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Latões são top da economia circular no Brasil, diz pesquisa

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Imagem: Getty Images

Mara Gama

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

07/11/2020 04h00

Os latões de 710 ml e 473 ml são as embalagens de maior circularidade hoje no Brasil. Por serem mais recicladas, poupam a extração de mais matéria prima virgem e, com isso, no confronto com embalagens para o mesmo tipo de uso provocam menos impacto negativo no ambiente, quando se analisa as atuais condições do mercado de reciclagem no Brasil e com o tipo de energia usado por aqui.

É o que aponta uma análise de ciclo de vida e pegada de carbono elaborada pela consultoria alemã Sphera comparando vasilhames e garrafas de alumínio, cartonados, vidro e PET não retornáveis no Brasil, nos EUA e na Europa. A pesquisa foi feita para a Ball Corporation, fabricante mundial em embalagens de alumínio.

As latas de alumínio em geral são os envases mais coletados (97%), mais enviados para reciclagem (100% do que é coletado); têm maior aproveitamento na hora da reciclagem (98%) e da reciclagem resulta a mesma qualidade de material que o virgem. Esses quatro fatores, segundo as premissas da pesquisa, garantem sua maior circularidade.

As razões de alta reciclagem do alumínio são mais ou menos conhecidas. Alumínio vira alumínio e não um material de qualidade inferior ao produto original. Por isso, calcula-se que 75% do alumínio já produzido no mundo ainda está sendo utilizado. Latinhas são leves, fáceis de manusear e compactar para transporte.

O Brasil é o campeão mundial da reciclagem dessas latas. Enquanto a média global de reciclagem foi de 69% em 2018, por aqui, no mesmo ano, 97% das latinhas de alumínio usadas foram reinseridas de alguma forma na produção no país.

As latinhas no Brasil têm ao menos 70% de material reciclado em sua composição. O intervalo de tempo entre uma lata ser vendida e o material voltar à prateleira numa nova lata é calculado em 60 dias.

Elas são os materiais de maior preço no mercado dos recicláveis. Valem cerca de 4 vezes o valor atual do PET e 48 vezes mais do que o vidro, de acordo com dados publicados pelo Compromisso pela Reciclagem (Cempre) e usados pela Ball na pesquisa.

Por causa de seu valor, há mais interessados em coletar latinhas para vendê-las e recicladores em mais pontos do Brasil. E assim a roda gira, e o mercado se alimenta. A reciclagem do alumínio gera cerca de R$ 1,2 bilhão em receita para as cooperativas de catadores, associações e recicladores no país, de acordo com dados do setor.

Porém, apesar de todas essas vantagens, o alumínio não é livre de pegada ecológica. A extração da bauxita consome bastante energia, água e seu processamento tem consequências para o meio ambiente, como a lama dos resíduos da extração.

Para quantificar os impactos de embalagens é que foi feita a ACV (Avaliação do Ciclo de Vida), comparando vários tamanhos de materiais para bebidas mais populares - alumínio, plástico (PET), vidro e cartonado - em três regiões econômicas importantes: EUA, Europa e Brasil.

A análise inclui índices de reciclagem mundiais, perdas do processo de reciclagem, teor reciclado dos produtos e 17 tipos de impactos ambientais nas cadeias de produção. Entre os 17 impactos ambientais estão: quantidade (em kg) de CO2 equivalente na produção por litro, acidificação do solo, consumo de água, toxicidade para o solo, os rios e os oceanos.

O objetivo, segundo a empresa, além de obter os dados para uso interno, é iniciar um debate de circularidade mais completo, com parâmetros objetivos e passíveis de acompanhamento e estimular a indústria de embalagens a caminhar em direção à economia circular e ao consumo consciente.

"O ponto fundamental é que diferentes embalagens provocam diferentes impactos e o consumidor final não tinha essa informação", diz Estevão Braga, Gerente de Sustentabilidade da Ball.

Como um dos fatores importantes para comparar os produtos são os impactos ambientais, os índices devem ser observados em relação a cada região específica, com suas condições diferentes.

Segundo Braga, parte da nota positiva do alumínio no Brasil se deve à matriz energética do país. "Na América do Sul, o alumínio é o mais eficiente em energia e emissões de carbono do que no resto do mundo. Com taxas de reciclagem de 98% esse valor cai para cerca de 1,25 ton/CO2 por tonelada de alumínio", diz. "Cada 1 kg de lata reciclada poupa a extração de 5 kg de bauxita, necessária para a produção do alumínio primário", afirma.

