma comparação sobre o maior 'tsunami' do surfe mundial dos últimos 40 anos, diria que a 'Brazilian Storm' alcançou os mesmos parâmetros causados pela seleção da Holanda, a 'Laranja Mecânica' - revolução criada pelo mago Rinus Michels - um marco que implodiu a caretice do futebol na Copa do Mundo de 1974.

A famosa tempestade liderada por Adriano de Souza, Jadson André, Miguel Pupo, Gabriel Medina, Filipe Toledo, Italo Ferreira e etc... virou e abriu os olhos de quem vive o esporte, de atletas a patrocinadores.

Em seguida veio a oficialização do surfe como esporte olímpico, multiplicando o número de seguidores... e potencializando a obsessão da busca de medalhas por novas nações.

Como a China, país que sempre investiu e passou a acreditar ainda mais no alto rendimento após os Jogos de Pequim-2008.

E se tem novidade no horizonte, há motivos para apostar.

Na estreia das pranchinhas em Tóquio no ano passado, o Comitê Olímpico Nacional Chinês investiu US$ 1 milhão no primeiro ciclo olímpico do surfe.

Para Paris-2024, o valor triplicou para US$ 3 milhões.

E a prova está no mar... os principais picos dos profissionais.

Em um plano macro para chegar ao pódio, os melhores 14 jovens surfistas chineses foram para a Califórnia, para treinar por quatro meses antes dos ISA World Surfing Games de 2022 - primeiro evento de qualificação para os Jogos de 2024 - marcado para setembro, na tradicionalíssima praia de Huntington Beach.

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Shulou Jiang manobra durante o ISA Games
Imagem: Jersson Barboza/ISA

Segundo a Stab Magazine, uma das principais publicações do nicho, "o processo oferece um estudo sobre como construir artificialmente uma cultura de surfe".

Zhou Changcheng, Diretor do Departamento de Surf da Administração de Esportes Aquáticos da China, foi o cérebro central de um projeto para agigantar a ideia e o investimento.

8 equipes regionais (com 70 atletas e de 3 a 7 treinadores em cada)... duas nacionais foram criadas.

Dezenas de treinadores e consultores internacionais foram contratados, e centenas de pranchas importadas... tudo combinado com um longo planejamento de 'surf-trips' ao redor do mundo.

O plano da 'Chinese Storm' estava criado.

china - reprodução/Instagram - reprodução/Instagram
Equipe chinesa de surfe
Imagem: reprodução/Instagram

A prova de que a China vê os esportes de maneira diferente de praticamente todos os outros países, é a maneira como eles estruturam esse programa.

"Na China, todos os atletas de surfe são profissionais. Surfar é o trabalho deles", declarou Zhou na entrevista ao repórter Evan Quarnstrom, da Stab,

Há alguns anos, apenas uma pequena cena existia por lá, na província de Hainan.

Foi preciso pesquisar e burilar bastante para completar os times. Crianças que sabiam nadar, ou que pareciam atléticas, foram recrutadas para se tornarem surfistas e se juntarem aos times regionais.

40 serão escolhidos para a seleção nacional - 20 na equipe A, 20 na equipe B.

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Festival de surfe na China em 2013
Imagem: divulgação

Apesar dos resultados ainda discretos, a evolução tem sido rápida.

"De todos que estão na seleção nacional, nenhum era surfista há quatro anos. E o campeão nacional do ano passado já não é o melhor da equipe", garante Zhou, que com 20 anos de experiência na vela, é responsável por gerenciar os programas chineses que conquistaram medalhas de ouro, prata e bronze nas Olimpíadas.

A presença dele, fala por si só qual é o objetivo final da nação asiática nas próximas competições.

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Lin Shanshan, uma das chinesas que disputaram os Jogos Mundiais
Imagem: Sean Evans/ISA

Ainda segundo a reportagem, US$ 3 milhões apenas para o ciclo de surfe olímpico de 2024, torna o programa da China um dos mais bem financiados do planeta. Mas quando você entende como o esporte funciona nesta potência, pode não parecer tão astronômico.

Os surfistas selecionados para equipes regionais são funcionários do Comitê Olímpico, que passam em média 6 horas por dia no mar e depois estudam. Todos das seleções nacionais pagam suas despesas, equipamentos e viagens.

A verdade é que todo esse processo gerou um novo mercado lucrativo para equipamentos no país.

E como temporada de bons ventos e ondulações dura apenas cerca de três meses, os mais talentosos precisam se deslocar constantemente para treinar. Viagens para locais como Indonésia, EUA, Japão ou Europa.

Zhou Changcheng - reprodução/Twitter - reprodução/Twitter
Zhou Changcheng, responsável pelo projeto chinês
Imagem: reprodução/Twitter

"O dinheiro que recebemos não é suficiente. Em alguns casos, as equipes provinciais têm mais surfistas e são mais bem financiadas do que a seleção nacional, por causa do dinheiro que vem dos governos provinciais e do Comitê Olímpico. Temos um sistema diferente. Nossos surfistas profissionais não gastam dinheiro sozinhos. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem milhares de surfistas que se pagam", completa Zhou.

Tecnologia não é um problema.

Em 2019, a China se juntou à corrida global de piscinas de ondas e a novidade foi lançada na província de Henan, nordeste do país.

Mas a ideia não vingou como se imaginava. Construída pela iniciativa privada, não é utilizada pelas entidades principais e a maioria dos surfistas da seleção sequer a conhecem.

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Piscina de ondas em Henan, na China
Imagem: reprodução/Instagram

Embora a única piscina do país não faça parte do projeto, Zhou confirmou que as ondas artificiais estão dentro de seus planos para o desenvolvimento de seu programa.

"Esperamos poder comprar a melhor piscina de ondas no futuro. Por isso, incentivamos um governo provincial ou uma empresa privada a fazer parceria com a melhor tecnologia disponível para construir. Se querem que a seleção nacional evolua, precisamos ter o melhor equipamento disponível".

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Longboarder chinês surfa na piscina de ondas de Henan
Imagem: reprodução/Instagram

Ainda é cedo demais para falarmos em uma 'Tempestade Chinesa'.

Mas não me surpreenderia demais se o investimento e a dedicação deste gigante produzirem um surfista olímpico no futuro não muito distante.

Zhou fecha a reportagem com uma previsão bem pé no chão: "Ainda somos uma equipe jovem. O primeiro objetivo é se classificar. Vamos tentar o nosso melhor para Paris-2024... mas talvez 2032 seja mais realista".

por @thiago_blum / @surf360_

fonte: Stab Magazine