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Rodrigo Coutinho

REPORTAGEM

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Barbieri: "Trabalho no Flamengo foi bom, mas hoje sou um técnico melhor"

Colunista do UOL

07/02/2021 04h00

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Pouco mais de dois anos depois de ser demitido do Flamengo, Mauricio Barbieri reencontra o rubro-negro carioca pela segunda vez como adversário. No 1º turno, no Maracanã, o empate em 1x1 entre os oponentes da noite de hoje em Bragança Paulista deixou a sensação de início da recuperação do Red Bull.

Era o 10º jogo do time sob o comando do treinador de apenas 39 anos. Com muito tempo de carreira pela frente, Barbieri afirma que fez um bom trabalho no Mais Querido em 2018, quando chegou a ser líder do Brasileirão, e garante que hoje é um treinador melhor. Confira esta e outras opiniões do técnico neste bate-papo exclusivo com o blog.

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Resultados do Red Bull Bragantino começam a melhorar com Mauricio Barboeri
Imagem: Rodrigo Coutinho

Você pegou o time na zona de rebaixamento e hoje faz uma das melhores campanhas do 2º turno num período de quase cinco meses. Como foram os processos de trabalho para que os jogadores entendessem seus métodos e a equipe evoluísse a partir daí?

Barbieri: A ideia inicial foi fazer um levantamento e entender quais eram as urgências que deveríamos focar para que tivéssemos um ganho de rendimento e ser mais competitivo. Os processos têm a ver com as questões normais de treino, entendendo onde deveríamos melhorar e escolhendo os melhores métodos de acordo com a competição e as características dos jogadores. Conseguimos melhorar e, como consequência, num prazo um pouco maior, vieram os resultados.

Nos primeiros nove jogos sob o seu comando o time teve apenas uma vitória. Mesmo com a subida de produção que os resultados escondiam, acredita que teria o mesmo tempo para trabalhar se estivesse em um clube com outra realidade administrativa?

Barbieri: Não sei se teria o mesmo tempo para trabalhar, mas independente da realidade administrativa é um absurdo contratar qualquer treinador profissional e imaginar que dez jogos são suficientes para uma avaliação fidedigna do trabalho. Ainda mais em um calendário como o desse ano. No futebol brasileiro, muitas vezes, dez jogos representam menos de um e meio de trabalho. Fico feliz que a direção tenha tido consciência e serenidade para enxergar os processos e não só os resultados num primeiro momento. Hoje estamos colhendo os frutos dessa paciência.

No meu modo de entender o Red Bull Bragantino é, ao lado do Atlético Mineiro e do Flamengo, as equipes que melhor atacam no futebol brasileiro, que mais mostram conteúdo coletivo para isso. Massa Bruta e Galo fazem numa estrutura mais posicional. O que acha das críticas que esse estilo sofreu recentemente aqui no Brasil?

Barbieri: Fico feliz que essa seja sua avaliação, mas não me sinto muito confortável para debater os rótulos que normalmente são colocados... Ataque posicional ou funcional, enfim... A gente tem uma preocupação grande com a ocupação dos espaços, com a distribuição dos jogadores dentro do espaço efetivo de jogo, com a sincronia do movimento entre eles, para que dois jogadores não ocupem o mesmo espaço, não façam o mesmo movimento. A ideia é não perder opções e ter o maior número de alternativas para o jogador que tem a bola decidir. É uma construção que demanda tempo, envolve trabalho e sincronia, mas é pautada em princípios de jogo. Não sei exatamente comentar quais foram as críticas feitas a essa maneira de atacar, então não consigo ir mais a fundo na questão. O que posso dizer é que há muito trabalho por trás da nossa forma de jogar.

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Red Bull Bragantino é o oitavo clube da carreira de Barbieri como treinador
Imagem: Diogo Reis/AGIF

Como trabalha para que os seus atletas entendam este conceito ofensivo e gerem as interações naturais no campo de ataque?

Barbieri: São trabalhos de organização coletiva. Ver vídeos, treinar movimentos, ajudar os jogadores a identificar as lacunas na defesa adversária. Muito trabalho de sincronia, movimentos, ter clareza de onde a gente quer que a bola chegue e como queremos que as jogadas sejam iniciadas e terminadas. É claro que nem sempre se controla, mas é preciso ter uma ideia de como gostaríamos que as coisas andassem. A partir daí surge espaço para o improviso e a criatividade dos jogadores. No final das contas é o que faz a diferença. Podemos usar diferentes métodos e maneiras, mas no final o objetivo é desenvolver os jogadores de uma maneira geral.

Claudinho foi reserva durante boa parte do Campeonato Paulista e subiu assustadoramente de produção depois da sua chegada. Qual é exatamente a sua contribuição nisso?

