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'Brigamos para dar certo': turismo acessível leva PCD até Machu Picchu

Laura Martins é autora do blog "Cadeira Voadora", que dá dicas de acessibilidade em viagens - Arquivo pessoal
Laura Martins é autora do blog 'Cadeira Voadora', que dá dicas de acessibilidade em viagens Imagem: Arquivo pessoal

Ed Rodrigues

Colaboração para Ecoa, no Recife

16/08/2022 06h00

É possível conhecer a cidade de Machu Picchu, subir ao topo do Kilimanjaro ou visitar as geleiras da Argentina sendo uma pessoa com deficiência (PCD)?

Os desafios para uma PCD surgem diariamente mesmo na cidade onde ela mora e domina rotas e caminhos, mas esses obstáculos ganham novas proporções em uma viagem, onde tudo é desconhecido. Por isso, há alguns poucos blogs e agências de viagens no Brasil que oferecem auxílio especial a PCDs, com dicas para quem deseje turistar sem contratempos.

A redatora e blogueira Laura Martins, 56, sentiu na pele a falta de informações quando viajou pela primeira vez para fora do país. À época, só encontrou informações em um blog que dava dicas de passeios, mas sem detalhes. Quando retornou das férias, colocou na cabeça que queria ajudar as pessoas a não passarem pelos perrengues que ela passou. Fundou, então, o blog Cadeira Voadora, no qual compartilha experiências detalhadas com fotos e dicas importantes.

"A primeira coisa a se dizer é que não é possível uma pessoa com deficiência viajar sem ter problemas. Mas dá para reduzir bastante", disse ela a Ecoa. A dica mais importante é o planejamento. "Se a gente se planeja com antecedência, consegue investigar mais. Além do meu blog, tem pessoas com deficiência dentro e fora do país que também compartilham suas experiências."

Cursos universitários de turismo acessível

Laura diz que não conhece nenhum lugar que seja totalmente acessível e que é preciso conhecer os próprios direitos e cuidar da saúde para poder enfrentar o que surgir pela frente.

"A gente vai se deparar com um desafio ou outro, então precisa estar bem de saúde e, especialmente, se conhecer ao máximo para não ultrapassar os próprios limites", ressaltou.

Viagem PCD - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A agente de cultura Ida Célia Palermo segue dicas do Cadeira Voadora para viajar sem perrengue
Imagem: Arquivo pessoal

A blogueira diz que no exterior existem muitas instituições que fazem um trabalho específico para esse público. Alguns países já têm, inclusive, cursos universitários de turismo acessível. "Porto, em Portugal, e Barcelona, na Espanha, têm cursos nessa área", conta ela.

Laura é cadeirante desde a infância. Aos cinco anos, teve uma patologia rara chamada mielite transversa e a deficiência nas pernas ficou como sequela. Lançou o Cadeira Voadora em 2011 para que as pessoas com deficiência que desejassem viajar "não tivessem que reinventar a roda."

A primeira coisa a se dizer é que não é possível uma pessoa com deficiência viajar sem ter problemas. Mas dá para reduzir bastante [esses problemas].

Laura Martins, autora do blog Cadeira Voadora

A agente de cultura Ida Célia Palermo segue as dicas de Laura desde o início do projeto. Ela diz que sempre que tem um destino dá uma olhada no blog para verificar as facilidades e dificuldades que poderá encontrar. "Para me preparar para ter mais prazer que surpresas desagradáveis. Sou cadeirante e acho o trabalho dela muito importante", disse.

Faltam agências de viagem

Do lado das agências de turismo no Brasil, poucas empresas têm dado atenção específica e qualificada ao público PCD. A reportagem encontrou apenas duas dentro do padrão de atenção citado por Laura Martins, uma no Rio de Janeiro e outra em Minas Gerais.

Emiliano Parrilli é o proprietário da operadora Turismo Acessível, do Rio de Janeiro. Segundo ele, a primeira premissa da empresa é o atendimento personalizado para identificar as necessidades específicas de cada turista para, assim, poder oferecer serviços que possibilitem uma viagem com acessibilidade.

Viagem PCD - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Algumas agências atendem as necessidades do público PCD e investigam acessibilidade dos destinos
Imagem: Arquivo pessoal

"Às vezes acontece que algum destino ou atrativo não possui acessibilidade. Nossa premissa é minimizar essa dificuldade", contou a Ecoa. Segundo ele, o maior desafio é achar empresas parceiras nos destinos que atuam e lidar com a acessibilidade nos destinos turísticos, tanto na infraestrutura (falta de rampas, sinalização), nos equipamento (hotéis ou restaurantes sem acessibilidade), atrativos turísticos e capacitação das pessoas que recebem aos turistas.

"É muito difícil fazer uma avaliação sobre os destinos mais acessíveis no Brasil já que são muitos aspectos que têm que ser levados em consideração. Nós comercializamos programas para Bonito, Rio de Janeiro, Gramado, Foz do Iguaçu, Salvador, Fernando de Noronha. Fora do país, temos tours para conhecer Machu Picchu, subir ao topo do Kilimanjaro ou conhecer as geleiras argentinas", disse Parrilli.

Alinhada com aéreas e hotéis

Fundadora e CEO da Leroy Viagens, Roberta Leroy afirma que se interessa por investigar, aprender e conseguir o pacote mais adequado para clientes que querem ou necessitam de atenção individualizada. Há 11 anos no mercado, sua agência de viagens foca no atendimento exclusivo e personalizado.

O mundo não dá muita atenção para esse tipo de cliente, infelizmente. Por isso, alinhamos tudo e depois brigamos muito para ter tudo certinho

Roberta Leroy, CEO da Leroy Viagens

"Buscamos entender a demanda de cada cliente com gostos e preferências em uma conversa que pode ser presencial, por vídeo ou por telefone. Partindo daí, elaboramos a proposta de acordo com a necessidade de cada um. No caso de atendimento aos clientes PCDs, sempre buscamos entender detalhes, auxiliamos na tratativa com as companhias aéreas, serviços locais e hotéis", explicou.

A empresa alinha tudo com as companhias, checa documentação necessária, combina os serviços de traslados e guia, que são necessários para o atendimento do cliente PCD localmente. "Alinhamos com o hotel o tipo de quarto, procuramos saber como é a acessibilidade do hotel no geral etc." Segundo Roberta, o trabalho da agência, não acaba nos preparativos: "alinhamos e depois brigamos muito para ter tudo certinho", diz.