Topo

Horário de verão deixou saudades ou foi embora tarde? 

O horário de verão foi embora tarde? - iStock
O horário de verão foi embora tarde? Imagem: iStock

Giacomo Vicenzo e Amanda Cruz

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

14/01/2021 04h00

Um dos primeiros registros que levam à criação do Horário de Verão é de 1784, quando Benjamin Franklin, nos Estados Unidos, notou que em certos meses do ano o sol nascia antes da média de horário em que as pessoas acordavam. Com isso, ele espalhou — sem sucesso — a ideia de que todos poderiam acordar mais cedo para desfrutar da luz do dia por um período maior.

Depois disso, o método foi adotado em vários países do mundo durante momentos específicos - como pelos países europeus ao longo da Primeira Guerra Mundial.
Aqui no Brasil, o horário de verão foi adotado pela primeira vez, em 1931, pelo então presidente Getúlio Vargas por meio de decreto em todo o território nacional. No entanto, não foi constante, e acabou sendo revogada e adotada novamente em anos seguintes. A mudança do horário, em uma hora, passou a ser ininterrupta a partir de 1985. Mas foi só em 2008 que foi regulamentada por decreto-lei, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por levar a população a voltar uma hora no relógio para alinhar o início do dia com o período solar, o horário de verão é um recurso que ajudava na redução do consumo de energia, especialmente por volta das 18h até 21h, quando costuma ocorrer um pico de consumo. Porém, desde o início de 2019, o presidente Jair Bolsonaro, junto ao Ministério de Minas e Energia, revogou o Horário Brasileiro de Verão.

A decisão de manter o recurso inativo pelo segundo ano consecutivo se deu após estudos realizados pelo Ministério que demonstraram a baixa efetividade dessa ação. A nota técnica divulgada aponta que a economia de energia obtida com a mudança no horário vem diminuindo ao longo dos anos e que atualmente já estaria próximo da neutralidade, portanto, sem surtir nenhum efeito significativo na redução do gasto de energia. Esse resultado estaria ligado a uma possível mudança de hábito de consumo de energia da população.

Ainda de acordo com o Ministério de Minas e Energia, atualmente o horário de pico no consumo de energia é na parte da tarde, quando há um aumento no uso de aparelhos de ar condicionado. Por outro lado, os efeitos do Horário de Verão eram bastante positivos para algumas pessoas e, inclusive, a economia vista na conta de energia elétrica fazia a diferença no final do mês. Isso sem falar na melhora da sensação de disposição e de segurança para quem sai para trabalhar cedo e retorna tarde da noite para casa — a luz do dia faz bastante diferença nesses aspectos.

Para você, o Horário de Verão foi embora tarde ou deixou saudades? Pensando nisso, Ecoa falou com especialistas e pessoas afetadas pela mudança para levantar prós e contras da alteração de relógios a favor da economia de energia.


Sim

Mais disposição para aproveitar o dia

Durante o Horário de Verão, muitas pessoas saem do trabalho ainda em plena luz do dia e essa sensação gera mais disposição e bem-estar para aproveitar momentos de lazer antes que anoiteça. Dessa forma, por exemplo, praticar algum tipo de atividade física nesse momento se torna uma tarefa mais fácil e que pode trazer um bom retorno para a saúde. Inclusive, para muitos que saem de casa ainda de madrugada, essa acabava sendo a única chance de curtir um pouco o sol.

Sensação de segurança nas ruas

A segurança também entra em jogo quando o assunto é horário de verão. Existe a percepção de que a luz do dia possa inibir possíveis crimes.

Cada organismo tem uma reação psicológica diferente a essa sensação de medo, mas de forma geral ela pode ocasionar mais ansiedade, fobia social, Transtornos Obsessivos Compulsivos ou até mesmo traumas por episódios de violência. Claro que a luz do dia por si só não elimina o problema, mas pode promover a sensação de bem-estar, que aumenta quando nos sentimos mais confortáveis e seguros.