Barbieri: Minha contribuição foi conseguir entender quais são as principais virtudes do Claudinho e compreender os elementos que ele tem mais dificuldade. Dentro do jogo coletivo da equipe posicioná-lo e ajudá-lo a aproveitar aquilo que ele tem de melhor, além de evitar algo que não o favoreça. Esse é o papel de todo treinador, mas é claro que existe o mérito do Claudinho por estar disposto a crescer e evoluir. Ele e a equipe vem colhendo os frutos de todo esse trabalho.

Outros jogadores como Raul, Léo Ortiz e Aderlan vêm fazendo um grande campeonato e são até pouco citados. O que pode nos dizer desses atletas?

Barbieri: Acho que eles vêm sim fazendo um grande campeonato. São fundamentais na nossa maneira de jogar. Já fizemos partidas sem eles e conseguimos vitórias importantes, então isso também demonstra o quanto estamos conseguindo manter todo o elenco a disposição e pronto quando precisam entrar. Espero que assim como o Claudinho, possamos ter a manutenção de todos eles para iniciar a temporada 2021 ainda mais fortes.

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Barbieri comandou o Flamengo durante cinco meses em 2018
Imagem: Gilvan de Souza/ Flamengo

Há dois anos e meio você teve o seu trabalho muito elogiado no Flamengo, chegou a liderar o campeonato e depois o time caiu de produção, o que resultou na sua demissão. Que aprendizados tirou daquele episódio?

Barbieri: Os aprendizados foram muitos. Era um outro momento da carreira e uma oportunidade muito especial. Tenho em maior conta e com muito carinho até hoje. Sem dúvida nenhuma hoje me considero um treinador melhor pelas experiências que vivi na trajetória depois do Flamengo. Foi importante e considero que hoje vivo um momento de confirmação em ter capacidade para dirigir um clube de Série A. Fiz um bom trabalho naquela época e sei que não foi o suficiente. No Flamengo, naquele momento e, acredito que também hoje, só contam os títulos. Outra coisa que não seja um título tem avaliação negativa, mas acredito que fiz um bom trabalho, assim como venho fazendo agora no Red Bull Bragantino, com tempo para trabalhar, planejar e desenvolver as minhas ideias.

O que acha da formação de treinadores no Brasil? Os cursos disponíveis são de fato suficientes para formar profissionais capacitados, mesmo com carga horária mais baixa e menos conteúdo do que os cursos disponíveis em outros países?

Barbieri: Eu acho que é uma iniciativa importante e válida, só vem a acrescentar. Sobre a carga horária eu não tenho como debater. A informação que eu tive lá é que a carga horária dos cursos no Brasil está entre as maiores do mundo, mas não tenho como ratificar essa informação. Sobre o papel deles na formação do treinador, não acredito que o profissional se forme através de um curso. É no dia a dia, no trabalho, na construção, na sua capacidade de aprender, enfrentar as dificuldades e encontrar as soluções para diferentes problemas e contextos. Ele se forma na ação, no cotidiano. O curso é importante, mas não é definitivo.

O Red Bull Bragantino conta com muitos atletas jovens e com potencial de crescimento no futuro próximo. Você é mais cobrado para desenvolver esses atletas no dia a dia ou para que o time cresça de forma mais competitiva no Brasileirão?

Barbieri: Sou cobrado nas duas frentes. Preciso ajudar os jogadores jovens a melhorar, se desenvolver e se enquadrar dentro do trabalho de equipe, além de entregar os resultados com o time

Como define o seu modelo de jogo? Leva em consideração os atletas disponíveis no elenco para depois desenvolver as ideias ou não renuncia a uma filosofia?

Barbieri: Eu não defino o meu modelo de jogo. Na minha maneira de entender o modelo de jogo não pertence ao treinador. Ele é a união das ideias do treinador com o elenco que ele tem na mão, com o contexto na sua frente, com o momento da competição, com a história do clube... Enfim, uma série de fatores. O modelo não é rígido. Não é a mesma coisa dirigir o Flamengo, um Corinthians, um Palmeiras, e depende do perfil do plantel que você tem a disposição. A análise desses fatores, mais alguns, faz com que você trabalhe no desenvolvimento de um modelo. É claro que eu tenho ideias claras e definidas, mas elas não podem morar só na minha cabeça, elas precisam se enquadrar a realidade. O meu papel é buscar soluções frente ao contexto que se apresenta.

Quais são suas referências como treinador e por quê?

Barbieri: Tenho referências diversas, tanto nacionais quanto estrangeiras. Todo grande treinador é uma referência pra mim. Não gostaria de hierarquizar ou pontuar. Mas todos os que tem contribuição para o desenvolvimento do jogo são importantes. Podemos citar Telê Santana, Parreira e outros, não só os mais antigos. Muricy, Abel Braga, Luxemburgo, Paulo Autuori... São referências importantes. Lá fora podemos citar Arrigo Sacchi, Rinus Michels, Guardiola, Klopp, Ancelotti... Procuro aprender com todos eles e entender quais são as soluções que aplicam em suas equipes e maneira de trabalho.