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Em rádio, professora retomou afetividade interrompida pela pandemia

A professora e orientadora de educação digital Ana Paula Faria - Arquivo pessoal
A professora e orientadora de educação digital Ana Paula Faria Imagem: Arquivo pessoal

Danilo Casaletti

Da República.org

25/11/2021 06h00

"Eu amo o movimento. E os estudantes também. Na pandemia, ele foi arrancado da escola de uma hora para outra. E, com isso, a afetividade também nos foi tirada." A frase da professora e orientadora de educação digital Ana Paula Faria, de 43 anos, mostra o desafio que foi o período no qual estudantes e professores ficaram afastados do convívio em sala de aula por conta da necessidade de isolamento social.

Ela usa a palavra "movimento" para se referir às ações capazes de envolver e motivar os alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Coronel Romão Gomes, localizada no Parque Novo Mundo, na zona norte de São Paulo, onde trabalha há 22 anos.

A ideia de mudar essa situação surgiu em uma live com a coordenação da POED — Professor Orientador de Educação Digital —, área em que atua. Alguém falou sobre podcast e Ana Paula teve o lampejo de criar um programa de rádio que fosse capaz de unir não apenas os alunos, mas também professores, funcionários e a comunidade - e que pudesse ser feito à distância.

Para colocar a ideia no ar, recorreu, além de seus pares, aos alunos do Projeto Imprensa Jovem, iniciativa da Prefeitura de São Paulo que incentiva os estudantes a formarem pequenas agências de notícias dentro das escolas - os conteúdos, sobre temas como meio ambiente e cultura, são veiculados em diferentes plataformas. Ana Paula, graduada também em jornalismo, é educomunicadora do Imprensa Jovem, com turmas de alunos do 5º ao 9º ano.

Foi assim que, em julho de 2020, nasceu a Rádio Ainda Sem Nome, que teve seu primeiro episódio um mês depois. O tema da estreia foi uma questão fundamental na pandemia: emoções e sentimentos. O roteiro, assinado por Ana Paula, faz referência ao filme infantojuvenil Divertidamente, que fala de uma garota de 11 anos que convive com sentimentos como raiva, alegria, medo, nojo e tristeza. O programa explicou o que é inteligência emocional e entrevistou uma psicóloga.

A professora contou com a colaboração de um colega de profissão, Rodrigo Baglini, que lhe deu as primeiras explicações sobre podcast, da professora de português Adriana Martins e de três alunos que ajudaram no planejamento e na narração.

Desafios

A pesquisa técnica, área em que todos tiveram que ralar para aprender, foi feita pelo auxiliar técnico de educação Ednaldo da Silva, de 62 anos. "O Ednaldo estava muito deprimido por conta do trabalho remoto. Ele mora sozinho, estava triste. Ele adora tecnologia. Pedi que pesquisasse no Google como fazer um podcast. Ele topou." Ana se lembra do dia em que Ednaldo, depois de várias tentativas, conseguiu fazer uma chamada de vídeo. O momento, com direito à comemoração, foi eternizado por um print da tela.

Momento em que Ednaldo conseguiu se conectar - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Momento em que Ednaldo conseguiu se conectar
Imagem: Arquivo pessoal

Tudo foi aprendido durante o processo. Não foi fácil. Os primeiros episódios trazem, por exemplo, diferenças no volume de cada sonora (os áudios que os participantes gravaram de suas próprias casas). Dificuldades que, ao final, se mostraram insignificantes diante da importância do projeto.

O segundo episódio da Rádio Ainda Sem Nome abordou a questão dos alunos com deficiência - na Romão Gomes há alunos com deficiências físicas, visuais e intelectuais e com transtorno do espectro do autismo. A entrevistada foi a aluna Mariane Victoria, que possui baixa visão. A menina deu uma lição de sabedoria. "Gostaria que as pessoas tivessem mais compaixão umas com as outras. É assim: eu te respeito e você me respeita (...) Eu já sofri bullying uma vez, mas não vou sofrer de novo", afirmou na entrevista.

Ela adorou a experiência. "Eu queria participar de novo", afirma Mariane, que tem 13 anos e é aluna do sétimo ano da Romão Gomes. "Mais importante do que participar do podcast, foi o tema que ele abordou, sobre deficiência. Conhecer sobre o assunto é o caminho para que as pessoas tenham menos preconceito", diz a estudante, que repete a frase que todos deveriam colocar em prática: eu te respeito e você me respeita.

Foram produzidos cinco episódios até dezembro de 2020 - hospedados em serviço de streaming e também enviados por aplicativos de mensagem no formado MP3. Aos poucos, outros alunos aderiram à rádio. Ao todo, 16 ajudaram a realizar os programas. As incertezas sobre o retorno às aulas dificultaram a ideia da professora de envolver cada vez mais alunos.

Segunda etapa do projeto

Quando o retorno às aulas presenciais foi possível, em outubro passado, Ana Paula começou a trabalhar na segunda parte do projeto, que tem a ver com o pertencimento - e está ligada ao nome A Rádio Ainda Sem Nome que, apesar de chamativo, tem uma razão de ser.

"Logo no começo, falei para a minha colega: a rádio não é nossa, é para os alunos. Eles precisam sentir esse pertencimento. Quando eles tiverem essa sensação, eles escolhem o nome". Um concurso, em breve, deve resolver a questão.

Nesta etapa, Ana Paula passou a apresentar o projeto para os demais alunos. A escola Romão Gomes fica na periferia de São Paulo e nem todos os estudantes tiveram, em um primeiro momento, acesso às aulas remotas. São os chamados "alunos silenciados" — agora, afirma a professora, todos os seus alunos contam com tablets distribuídos pela prefeitura. Ela dá aula para 21 turmas, que somam 600 alunos.

Exigentes e curiosos, eles deram inúmeros palpites. Repararam na variação do volume do áudio, pediram episódios mais curtos — os que foram lançados têm, em média, 15 minutos de duração — e criticaram as músicas utilizadas, escolhidas em banco de dados de uso livre.

Dois novos episódios devem entrar no ar até o fim do ano letivo. Um falará sobre jogos digitais, tema escolhido pelos estudantes, e um outro sobre a importância da vacinação entre os adolescentes, assunto que a professora julga necessário neste momento. "Queremos olhar para a comunidade escolar como um todo. A escola é reflexo da sociedade."

Em razão da Rádio Ainda Sem Nome, Ana Paula participou a convite da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) do seminário "Reabertura Segura das Escolas", realizado pela ONU em julho deste ano, quando falou sobre o projeto e seus resultados. Outro reconhecimento importante foi a indicação que recebeu para o Prêmio Professor em Destaque, promovido pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. O resultado será divulgado no mês de dezembro.

"Sinto-me orgulhosa. E penso que isso não é ruim. Fico feliz por enxergar que, como professora de uma escola pública, assim como outros tantos colegas, fiz algo que pode atingir outro ser humano. É um projeto simples, mas valoroso. E colaborativo", diz Ana Paula. "O dia a dia de uma escola pública não é fácil. Mas quando você está cansado, outro professor te incentiva, te ajuda. Parceria é fundamental."

Esta reportagem foi desenvolvida em parceria com a Republica.org, organização social apartidária e não corporativa que se dedica a contribuir para a melhoria do serviço público no Brasil, em todas as esferas de governo.