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Olhar Olímpico

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Opinião: Pista inaugurada por Bolsonaro ainda é sonho de um legado olímpico

Presidente Jair Bolsonaro corre na pista de Cascavel -  Isac Nóbrega/PR
Presidente Jair Bolsonaro corre na pista de Cascavel Imagem: Isac Nóbrega/PR

04/02/2021 17h52

Quando se lê a expressão "legado olímpico", a primeira imagem que se vem a cabeça é do Rio de Janeiro, provavelmente de uma das estruturas utilizadas na Olimpíada do Rio. Cinco anos depois da Rio-2016, o país parece já ter esquecido, e o governo federal ajuda nessa tarefa, que a proposta sempre foi aproveitar os Jogos para dotar o país de uma estrutura esportiva que possibilitasse a formação de atletas pelas décadas vindouras. É esse o "legado olímpico".

Hoje, como cinco anos de atraso, o governo federal inaugurou um desses legados, um centro de treinamento de atletismo em Cascavel, no interior do Paraná. O local tem oficialmente o nome de Centro Nacional de Treinamento de Atletismo (CNTA) de Cascavel, ainda que a ideia de uma rede nacional integrada para encontrar e lapidar talentos do atletismo tenha sido abandonada. O "centro nacional" é, nada mais, que uma pista de nível internacional que a prefeitura de Cascavel vai dar o uso que desejar. Por enquanto, atender crianças de 7 a 12 anos no contraturno escolar. Como as crianças são da própria cidade, ninguém vai usar o alojamento para 72 atletas.

O atraso na entrega desta obra, e de muitas outras, é uma responsabilidade dividida (não em partes iguais) entre muitos governos. A pista de Cascavel foi contratada no governo Dilma (PT), não foi entregue por Michel Temer (MDB), como era o previsto, nem no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (sem partido), como foi prometido depois. O grosso do dinheiro veio do Ministério do Esporte (R$ 15 milhões, de um total de cerca de R$ 21,3 milhões), mas a obra foi tocada pelo Paraná, que teve três governadores no período. E o principal entrave da obra foi resolvido pelo município, que também teve troca de comando em 2017.

A questão aqui não é encontrar culpados pelo atraso desta e de outras obras. Mas lembrar o efeito prático desses atrasos: os projetos foram descaracterizados. Quando o CNTA de Cascavel foi pensado, ele deveria ser um dos dois centros nacionais que receberiam os atletas revelados e/ou descobertos em uma rede de outros 20 centros regionais espalhados pelo país. Dinheiro não faltaria: em dezembro de 2015, ainda no governo Dilma, um convênio de R$ 20 milhões foi firmado com a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt).

Mas os centros não ficaram prontos, a CBAt não colocou o plano em prática, e em 2018 o convênio foi rescindido pelo governo federal. Hoje a CBAt não tem recursos para operar a tal Rede Nacional de Treinamento e só mantém um centro de treinamento funcionando, em Bragança Paulista (SP). O presidente da confederação, Warlindo Carneiro, até esteve no evento de hoje em Cascavel, mas a pista não terá relação com a confederação.

Como tantas outras obras, o CNTA de Cascavel perdeu sua função original. Será apenas uma pista, de ótima qualidade, com alojamento e arquibancada, para uso não do atletismo do país, mas do atletismo da cidade de Cascavel. O governo federal fez um investimento pesado, mas agora é a cidade de Cascavel, e o cobertor curto dos cofres municipais, que vão decidir se a pista será utilizada para formar atletas de rendimento ou só para escolinhas. Nada indica que a primeira opção será escolhida.

Adianta muito pouco construir pistas do nível dessa inaugurada em Cascavel para entregar às prefeituras, que precisam se preocupar com o cidadão local, não com o futuro do atletismo do país. Sem essa coordenação em nível nacional — o que a Secretaria Especial do Esporte não está disposta a fazer —, é questão de tempo que esse "legado" seja largado. Já aconteceu em diversos locais. Para ficar em um exemplo: o estádio de atletismo de São Bernardo, que também era um CNTA e custou caro à União, hoje não tem equipe de rendimento, não tem atletas alojados, não tem competições... mas tem vários buracos na pista.

E o caminho é ladeira abaixo. Por mais que o presidente da Caixa Econômica Federal tenha participado do evento de hoje, a estatal não tem mais contrato com a CBAt. O antigo venceu em 31 de dezembro e um novo ainda não foi assinado. A tendência é que logo seja, mas provavelmente com valor menor.