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Eliana Alves Cruz

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O poder das que se sabem excelentes

Simone Biles, dos Estados Unidos, em ação no solo, na ginástica artística - REUTERS/Mike Blake
Simone Biles, dos Estados Unidos, em ação no solo, na ginástica artística Imagem: REUTERS/Mike Blake

27/05/2021 04h00

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Uma corrida, um salto, uma evolução perigosíssima no ar e uma aterrissagem quase perfeita. Um show é certo nos Jogos Olímpicos de Tóquio: o da ginasta Simone Biles. A jovem norte-americana de 24 anos guarda no corpo de 1,45m de altura -- além de um talento gigante, disciplina férrea e uma força descomunal -- muita, mas muita autoconfiança. Uma certeza que brota de alguém trabalhada para ser exatamente para o que nasceu e que não teme dizer isso ao mundo.

No último sábado, 22, Simone brilhou intensamente ao executar um salto tão arriscado que nenhuma mulher havia tentado antes, um Yurchenko duplo carpado, executado antes apenas por homens. Ela vem correndo em velocidade suficiente para virar de costas e, sem se virar de frente, apoiar as mãos na mesa de salto, dar um impulso que a leve a uma altura que dê tempo para que faça dois giros com o corpo dobrado e as pernas estendidas (posição carpada) e aterrissar de pé sem cair. Ufa!

Nas provas de saltos ornamentais vemos manobras semelhantes, mas a altura dá tempo para execução, o corpo está em queda livre puxado pela ação da gravidade e no final há uma piscina. O Yurchenko é perigoso, pois é executado no seco, na horizontal. Um vacilo e pode custar uma coluna fraturada ou coisa pior. Perícia, firmeza e coragem. Não é à toa que a plateia prende a respiração e explode ao final, mas por este feito extraordinário Simone ganhou uma modesta nota 6,6. O que esta pontuação revela?

Dar uma nota mediana para algo tão arriscado e bem executado pode ter o efeito de desencorajar outras a tentar tanto risco por pouca coisa. Terá sido por isso?
O salto de Simone a coloca léguas de distância das demais competidoras. Uma atleta tão acima da curva e se superando, sinaliza que não sairá do lugar mais alto do pódio tão cedo. Terá sido esta a motivação para o banho de água fria da arbitragem?

Seja qual for o motivo para a não valorização do feito inédito e fenomenal da ginasta, há algo de mágico na atuação de Simone Biles. Ela possui o prazer da superação de limites para além da premiação e aquela certeza, aquela fé estampada no olhar.

Foi a fé em si mesma que a fez sair do Rio de Janeiro, em 2016, com quatro medalhas de ouro e uma de bronze e ter uma coleção de nada menos que 19 vitórias em campeonatos mundiais. Esta mesma segurança inabalável não freou sua língua quando perguntaram se ela seria uma nova Usain Bolt ou Michael Phelps. Simone disse sem hesitar: "Serei a primeira Simone Biles!"

Uma mulher muito poderosa. Uma mulher negra muito poderosa. Isso acende em todas as meninas que nela se espelham uma chama de vontade de transformação. A ginasta mais premiada se prepara para defender todos os títulos conquistados quatro anos antes e afirma que irá realizar o "Yurchenko". Quando questionam o porquê sua resposta não poderia ser mais simples, mais desafiadora e mais inspiradora: "Porque posso".