"Para implantar a circularidade é preciso pensar a realidade brasileira. Aqui, a latinha já é circular", diz.

"As latinhas no Brasil já têm ao menos 70% de material reciclado em sua composição. Só não tem mais reciclado na latinha porque estamos - nós que fazemos latas - disputando o material com outras indústrias que usam o alumínio", diz Braga.

Blocos de latas de alumínio amassadas para reciclagem - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Blocos de latas de alumínio amassadas para reciclagem
Imagem: Getty Images/iStockphoto

A pesquisa também concluiu que o aumento da reciclagem pode reduzir drasticamente a pegada de carbono de latas de alumínio e garrafas de vidro. Segundo Braga, o aumento do uso de energias renováveis na produção, a redução de peso e o aumento do teor reciclado podem ajudar a reduzir em até 33% a pegada de carbono das latas produzidas no Brasil até 2030.

"Com certeza, influenciam o resultado da pesquisa em favor das latinhas o fato de a matriz energética ser hidrelétrica. Na Inglaterra ou nos EUA, os resultados seriam bem diferentes", diz o engenheiro Mauricio Dwek, especialista em Ecodesign. Dwek é doutor em Engenharia Industrial pelo Grenoble Institute of Technology, com tese desenvolvida sobre a integração de métricas de economia circular na consideração dos materiais no projeto de produto.

Dwek viu os resultados da pesquisa a pedido de Ecoa e considera que são condizentes com esse tipo de análise de circularidade. Mas, na sua opinião, o material mais eficiente não garante o avanço da economia circular no Brasil.

Para que as empresas adotem as melhores práticas, observa, é necessária legislação que regule incentivos e restrições. "Sem obrigatoriedades, as empresas fazem mudanças guiadas pelo aumento da lucratividade, ou corte de gastos. A reciclagem é sempre um controle de perdas, de prejuízo. Se não houver incentivo, financiamento, não sai", diz.

"Há uma conexão direta entre avanço da legislação ambiental na Europa e avanço nas metas de sustentabilidade das empresas", afirma. "No Brasil, se não existissem os catadores, não existiria esse índice de reciclagem de latas. Eles é que fazem tudo acontecer. Quando se pensa nas latinhas, é necessário pensar em uma legislação que dê melhores condições de trabalho e vida para eles".

Outros materiais

Se a latinha é a embalagem mais circular, porque todas as bebidas não são envasadas nelas? A Ambev, detentora de mais de 30 marcas de bebidas, usa os três principais tipos de embalagens - latas de alumínio, garrafas de vidro e PET - e não revela quanto por cento de cada embalagem adota e nem o que orienta essa decisão.

"Reconhecemos que cada material tem seus benefícios, assim como cada embalagem é mais adequada para ocasião. Por isso, oferecemos opções para os diferentes momentos e preferências dos nossos consumidores e estamos sempre em busca de inovações na produção e soluções para a destinação correta das embalagens", afirma a empresa, através de sua assessoria.

"Assim como o alumínio, o vidro é uma matéria-prima que pode ser infinitamente reciclada e compõe nossas embalagens retornáveis - que podem ser reutilizadas mais de 20 vezes. Um ponto importante é que temos nos esforçado para diminuir os impactos de nossas embalagens no meio ambiente, por meio de investimentos constantes em inovações", afirma.

Como exemplo, o uso de garrafas de vidro retornáveis, que abrange 85% das garrafas de vidro que comercializa. A empresa também possui a divisão Ambev Vidros, fábrica de garrafas de vidro no Rio que utiliza cacos de garrafas quebradas e/ou descartadas como matéria prima. Segundo a Ambev, mais de 50% do material usado na fabricação de novas garrafas é de cacos de vidro reciclados.

A Ambev também apoiou, por meio de seu programa de aceleração 100+, a Green Mining, que desenvolveu um modelo de logística reversa de embalagens de vidro a partir do final de 2018 em São Paulo, e atualmente tem coletas também em Brasília e Rio de Janeiro, já tendo atingido a marca de 1 milhão de quilos de vidro coletados e enviados para reciclagem.

A maior indústria de vidro do mundo, a Owens Illinois (O-I), que também atua no Brasil, diz em seu site que a meta é incorporar 50% de conteúdo reciclado em seus produtos até 2025 - o percentual em 2017 seria de 38%. A O-I participa da campanha "Close the Glass Loop", para impulsionar a reciclagem de vidro na União Europeia.

