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Flavio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula e Hamilton: um encontro que faria bem à Fórmula 1

Nelson Piquet em manifestação golpista - Reprodução/Instagram
Nelson Piquet em manifestação golpista Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

07/11/2022 04h00Atualizada em 08/11/2022 14h02

Esta é parte da newsletter do Flavio Gomes, enviada ontem (6). Na newsletter completa, apenas para assinantes, o colunista também comenta sobre o busto de Senna que será inaugurado em Interlagos, a posição de reserva do reserva de Felipe Drugovich na Aston Martin e a busca da Mercedes pelo vice entre os construtores . Quer receber antes o pacote completo, com a coluna principal e mais informações, no seu e-mail, semana que vem? Clique aqui.

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Nelson Piquet voltou a ser tristemente notícia na semana que passou, depois de aparecer num vídeo gravado por um apoiador de Jair Bolsonaro em manifestação golpista que contestava o resultado das eleições. No vídeo, o ex-piloto chama o presidente eleito Lula de "filho da puta" duas vezes e diz que quer vê-lo "no cemitério".

Assim que começou a circular nas redes, o vídeo provocou, além de repulsa, manifestações de juristas, advogados e até do Ministério Público. Possivelmente o ex-piloto terá de responder por algo como incitação à violência ou coisa que o valha, por ter sido tão explícito no desejo de ver Lula morto.

Piquet virou um ectoplasma, uma figura deprimente sempre que vem a público. Não pelo apoio explícito ao atual presidente — as pessoas têm, claro, o direito de apoiar um defensor da tortura, um negacionista da ciência, um responsável por centenas de milhares de mortes na pandemia, um imitador grotesco de gente sufocando sem ar, um delinquente que ataca ministros do STF e não reconhece o resultado de uma eleição, um golpista que estimula seus seguidores a fuzilarem a democracia pedindo intervenção militar, um líder que orienta sua Polícia Rodoviária Federal a impedir nordestinos de votarem, nordestinos que ele mesmo chama de "analfabetos" e são mortos asfixiados em camburão da mesma polícia, um cidadão que nunca escondeu seu ódio pelos homossexuais, seu desprezo pelos negros e indígenas, sua agressividade com as mulheres, que ataca a imprensa, artistas, intelectuais, um cara que se diz liberal na economia, mas passou a vida inteira mamando dinheiro público, amigo de milicianos do Rio de Janeiro, admirador de aberrações como Donald Trump, defensor de grileiros, garimpeiros ilegais, desmatadores, destruidores da natureza etc.

Ora, ora, claro que as pessoas têm o direito de se identificarem com alguém assim, qual é o problema? Se são iguais, pensam igual, o que é que tem?

E que é que tem se no caso específico do ex-piloto em questão essa aproximação com o atual presidente rendeu um contrato do governo com sua empresa de rastreamento de caminhões, e para o presidente o saldo foi uma robusta doação de R$ 501 mil à sua campanha eleitoral?

Puxa, vocês implicam com tudo! Selva! Aço!

Piquet disse, há alguns meses, que deixaria o Brasil se Lula ganhasse a eleição. Espera-se algum pronunciamento do agora empresário nesse sentido, o que não deve ocorrer. Ultimamente, quando abre a boca, Piquet choca mais pelo conteúdo do que pensa do que propriamente pelas promessas fajutas que possa eventualmente fazer. Foi o caso, recentemente, da revelação de uma entrevista a um obscuro canal do YouTube no qual chama Lewis Hamilton de "neguinho" duas vezes.

O "neguinho" que, nesta segunda-feira, recebeu na Câmara dos Deputados o título de cidadão honorário do Brasil. E logo depois, na embaixada britânica em Brasília, se encontrou com ativistas de movimentos sociais e ligados ao combate ao racismo no país. Aliás, a respeito da concessão da honraria, o filho de Piquet, de alcunha Nelsinho, manifestou-se em recente postagem no Instagram perguntando: "Ele já veio para o Brasil sem ser para uma corrida ou contratado para fazer palestra? Já veio passar férias? Conhecer a Amazônia que ele tanto defende? Tempo ele tem, avião também, por que não veio?", questionou o rapaz que, hoje, corre na Stock Car.

Os ares estão mais respiráveis no Brasil desde domingo passado, exceção feita a alguns quartéis e instalações militares diante dos quais gente de verde e amarelo segue rezando, gritando, orando, suplicando para que alguns recrutas os salvem do comunismo, dos banheiros unissex, das mamadeiras de piroca e da transformação iminente de templos evangélicos e igrejas em casas de swing.

Nesse cenário, seria interessante se Hamilton, o "neguinho" que ganhou sete títulos mundiais e detém os recordes de vitórias e poles na história da F-1, entre muitos outros, pudesse se encontrar com Lula. Teriam uma conversa interessante sobre questões que interessam a ambos e têm feito parte de suas pautas há bastante tempo: preconceito, racismo, desigualdade, meio ambiente, inclusão social.

Sim, Lula e Hamilton teriam muito para falar. O operário que passou fome na infância, liderou trabalhadores nos anos 70, foi preso duas vezes, se elegeu presidente em três oportunidades e derrubou o rascunho de fascismo que ameaçou o Brasil na última eleição certamente encantaria com sua trajetória o jovem negro que sofreu discriminação permanente desde criança, que ousou se incluir num ambiente branco e elitista, desafiou a lógica de um esporte preconceituoso e povoado de gente conservadora e reacionária, que há poucos anos ergueu o punho e a voz contra injustiças e se ajoelhou no grid de uma pista de corridas pela vida de um negro como ele assassinado, e se transformou na voz mais importante do esporte mundial em defesa de causas essenciais e urgentes.

Lula e Hamilton, se pudessem se encontrar pessoalmente, ajudariam a relegar figuras como Piquet e Bolsonaro ao lixo da história. E passariam um recado para o resto do mundo bem claro: na política e nas pistas, é preciso ter dignidade, resiliência, respeito pela vida.

Mas é só uma ideia.

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