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Milo Araújo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Empatia, palavra pouco conhecida por motoristas

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Imagem: iStock

Milo Araújo

09/07/2021 06h00

Psicologicamente falando, empatia é a capacidade de você sentir o que uma outra pessoa sente caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela, ou seja: procurar experimentar de forma objetiva e racional o que sente o outro a fim de tentar compreender sentimentos e emoções.

A ciclista profissional Ana Polegatch recentemente postou em sua rede social uma ação em parceria com uma empresa, na qual seus prestadores, motoristas de caminhões, pedalaram em uma bicicleta ergométrica enquanto outro colega seu de profissão passava ao lado dirigindo um caminhão. Bem rente ao suposto ciclista, tirando aquela fina, simulando o que geralmente acontece no dia a dia do trânsito da cidade, em rodovias onde geralmente ciclistas como a Ana usam para treino de longas distâncias.

O vídeo, que viralizou entre ciclistas nas redes sociais, impressiona. Não tem um que não se assuste com a situação ali emulada. Situação vivida por muitos ciclistas e por eles, motoristas. A inversão de papel parece surtir efeito. Todos motoristas ficam desnorteados com a situação e parece que levaram a experiência com eles, pensando duas vezes ao passar ao lado de um ciclista.

Existem mais bicicletas do que carros no Brasil. São cerca de 50 milhões de bikes contra 41 milhões de automóveis, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Apesar disso, apenas 3% das viagens diárias no país são realizadas por ciclistas, enquanto 25% são feitas com automóveis, segundo a Agência Nacional de Transportes Públicos (ANTP). O risco de morte é um dos principais motivos para esses números.

A quantidade de atropelamentos de ciclistas cresceu 45%, passando de 1.064 óbitos em 2012, para 1.545 em 2018, conforme a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet). Quase 10 mil internações hospitalares foram registradas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2012, o que gerou R$ 115 milhões em gastos para tratar traumas ocasionados em colisões com motocicletas, automóveis, ônibus, caminhões e outros veículos.

Na última década, mais de 8,5 mil ciclistas morreram em acidentes de trânsito. Apenas três estados brasileiros concentram mais de um terço dessas mortes; São Paulo lidera com pouco mais de 17% do total, seguido do Paraná com 9,6% e de Santa Catarina com 9,3%.

Segundo os dados analisados, 84% dos ciclistas tratados são homens e metade tem entre 20 e 49 anos de idade. Foi registrado um aumento acentuado no número de internações em Rondônia (1.400%), Sergipe e Mato Grosso (1.200%) entre 2012 e 2018. E apenas cinco estados apresentaram redução no período: Piauí (-86%), Pará (-28%), Alagoas (-9%), Bahia (-4%) e Paraná (-2%).

A Abramet aponta que a ausência de infraestrutura adequada nas cidades, combinada com a falta de campanhas educativas e de prevenção voltadas aos ciclistas, são os principais motivos do crescimento dos indicadores de acidentes fatais.

Campanha como essa que a Ana Polegatch apresentou não é nova. Já houve campanhas imersivas como essa em São Paulo, em 2011, com motoristas de ônibus pela SPTrans. Mas essa prática deveria se tornar mais difundida para que os motoristas tomassem mais consciência e zelassem pelo ciclista.

Se houvesse mais campanhas como essa, com enfoque na educação de motoristas em larga escala, esses números com certeza diminuíram expressivamente, e os gastos para tratar de traumas poderiam ser melhor aproveitados em inovações no plano viário. Nada melhor do que se colocar no lugar do outro para o ser humano evoluir.