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Jogo criado para irmão autista vira produto em gigante de brinquedos

O protótipo do jogo criado pelo grupo de Maria Elisa - Divulgação
O protótipo do jogo criado pelo grupo de Maria Elisa Imagem: Divulgação

Carmen Lúcia

Colaboração para Ecoa, do Rio de Janeiro (RJ)

28/10/2021 06h00

Ao realizar um trabalho de faculdade, a designer paulista Maria Elisa Zaia França, hoje com 29 anos, se inspirou em seu irmão para desenvolver o jogo Caras e Emoções. "Durante a universidade, eu e mais duas colegas tivemos o desafio de criar um jogo, e logo pensamos em algo para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Meu irmão Gabriel é autista e sempre tivemos dificuldade em encontrar jogos que o deixassem engajado e interagindo com a família", conta.

Ela explica que o jogo foi criado em 2013, quando ainda não existiam no mercado opções pensadas para essas pessoas. "Muitos brinquedos eram adaptados pelas famílias e pedagogos, mas, como cada pessoa autista tem suas particularidades, era muito difícil acertar de qual iriam gostar e o resultado era uma pilha de jogos empoeirados. Meu irmão não se comunica verbalmente, e ele preferia brincar sozinho ou ver filmes. Sentia que ele queria brincar e interagir, mas acabava sobrecarregado", completa.

Para mudar esse cenário, Maria Elisa e seu grupo fizeram pesquisas, entrevistaram famílias e desenvolveram o projeto que mudaria a forma como as crianças autistas acessam conteúdos lúdicos. Gabriel, então com 17 anos, foi o principal usuário para os primeiros protótipos.

"Durante a nossa pesquisa, aprendemos que o sucesso de um jogo para esse público mora nos detalhes. Cada pessoa autista é diferente, mas alguns padrões se repetiram e ajudaram no nosso processo de criação. Por exemplo, aprendemos logo no começo a fazer peças grandes, para auxiliar na coordenação motora. Também vimos que elas deveriam ser resistentes e com cores vivas", conta.

A simplicidade nas regras também se mostrou importante ao permitir o surgimento de outras formas de jogar - o que também possibilita atender um número maior de pessoas. O jogo criado pelo grupo é uma espécie de dominó cujas peças podem ser usadas de diferentes maneiras, incluindo para fazer mímica ou empilhar. "Para o tema, optamos por focar em expressões faciais, o que é uma grande dificuldade para a maioria das pessoas com TEA", explica Maria Elisa.

Promovendo interação

O jogo Caras e Emoções, hoje produzido pela Estrela - Divulgação - Divulgação
O jogo Caras e Emoções, hoje produzido pela Estrela
Imagem: Divulgação

O jogo Caras & Emoções é indicado para crianças em geral acima de 5 anos e pessoas com TEA. Ele busca auxiliar no desenvolvimento social e na interação de seus usuários, fortalecendo os laços com a família e amigos. Mas as vantagens vão além. "De acordo com relatórios que recebemos, além de ter resultados excelentes quanto à socialização, o jogo ajudou no reconhecimento de emoções, percepção visual, noção espacial, coordenação motora fina e bimanual", comemora a criadora.

E como será que o Gabriel, irmão caçula de Maria Elisa e a principal inspiração para o jogo, reagiu ao ter contato com ele? "Quando apresentamos a versão final, ele já estava curtindo bastante a experiência e era só sorrisos. A sua dinâmica preferida é o dominó mímico, em que você imita a expressão facial da peça antes de conectar. Ele adora fazer caretas e damos boas risadas, parece que ele se sente mais envolvido na brincadeira. Quando levamos essa versão para ser testada na sua escola, ele ficou muito feliz de brincar com os colegas. A reação de todos foi muito positiva!", lembra.

O resultado foi tão bom que, este ano, o jogo passou a ser produzido e comercializado pela fabricante de brinquedos Estrela. Os interessados podem comprar pelo site da empresa por R$ 59,90. Ciente de que nem todas as famílias podem arcar com esse custo, Maria Elisa planeja ações que permitam a inclusão de mais crianças. "No momento, doamos jogos para as clínicas e escolas especializadas que nos ajudaram no processo de desenvolvimento, mas queremos levar para mais associações, escolas e clínicas no futuro".

Feliz com o resultado do projeto, ela acredita que, atualmente, as empresas têm um olhar mais atento para a diversidade. Mas aconselha: "Não tenham medo de nichar seus produtos. Muitas pessoas acabam 'esquecidas' em vários mercados e ficariam felizes de comprar algo feito pensado para elas".