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Sérgio Luciano

A terra é plana!

09/09/2020 04h00

Tempos atrás assisti o documentário "A terra é plana", disponível na Netflix.

Eu descreveria esse documentário com três palavras: Didático, profundo e curioso.

É possível assistir para caçoar de quem acredita nessa ideia. Também para reforçar a ideia de que pessoas que pensam isso são estúpidas. Confesso que esses julgamentos passaram pela minha cabeça algumas vezes.

Porém, tem algo mais. Precioso. De compreensão e ampliação de perspectiva sobre relações humanas. Como formamos nossos sistemas de crenças. Como nos juntamos com quem pensa igual. Como buscamos de toda forma evidências para reforçar o que acreditamos, deixando de ver possibilidade em estarmos equivocados em algum ponto.

Esse documentário é sobre mim. Sobre você. Sobre nós. Sociedade. Arquetípico.

Ele fala sobre arrogância, a meu ver. Arrogância de quem tá numa outra vibe e se vale da ironia e zombação para se mostrar melhor. E o quanto essa arrogância em mim gera uma separação e menos propensão a conexão. Arrogância que mina o respeito pelo outro, reduzindo-o a uma opinião que ele tem.

Fala também sobre identidade. Sobre pertencimento. Sobre o quanto uma crença molda nossa identidade e, em algum momento, nos fundimos com ela. E parece que essa crença, ao ser desafiada, desafia nossa existência.

Em determinada parte, uma pessoa que acredita na terra plana e discursa sobre diversas teorias da conspiração para não sabermos que a terra é de fato plana, passa pelo mesmo. Outras pessoas da comunidade inventam teorias e histórias sobre ela e dizem que faz parte do sistema conspiratório governamental. A roda girando, saca?

Então, ela se pergunta: "Será que faz sentido tudo isso que acredito? Será que não estou fazendo igual fazem comigo?" Logo em seguida ela responde: "Não, no meu caso eu estou certa".

Quanto desse comportamento dela há em mim? Em você? Em mim, percebo que existe essa voz dizendo: "Eu confio em mim. Eu tenho princípios diferentes dos outros. Nobres. Sinceros. Eles não. Então, posso relativizar sim."

Tudo isso, pra mim, veio nas sutilezas das trocas. Das falas.

Sigo sem acreditar na ideia de a terra ser plana, viu. E quando assisti, saí um pouco mais consciente dos padrões de comportamento que tenho, na esperança desta consciência me ajudar a engajar em diálogos saudáveis com o diferente.

Transitar entre os lados e perspectivas de uma história, aberto ao contato e com intenção de conexão. Sem deixar de lado o que acreditamos, mas nos permitindo ser tocados pelo que o outro crê. Nos escutarmos e dialogarmos. Eita habilidade necessária para tempos atuais. Tô engatinhando nela. E como é difícil aprender a andar.

E se você chegou ao final do texto achando que ele é sobre a batida discussão de a Terra ser plana ou não, volta lá no começo. Lê com mais atenção.

Arrogância. Falta de escuta. Intolerância. Brasil, 2020.