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Coletivo de mulheres usa o bordado como panfleto por direitos humanos

Bordado feito pelo coletivo Linhas de Sampa - Divulgação
Bordado feito pelo coletivo Linhas de Sampa Imagem: Divulgação

Lígia Nogueira

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

28/08/2020 12h38

Em tempos cada vez mais virtuais, quilômetros de fios podem ser um poderoso veículo de comunicação. E não estamos falando de cabos de fibra óptica. No caso do Linhas de Sampa, o bordado é um panfleto capaz de conectar pessoas e transmitir mensagens sobre temas urgentes relacionados a direitos humanos e justiça social.

O coletivo formado em São Paulo é um desdobramento do grupo Linhas do Horizonte, fundado em 2016 na capital mineira com o intuito de discutir temas políticos por meio do bordado. Ambos são suprapartidários e reúnem mulheres de diversas áreas e formações. Há psicólogas, sociólogas, jornalistas, professoras, médicas, artistas... "No início éramos sete, hoje somos 75", conta a socióloga Lenira Machado, 80 anos, fundadora do grupo na capital paulista.

Ex-companheira de cela de Dilma Rousseff na época da ditadura militar, ela foi convidada pelas companheiras mineiras para participar do bordado de uma manta para a ex-presidente. "Estive em BH para ver como o coletivo atuava e fui me maravilhando com aquela ideia", conta. "Como socióloga, eu queria responder a duas questões: como e por que esse trabalho mobiliza tanta gente?"

Em 2018, Lenira estava no Fórum Social Mundial em Salvador com outras mulheres de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, quando a notícia da morte de Marielle Franco chocou o país. "Assim que os armarinhos abriram, compramos 200 metros de fita preta para colocar nos braços de 1.000 pessoas em sinal de luto", relembra. Ainda hoje, a socióloga diz que as respostas para suas perguntas são um mistério: "A pesquisa continua na minha cabeça".

Atividade ancestral

Com frequência o grupo recebe convites para aderir a causas. "Já fomos chamadas a somar pela luta antimanicomial e a nos manifestar em apoio às causas indígenas, falar sobre a violência contra a mulher", conta a arquiteta e urbanista Lígia Rocha, 43 anos.

Ela conheceu o Linhas de Sampa durante a campanha para as eleições presidenciais em 2018 no Largo da Batata. "Encontrei essas mulheres bordando em uma mesa. É super interessante o fenômeno dessa bordação, dá vontade de ir conversar. Foi assim que eu me aproximei: fui perguntar o que elas estavam fazendo e de pronto elas sacaram um pedaço de pano e um conjunto de linhas. Foi arrebatador na minha vida, um encontro de almas", diz.

Nossos quadradinhos bordados são panfletos que você não joga no lixo depois de ler, pode pôr na mochila ou no peito com um alfinete
Lenira Machado, socióloga e uma das fundadoras do Linhas de Sampa

A rapidez com que o coletivo se manifesta em relação aos temas quentes —os bordados são fotografados e as imagens são postadas no perfil do grupo no Instagram— é fruto de uma coordenação colegiada. As integrantes se distribuem entre receber doações de material, cortar os panfletos, escrever as frases, elaborar os desenhos e composições, riscar os panfletos (quando passam o desenho para o tecido). "É uma rede incrível que funciona direitinho", diz Lígia.

"São montes de braços trabalhando juntos, muitas mãos e muitas linhas de amarrar tudo", define ela. "E, cá entre nós, são mulheres muito incríveis. Mulheres que já enfrentaram duras pelejas. É uma geração que enfrentou a ditadura, militaram na redemocratização. São mulheres muito atentas."