Na Europa, o setor do vidro se comprometeu a somar esforços em direção à meta de uma taxa de coleta de vidro de 90% até 2030. Segundo o movimento, o vidro é o material de embalagem de alimentos e bebidas mais reciclado da Europa e a UE tem atualmente taxa de coleta de vidro de 76%.

O plano de ação do grupo faz recomendações estruturais que bem poderiam ser adotadas pelo setor no Brasil: trabalhar em estreita colaboração com os municípios para expandir a coleta de vidro separada na fonte e melhorar a coleta de vidro em áreas turísticas.

Apesar de 100% recicláveis, as embalagens de vidro têm sido menos recicladas no país, segundo os dados disponíveis usados pelo último Panorama dos Resíduos Sólidos, feito pela Abrelpe (associação de empresas de limpeza urbana). De um total de 10.015 toneladas recolhidas por catadores e cooperativas em 2017, passou-se para 6.738 toneladas em 2018. Os dados vêm do Anuário da Reciclagem, criado pela Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat), e se referem a uma amostra representativa -mas não total - de organizações de catadores (247 em 2017 e 260 em 2018).

As taxas de reciclagem são bem menores que as do alumínio, mas há avanços no tratamento de outros materiais, como PET e acartonados. Grande parte das mudanças foi impulsionada por acordos e compromissos internacionais. A mudança de perspectiva dos consumidores, cada vez mais preocupados com a procedência dos produtos, segundo pesquisas, também tem seu quinhão de responsabilidade.

A reciclagem de PET deu um salto de 12% de 2018 para 2019. No ano passado, o Brasil reciclou 55% das embalagens de PET descartadas, o que equivale a 311 mil toneladas do produto. Ainda não igualou o ano de 2014, com a marca de 314 mil toneladas, mas a curva é ascendente desde 2015.

Segundo censo da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet), com a participação de 160 empresas, o faturamento da reciclagem em 2019 foi de mais de R$ 3,6 bilhões, o correspondente a 36% do faturamento total do setor do PET no país.
De acordo com a Abipet, o desempenho brasileiro é superior ao dos Estados Unidos, que reciclam 29% de suas embalagens PET. A União Europeia, que coleta 58,2% do PET pós-consumo, não recicla o material e envia parte dele para processar em outros países.

A associação afirma que o Brasil é líder mundial em diferentes aplicações para o PET reciclado. Ele vira poliéster para composição dos tecidos, tapetes e carpetes e garrafas plásticas e embalagens de bebidas, produtos de beleza e limpeza, tintas e vernizes.

A Coca-Cola Brasil acaba de anunciar que as garrafas de água mineral da marca Crystal serão feitas com 100% de nova resina reciclada. Segundo a empresa, ao substituir resina virgem por reciclada, deixam de ser usadas 8 mil toneladas de plástico virgem, que seriam consumidas na produção de 400 milhões de embalagens, apenas no primeiro ano.

A mudança começa na engarrafadora Femsa, responsável por 50% do território nacional, e segue para os demais fabricantes em 2021. A empresa diz que chegará até ao fim de 2020 com o investimento de R$ 1,6 bilhão para acelerar a agenda 2030, de coletar e reciclar o equivalente a 100% das embalagens de todos os seus produtos.

Os acartonados, como as embalagens longa-vida, também têm aumentado sua reciclagem, por meio de programas de incentivo à coleta específica e apoio às cooperativas. Mas o processo de reciclagem não é simples. Por serem feitas de camadas de papel, alumínio e plástico, essas embalagens precisam de uma trituração mecânica para separar cada elemento. Isso consome energia e água. Depois da separação, cada material resultante pode ser retrabalhado, mas há perda em relação à qualidade dos materiais virgens.

No seu último relatório de sustentabilidade, a Tetra Pak afirma que vendeu 190 bilhões de embalagens no mundo todo e reciclou 50 bilhões, ou seja 27%. Pesquisa também a produção de embalagem com fontes 100% renováveis, o que significa a eliminação de plástico tradicional e a adoção de produtos feitos de cana-de-açúcar.

No Brasil, foram mais de 81 mil toneladas de embalagens pós-consumo recicladas em 2019, resultado de ações como a capacitação de trabalhadores de cooperativas de materiais recicláveis, melhorias na estrutura desses espaços e ações de conscientização.