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Clodoaldo Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As conquistas de Rebeca, Mayra e Rayssa e o esquecimento das paralímpicas

Adria Santos e Mayra Aguiar - Reprodução/Instagram
Adria Santos e Mayra Aguiar Imagem: Reprodução/Instagram

29/07/2021 15h36

Nesta semana vou pedir licença para falar do esporte olímpico. Nos Jogos que entram para a história por todo o contexto de dificuldades em frente à pandemia da covid-19 já levamos para a bagagem várias mensagens.

Rayssa Leal, uma menina de 13 anos, se tornou uma gigante para nós, brasileiros, ao dizer frases emblemáticas como "se você pode sonhar, você pode realizar" e mostrar que seu esporte, o skate, é sua diversão. Aguenta coração, minha gente! Não é um conto de fadas, mas temos a nossa fadinha própria. O Brasil enche o coração de orgulho.

Os Jogos também entram para a história como o maior número de mulheres competindo. Dos quase 11 mil atletas em Tóquio, 48,8% são mulheres, enquanto os homens representam 51,2%. Nos Jogos Paralímpicos, a expectativa é que as atletas mulheres representem 40,5% do total.

A equipe do Brasil não tem só uma Fadinha não, minha gente. Está cheio de feiticeiras talentosas. Mayra Aguiar, nesta quinta-feira (29), se consagrou por ser a primeira atleta brasileira a conquistar três medalhas olímpicas em esportes individuais. Guerreira, sem pisar no tatame por nove meses depois de uma lesão no joelho, nossa Mayra foi lá e trouxe o bronze. Mais orgulho.

Agora pela manhã, a Rebeca Andrade. Chorei vendo a bateria dela na ginástica artística. Ela se destacou por conquistar a primeira medalha olímpica da ginástica artística feminina, na prova que define a ginasta mais completa do mundo. No meio de duas escolas tradicionais da ginástica, os Estados Unidos e a Rússia, estava a nossa menina brasileira.

Pasmem, ela saiu de uma casa de fundos de Guarulhos, na Grande São Paulo, onde morava com seis irmãos para o mundo. Sua mãe, dona Rosa, assim como a minha dona Maria das Neves, é a representante de tantas outras mulheres brasileira que dedicam suas vidas para cuidar dos filhos. Obrigado, dona Rosa.

A fada maior, nossa Maria Lenk, do melhor esporte do mundo (para mim), a natação, tem uma representatividade ímpar na participação da mulher brasileira em Jogos Olímpicos. Ela foi a primeira mulher do nosso país a competir dos Jogos Olímpicos. Foi em Los Angeles, em 1932. O direito de participar dos Jogos Olímpicos só foi dado para as mulheres naquele ano, o mesmo em que elas conquistaram o direito ao voto.

Mulheres paralímpicas

Como bom paralímpico que sou, não posso deixar de fora as nossas meninas. Eu espero que nos Jogos Paralímpicos, assim como está ocorrendo nos Olímpicos, as nossas mulheres deem um show. Mas, gente, por favor, vamos prestar atenção e valorizar mais nossas paralímpicas.

No Brasil, nós temos medalhistas paralímpicas, mulheres que foram super importantes para que nós chegássemos onde estamos hoje, mas que estão esquecidas pela gestão do esporte, pelo Estado e pela sociedade. Cadê o reconhecimento?

Quero registrar aqui alguns nomes. Adria Santos conquistou sua primeira medalha paralímpica em 1988 e é até hoje é a mulher que mais conquistou medalhas para o Brasil. Roseane Santos, a Rosinha, é dona de um carisma inigualável, recordista mundial e medalhista em Sydney. Fabiana Sugimori tem na coleção duas medalhas de ouro em Jogos Paralímpicos e uma de bronze, fora a coleção de medalhas em outras competições.

Temos que parar de esquecer a história. Por que essas mulheres não aparecem mais? Porque os órgãos responsáveis pelo esporte paralímpico não dão voz e não abrem mais espaço para elas. Sei que vários homens também estão esquecidos na história do esporte paralímpico. Mas hoje eu quero falar das mulheres, que sofrem ainda mais com o apagamento.

Não é possível que o esporte paralímpico, que deveria ser a ferramenta mais inclusiva de todas, consiga apagar essas meninas do cenário. Não é possível que o Estado não entenda que elas podem contribuir em muito em projetos significativos dentro das escolas, por exemplo. Abandonar exemplos pelo caminho, não oportunizar como se deveria, esquecer a história não deveriam fazer parte do mundo e, muito menos do mundo paralímpico.

É claro que quando falamos de esporte paralímpico de alto rendimento estamos falando de resultado. Então, minha gente, essas mulheres e outras tantas do Brasil paralímpico têm resultados. Mas o que fizemos com elas? Adria, por exemplo, passou por um processo depressivo depois que parou de correr. O que o esporte paralímpico fez por ela naquela época? Digna de ter pistas e mais pistas com o seu nome por causa do número de conquistas, ela deve ser reconhecida e lembrada sempre! Mas o que acontece com o Brasil e com o esporte paralímpico que esquecem as suas mulheres, as suas atletas, pelo caminho?

Não vivemos só do agora. Eu sonho que o esporte paralímpico, esse que a gente fala que é de alto rendimento, entenda que é também uma forma para que o mundo veja o verdadeiro lugar das pessoas com deficiência e, em especial, das mulheres com deficiência.

O esporte paralímpico é alto rendimento, mas também é uma bandeira para o mundo entender o real significado da inclusão. Precisamos, com urgência, rever o que está ocorrendo com atletas paralímpicos, sobretudo as mulheres, que se aposentam e não têm mais espaço nenhum. Por que eles não estão servindo o órgão principal para ajudar nessa bandeira? Por que as mulheres estão esquecidas?

Vamos acompanhar o mundo, minha gente. E para isso temos que reconhecer a história das mulheres no esporte paralímpico. É preciso repensar o que estamos fazendo com a nossa história e qual o reconhecimento estamos dando para quem competiu pelo Brasil quando não se tinha condições financeiras. Foram elas e eles que abriram o caminho. Que seja dado para nós, ex-atletas paralímpicos, o devido reconhecimento. Que haja uma revisão na política do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) de modo a reconhecer, inclusive financeiramente, quem não teve condições no passado, mas que, mesmo assim, abriu as portas para o esporte paralímpico ser o que ele é hoje.

As mulheres paralímpicas de hoje e do passado têm muito para contribuir. Os homens paralímpicos esquecidos também. Cadê a história, minha gente? Que o CPB pense em como reconhecer essas mulheres e homens que tanto fizeram para o Brasil, aqueles que abriram mão de se dedicarem aos estudos e a tantos outros caminhos para contribuir ao esporte paralímpico, para que eles sejam parte agora, quando o esporte paralímpico tem condições suficientes para isso.

História

Quando surgiram os Jogos na Grécia, por volta de 776 a.C, as mulheres não podiam sequer assistir às competições. Na era moderna, em 1896, elas já tinham permissão para ver, mas não podiam competir.

Mas elas não cruzam os braços nunca, neste mesmo ano, após a 1ª Olimpíada da Era Moderna, Stamati Revityhi encabeçou um protesto para provar que as mulheres tinham condições, assim como os homens, de competir, refazendo o percurso da maratona, no dia seguinte à prova masculina. A partir de 1900, as mulheres tiveram autorização para participar dos Jogos, mas não ganhavam medalhas iguais aos homens, apenas certificado de participação.

As mulheres só conseguiram participar assim como os homens em 1932. Ainda assim, muitas modalidades só entraram no programa feminino muitos anos depois.