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Promessa de Lula, ministério indígena deve ser relevante para o clima

O ex-presidente Lula (PT) se encontra com lideranças indígenas em Belém - MARX VASCONCELOS/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O ex-presidente Lula (PT) se encontra com lideranças indígenas em Belém Imagem: MARX VASCONCELOS/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

De Ecoa, em São Paulo

11/11/2022 05h00

A criação de um Ministério dos Povos Originários foi uma das promessas recorrentes de Luiz Inácio Lula da Silva durante a campanha presidencial de 2022. Eleito no último dia 30, Lula reafirmou a proposta em seu discurso feito após a vitória na avenida Paulista, em São Paulo.

"Nós vamos criar o Ministério dos Povos Originários para que eles nunca mais sejam desrespeitados, para que eles nunca mais sejam tratados como cidadãos de segunda categoria", disse. Internacionalmente, há casos de governos autônomos indígenas na Bolívia e nos países nórdicos, mas, se criado, o ministério brasileiro seria uma experiência inédita no âmbito federal.

Lula também disse que indicaria um indígena para comandar o órgão. Com a transição de governo iniciada, uma portaria instituiu a criação de um grupo técnico voltado aos povos originários, o que indicaria uma confirmação do ministério, mas sua composição ainda não foi anunciada. Alguns nomes já são especulados para assumir o cargo, como a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), a deputada eleita Sonia Guajajara (Psol-SP), o advogado Eloy Terena e o ativista Beto Marubo.

O indicado terá que ser confirmado pelo movimento indígena, que criou em novembro um grupo de trabalho para debater a estrutura do ministério. Lideranças têm a preocupação de que a participação dos indígenas no novo governo não fique restrita ao órgão, mas se dê também em outras áreas, como meio ambiente e cultura.

Essa transversalidade da política indigenista, aliás, está prevista na Constituição Federal. "Tem que estar presente nos ministérios como um todo", disse a Ecoa o antropólogo do Museu Goeldi e ex-presidente da Funai Márcio Meira.

Como as políticas para os povos indígenas se organizam hoje no nível federal?

Atualmente, os órgãos responsáveis pelas políticas voltadas aos povos indígenas estão distribuídos em diferentes instâncias do Executivo federal.

A Funai (Fundação Nacional do Índio), responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas, é subordinada ao Ministério da Justiça. A Sesai, Secretaria de Saúde Indígena, é ligada ao Ministério da Saúde e a educação indígena compete a uma secretaria do Ministério da Educação. Em governos anteriores, políticas atreladas aos povos indígenas também já foram desenvolvidas em outras áreas, como no Ministério do Meio Ambiente.

Embora tenha sofrido muitas mudanças ao longo das décadas, a política do Estado brasileiro em relação aos povos indígenas existe há mais de um século. A Funai se tornou o órgão indigenista oficial em 1967 e foi transferida do Ministério do Interior para o Ministério da Justiça no início dos anos 1990. Essa época marcou a descentralização do indigenismo estatal, seguindo o marco jurídico da constituição de 1988.

Quais seriam as atribuições de um ministério dos povos indígenas no Brasil?

A estrutura do novo ministério ainda não foi definida, mas o desenho do órgão deve levar em conta as políticas e órgãos existentes e a participação das associações representativas do movimento indígena.

A Ecoa, o coordenador executivo da Apib Kleber Karipuna vê a importância do novo ministério em duas frentes: articular as políticas alocadas em outros ministérios e promover o "etnodesenvolvimento", implementando a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, com ações estratégicas para fortalecer, por exemplo, a agricultura familiar indígena.

"Não seria um ministério aglutinador de toda a política indigenista, mas sim articulador de todo o processo e da relação do governo federal com os povos indígenas", define.

Ele substituiria a Funai?

O novo ministério não deve substituir a Funai, que deve permanecer na estrutura do Ministério da Justiça. Esse posicionamento é quase unânime dentro do movimento indígena, segundo o coordenador executivo da Apib, Kleber Karipuna. Ele cita o histórico de muitas décadas do órgão, lembrando que a Funai carrega a "responsabilidade de uma pauta ainda crucial para os povos indígenas hoje, que é a luta pela demarcação e proteção territorial".

Quilombolas devem ser incluídos?

Conceitualmente, a denominação "povos originários" se refere apenas aos indígenas. Ou seja, em tese, para incluir quilombolas e outros grupos, a pasta teria que tratar mais amplamente de "povos tradicionais". O presidente eleito também disse em campanha que iria recriar o Ministério da Igualdade Racial, que, junto à Fundação Palmares (restabelecida no Ministério da Cultura), deve dar conta de questões específicas da população negra e quilombola.

Qual o simbolismo da criação de um Ministério dos Povos Originários no momento atual?

Para o antropólogo e ex-presidente da Funai Márcio Meira, o compromisso de criar um ministério dedicado à questão indígena sinaliza - nacional e internacionalmente - a relevância que o novo governo promete dar ao tema, que tem relação direta com a pauta ambiental.

O anúncio também reforçaria o respeito à constituição, indicando um aprimoramento e fortalecimento da política indigenista, principalmente após os retrocessos na área e o aparelhamento da Funai no governo Bolsonaro.

"É uma questão de relevância política. Traz a política indigenista para o primeiro escalão do governo, dá mais visibilidade institucional e protagonismo aos indígenas", diz Meira. Segundo ele, ao lado do Itamaraty, o eventual ministro dos povos originários poderá ter um papel importante na articulação internacional da proteção da Amazônia e do combate às mudanças climáticas.

"Para além de um aceno político, a gente entende que [o ministério] também é algo reparador da dívida que o estado brasileiro tem para com os povos indígenas historicamente", diz Karipuna.

Como pode impactar a vida dos indígenas no país?

Na visão de lideranças como o coordenador executivo da Apib, o ministério deve ter efeitos positivos em fazer com que as políticas cheguem nos territórios indígenas.

Além de fortalecer a política ambiental e climática do governo brasileiro, o ministério deve contribuir para melhorar a articulação e a incidência nos territórios indígenas de políticas que estão pulverizadas, como a de Assistência técnica e extensão rural e ações na área de esportes.

"A gente precisa avançar muito ainda em algumas políticas sociais específicas para os povos indígenas, assim como na demarcação e proteção dos territórios", destaca Karipuna. "Estamos vivendo um tempo de muitos ataques contra nós, contra nossos territórios, de assassinato de lideranças. Imagino que vai ter um papel fundamental".