Impacto na conta de luz

Apesar do Ministério de Minas e Energia alegar que a redução no gasto de energia do país não tenha sido significativa, fontes ouvidas por Ecoa sentiram a diferença em suas contas no final do mês. Com os dias mais longos e maior iluminação natural, gastava-se menos energia elétrica em casa, especialmente nos horários de pico durante o início da noite.

Exposição à luz solar
A luz solar é responsável pela produção de Vitamina D, que em sua ausência ou insuficiência pode causar até depressão. Portanto, ao ficar mais exposto ao sol, especialmente pela manhã e no final da tarde, a saúde tem ganhos.

Não

Dificuldade de adaptação com o novo horário

Uma das principais queixas de quem é contra o horário de verão está justamente na dificuldade em conseguir regular os horários de sono, em especial pessoas com perfil mais vespertino, que têm maior tendência a dormir e acordar tarde. Essa fase de adaptação gera muito cansaço e indisposição, ocasionando baixo rendimento nas atividades diárias. No início do horário de verão, o corpo entende que ainda não amanheceu e não descansou como de costume, o que gera mais cansaço ao final do dia.

Esse problema foi objeto de estudo realizado por pesquisadores brasileiros que analisaram mais de 12 mil pessoas. Publicada na revista Annals of Human Biology, a pesquisa mostra que 54,57% das pessoas sofrem algum tipo de desconforto relacionado ao horário de verão, como mal-estar de forma geral. Dessas, 27,3% sofrem com os efeitos da mudança de horário durante todo período em vigor.

Outro estudo brasileiro também analisou os efeitos da transição para o início e após o fim do horário de verão. Os pesquisadores analisaram cinco voluntários, que tiveram sua temperatura do punho e seu ciclo de sono/repouso medidos durante períodos de 20 dias antes e depois do horário de verão. As análises mostraram que os períodos de transição envolvidos no horário de verão provocam mudanças agudas nos ritmos circadianos de temperatura e atividade de repouso, o que, por sua vez, pode estar associado à diminuição da eficiência do sono.

No entanto, outro estudo feito por brasileiros mostrou que os efeitos do horário de verão não interferiram significativamente no tempo que 378 estudantes analisados passavam dormindo.

Pode gerar alterações no organismo

Quando alteramos uma hora do relógio, afetamos o sono e diversas funções do corpo ficam dessincronizadas. Entre elas o nosso apetite e o funcionamento intestinal, que depende não apenas dos alimentos ingeridos, mas também do horário que foram ingeridos. Fontes ouvidas por Ecoa alertaram que o horário de verão também pode afetar a produção de hormônios, por causa da glândula pineal, que funciona dependendo do ciclo solar.

"A reposta direta seria sim [o horário de verão faz mal ao organismo], tanto de forma aguda, ligado às transições, afetando, por exemplo, os acidentes de trânsito, quanto crônica, pelo distanciamento entre o tempo social e o tempo biológico, o que pode causar uma disrupção no sistema de temporização e, consequentemente, prejuízo nos sistemas associados, como o sistema nervoso.", disse a Ecoa Mário André Leocadio, doutor em Fisiologia Humana pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP

Maior sensação de calor em horários de trabalho

Para pessoas que não são grandes fãs do calor, ficar exposto ao sol em certos períodos do dia pode ser bastante desconfortável, principalmente para quem trabalha fora do escritório. Sem o horário de verão, muitos acabam voltando para casa quando o dia está começando a ficar mais fresco e agradável com o cair da noite, o que pode ser mais agradável, especialmente em um país como o Brasil, que tem um verão bastante intenso.

Fontes: José Marcelo Natividade, endocrinologista e metabologista; Debora Petrungaro Migueis, médica, professora de otorrinolaringologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Doutora em medicina do sono pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio); Tainan S Santos, professora de Educação Infantil, São Paulo (SP); Elton Dias Costa, técnico de manutenção de veículos, São Paulo (SP); Ezaú Eduardo Azevedo Chaves, 32, técnico de blindagem automotiva; Wellington Silva Bilac, soldador, Espírito Santo do Pinhal (SP); Leonardo Feitosa, tradutor e intérprete, São Paulo (SP); Mário André Leocadio, doutor em Fisiologia Humana pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP.