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Censurado em edital, 'Transversais' traz esperança para inclusão trans

Cartaz do filme "Transversais" - Divulgação
Cartaz do filme 'Transversais' Imagem: Divulgação

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo (SP)

29/10/2021 06h00

São cinco histórias de vida de pessoas com diferentes ocupações, idades e classes sociais no Ceará. Em comum, a transexualidade e as experiências que, embora incluam o preconceito e a exclusão, passam ao largo de estereótipos, abarcam vitórias, realizações e relações afetivas.

Esta é a premissa do documentário "Transversais", primeiro longa-metragem de Émerson Maranhão, que faz sua estreia na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com sessões presenciais e também disponível online na plataforma Mostra Play — até quinta-feira (4) ou até atingir o limite de 800 visualizações. Depois da mostra, o filme segue para outros festivais, como Mix Brasil e Cine Ceará, e chega aos cinemas em 2022.

Apesar da estreia num dos principais circuitos de cinema do país, se dependesse do governo federal, o filme não teria saído do papel. Em 2019, um edital de chamamento de projetos para TVs públicas que tinha uma categoria de investimento para séries com temática LGBTQIA+ foi suspenso após uma live do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). "Transversais" estava entre os projetos aprovados para a última fase do concurso.

A censura acabou instigando os realizadores de "Transversais", Maranhão e o produtor Allan Deberton, a seguir adiante com o projeto.

"Se tornou questão de honra tanto pra mim quanto para Allan. Não foi só uma tentativa de invisibilizar a arte e de acabar com a liberdade de expressão, mas de invisibilizar essa população. Então nos deu mais gana ainda, mais determinação pra levar essa história pras telas", disse o diretor do filme a Ecoa.

Depois da suspensão do edital, eles passaram a buscar outras vias de financiamento, não mais para uma série, mas para um longa. A produção obteve o primeiro lugar no edital da Lei Aldir Blanc no Ceará e pôde ser executada no início de 2021.

Trabalho, família, amor, amizade e luta

No mosaico de "Transversais", as histórias dialogam e se complementam. Sem deixar de dar espaço para a individualidade de cada personagem, o filme passa por temas comuns entre eles e também aproxima suas realidades da população cisgênero.

Algumas das cenas mais emocionantes do documentário surgem quando pais de pessoas trans manifestam seu amor e sua aceitação dos filhos, mostrando um lado pouco visto da "família brasileira".

Mara e Lara - Juno Braga e Linga Acácio/Divulgação - Juno Braga e Linga Acácio/Divulgação
Lara e a mãe, Mara Beatriz, em cena do filme "Transversais"
Imagem: Juno Braga e Linga Acácio/Divulgação

Essa aproximação, segundo Émerson Maranhão, é um movimento deliberado do filme para mostrar ao espectador que pessoas de identidades de gênero diversas são... pessoas.

"O filme promove esse encontro. Quando a gente entende que o diferente da gente não é tão diferente assim, que são pessoas que amam, que trabalham, que estudam, que ralam, que têm família, acaba deixando de lado uma visão pré-concebida sobre essas trajetórias e essas pessoas e passa a enxergá-las a partir de uma perspectiva menos fantasiosa, menos preconceituosa e mais real", diz o diretor.

Embora estejam interligados por relações, descobertas, desafios e desejos, cada personagem também traz uma perspectiva única à luz de sua própria história.

Caio José - Juno Braga e Linga Acácio/Divulgação - Juno Braga e Linga Acácio/Divulgação
Caio José, personagem do filme "Transversais"
Imagem: Juno Braga e Linga Acácio/Divulgação

O paramédico Caio José, 27, fala sobre a paixão pela profissão de enfermeiro, a admiração pelo pai e como liderou a formação de um coletivo de homens trans em sua cidade.

A professora de matemática da rede pública Érikah Alcântara, 33, compartilha o dia a dia em sala de aula, afirmando o papel do professor em mediar conflitos e intervir em situações de preconceito e bullying.

Mara Beatriz, 42, é mãe da adolescente Lara e se envolveu no ativismo pelo respeito à identidade da filha, inaugurando o coletivo Mães pela Diversidade em Fortaleza.

O antropólogo Caio Lemos, 42, conta de sua pesquisa e vivência sobre a aceitação das identidade trans em terreiros de candomblé e lembra que lutar para ser aceito vai além da militância, é uma questão humana.

Samilla Aires, 38, servidora pública do estado, é conhecida como "senadora" em sua comunidade por sua atuação em defesa de políticas para a população trans.

Sem fechar os olhos para a violência e o preconceito que a comunidade trans ainda enfrenta, "Transversais" apresenta um recorte de como a sociedade pode ser e de como caminha para ser — graças aos esforços do movimento LGBTQIA+ e apesar das forças contrárias.