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Clodoaldo Silva

REPORTAGEM

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Referência na cobertura paralímpica, TV britânica lança filme para Tóquio

Equipe de comercial, feito por emissora britânica referência na cobertura de esportes paralimpícos - Divulgação/Channel 4
Equipe de comercial, feito por emissora britânica referência na cobertura de esportes paralimpícos Imagem: Divulgação/Channel 4

15/07/2021 18h41

Nessa sexta-feira (16), o Channel 4, emissora do Reino Unido referência na cobertura dos Jogos Paralímpicos em todo o mundo, lança Super Human (Super Humano, em português), filme da campanha de Tóquio 2020. A propaganda explora os sacrifícios feitos pelos atletas paralímpicos para perseguir seus sonhos até serem agraciados como campeões.

O filme, de três minutos, tem na trilha musical uma versão de "So You Want to Be a Boxer", de Bugsy Malone, interpretada pelo artista britânico Jay Prince.

Criado por Scott Taylor e Andy Shrubsole e dirigido por Bradford Young, primeiro cineasta negro a ser indicado ao Oscar, o comercial também conta com a participação do fotógrafo cego Ian Trehene, responsável pelas imagens de bastidores e retratos dos atletas.

Para criar o filme, a agência 4 Creative contou com a colaboração dos próprios atletas paralímpicos, com a Associação Paralímpica Britânica (BPA, na sigla em inglês) o Comitê Paralímpico Internacional e com várias organizações que trabalham com pessoas com deficiência.

Referência na cobertura paralímpica

A primeira campanha feita pelo Chanel 4, em 2012, mostrava os atletas explorando suas "deficiências" e os equiparava a verdadeiros super-heróis. Em 2016, a emissora lançou a emocionante peça "Yes, I Can" (Sim, eu posso), na qual os atletas da delegação britânica são acompanhados por uma banda de 16 músicos com algum tipo de deficiência.

Com o passar dos anos, a emissora se tornou referência nas coberturas de esporte paralímpico no mundo. A sua importância vai além das campanhas que promove, ela também dá exemplo quando emprega dezenas de profissionais com deficiência. A equipe que cobrirá Tóquio contará com mais de 70% de pessoas com deficiência.

E não para por aí. Os resultados positivos da cobertura também refletem nos costumes e cultura do povo britânico. Prova disso são os dados apontados em pesquisas.

Um levantamento realizado pela BDRC Continental e YouGov para o Channel 4 logo depois dos Jogos Paralímpicos de 2012 para analisar as percepções do público sobre a deficiência e esporte paralímpico no Reino Unido apontou que dois terços dos espectadores (65%) sentiram que a cobertura do evento teve um impacto favorável em relação às pessoas com deficiência. Segundo a pesquisa, 82% dos adultos concordaram que os atletas com deficiência eram tão talentosos quanto os sem deficiência. Essa percepção subiu para 91% entre aqueles que assistiram à cobertura da Paraolimpíada pelo Channel 4.

O levantamento também apontou que 64% dos consultados concordam que a Paraolimpíada é tão boa quanto a Olimpíada. Entre os que acompanharam a cobertura do evento pela emissora, esse número chegou a 79%.

Já a cobertura do Channel 4 dos Jogos Paraolímpicos em 2016 foi assistida por quase a metade da população do Reino Unido. A pesquisa também descobriu que a campanha mudou atitudes: 74% das pessoas se sentiram mais à vontade para discutir a deficiência depois de assisti-la, e 59% disseram que isso melhorou sua percepção das pessoas com deficiência.

Para nós que trabalhamos diariamente com ações direcionadas às pessoas com deficiência e que lutamos pela inclusão dessa camada da sociedade, esse é um exemplo a ser seguido. Representatividade não se faz sem o representante real. Por isso, é que as emissoras do Brasil precisam também ter mais pessoas com deficiência empregadas, como âncoras e em todos os espaços.

Uma mudança social não se faz de uma hora para outra. Com certeza o caminho para emissoras em todo o mundo é esse. Como falar de pessoas com deficiência, abordar temas correlatos, problemas cotidianos sem ter elas por perto. Diga-se de passagem, que a própria Channel 4 emprega profissionais com deficiência, mas também escuta os atletas paralímpicos para fazer suas campanhas e sua programação.

Parece um sonho distante ter algo assim no Brasil. Mas esse é um bem necessário e um caminho sem volta quando tratamos de igualdade e reconhecimento. Muitas empresas de comunicação ainda alegam não ter condições de investir em adaptações para receber pessoas com deficiência na sua grade.

Infelizmente, os espaços em jornais, rádios, sites, revistas ainda não são democráticos. A inclusão de profissionais com deficiência nesses locais não depende somente deles, mas de passos anteriores. Problemas na educação das pessoas com deficiência, adaptações das universidades de jornalismos para receberem alunos com deficiência e, por último, abertura das empresas para empregarem em pé de igualdade essas pessoas.

Fora isso, temos todas as outras questões rotineiras enfrentadas por essas pessoas para provarem diariamente que têm habilidades e voz própria para ocuparem os espaços. Já temos exemplo. Podemos seguir os passos da Channel 4 e fazer um jornalismo mais inclusivo.

*Esse texto foi escrito por Gisliene Hesse, que é jornalista, mestre em comunicação e multimídia, consultora de comunicação e marketing digital, ex-coordenadora de comunicação do CPB (2003/2004), ex-diretora de Comunicação da Associação Brasileira de Desportos para Cegos (2001/2002), realizou a cobertura dos Jogos Paralímpicos de Sydney e coordenou a cobertura dos Jogos de Atenas.