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Milo Araújo

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Conheça a Malungada, grupo que quer mais gente negra andando de bike em SP

Malungada - Reprodução/Instagram
Malungada Imagem: Reprodução/Instagram

Milo Araújo

Colunista do UOL

03/09/2022 06h00

Hoje vamos começar uma série de pequenas entrevistas com alguns pedais que atuam na cidade de São Paulo. É importante frisar que existe um número sem fim de pedais por aí, então fico aberta a sugestões! Os que vão aparecer por aqui são só um fragmento da enorme cena ciclística de SP.

Nosso primeiro entrevistado é o pedal Malungada, pelo qual tenho carinho especial. Sou frequentadora assídua e membro fundadora. Entrevistamos Fernanda Najah e Daniel Silva Carneiro, também membros fundadores.

Milo Araujo: O que significa "Malungada"?

Daniel Silva Carneiro: Primeiro tem a própria etimologia da palavra, que vem de malungo: forma com a qual as pessoas africanas escravizadas se referiam entre si na travessia pelo Atlântico, quando realizada na mesma embarcação. Este é o sentido-origem do termo: esse companheirismo sob um contexto específico de circunstâncias adversas compartilhadas. Com o tempo, a palavra foi ganhando também o significado de pessoa camarada e companheira, aquela que está presente em nossas vidas, participando de nossas vivências, experiências, fases e acontecimentos, ou seja, como alguém que nos acompanha em nossa jornada.

O outro sentido de Malungada, partindo da nossa trajetória enquanto pedal e agora enquanto nome do grupo, seria o dessa junção de malungas e malungos na cena do ciclismo na cidade de São Paulo e região, que compartilham, sim, um mesmo contexto de circunstâncias adversas impostas: o racismo, porém, graças a muita luta de quem veio antes, temos a opção escolha de nos juntar e, a partir disso, nos movimentar (no sentido mais amplo possível) e assim o fazemos, honrando a humanidade daquelas e daqueles que tiveram a sua negada e honrando a nossa própria.

Portanto, quando pensamos em Malungada, pensamos nesse encontro não tão ao acaso, mas alicerçado numa vontade muito grande de estar em comunhão com a malungada que está por aí e não se vê incluída no meio do ciclismo. Contudo, a essência que a Malungada tem extrapola o ciclismo, acreditamos que esse é só um pontapé para outras travessias que enfrentamos no dia a dia, em certos momentos, ao longo da vida e historicamente.

Milo Araujo - Como nasceu o pedal?

Fernanda Najah: A Malungada nasceu após o rompimento de alguns membros do grupo com outro pedal racializado que havia na cidade, em outubro de 2019. Começamos com pouco mais de 10 membros, pedais semanais e depois aderimos aos pedais nos fins de semana, de forma quinzenal. Na sequência veio a pandemia, ficamos um ano e meio parados, só nos encontrando virtualmente ou entre poucos membros, até que retomamos os pedais em setembro de 2021.

Como vocês se organizam?

Fernanda: Temos algumas frentes de atuação, como comunicação, eventos, quem organiza a confecção das camisetas e pensam em formas de rentabilização pro grupo. Não há uma liderança imposta, só pessoas que tomam algumas frentes quando conseguem se disponibilizarem.

Como é a organização do pedal?

Fernanda - Os pedais têm sido quinzenais, aos domingos de manhã. Por isso tentamos nos organizar ao máximo pra que aconteça, já que nos vemos com mais espaço de tempo. Na semana anterior ao pedal fazemos enquete sobre quem confirma participação, enquanto isso o grupo de comunicação confecciona a chamada do perfil no Instagram para que saia no máximo até quinta para quem não estiver no grupo do Whatsapp poder saber e se organizar pra participar. No dia nos encontramos na praça Roosevelt às 10 horas, damos uma hora pra todo mundo chegar, enquanto isso decidimos o trajeto e às 11 horas partimos.

Qual a importância da Malungada no cenário do cicloativismo?

Daniel: Visto que todo indivíduo é racializado, o fato da cena dos grupos de pedal ser predominante branca na cidade de São Paulo e região tem implicações também raciais. Assim, muitas pessoas negras não se veem fazendo parte, seja por questão socioeconômica (aí entra a questão de ter a bicicleta X ou Y, peça Z), por não morar em determinadas regiões ou por vivências e as próprias questões mais subjetivas do racismo.

Assim, a Malungada acaba sendo um aquilombamento no cicloativismo, buscando promover a inclusão racial da pessoa negra no ciclismo. Temos o desejo e planos de expandir nossas atuações no campo social também e nos aprofundar mais no debate da mobilidade urbana, com a perspectiva de que todas as realidades sejam levadas em consideração, principalmente dos setores mais marginalizados da sociedade.


Você pode encontrar a Malungada no instagram pelo perfil @malungadapedal