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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O racismo ambiental chegou com as caravelas dos colonizadores europeus

Desenho que representa a chegada das caravelas em Porto Seguro, Bahia - iStock
Desenho que representa a chegada das caravelas em Porto Seguro, Bahia Imagem: iStock

Mariana Belmont

Colunista do UOL

09/09/2022 06h00

Se voltarmos à história e olharmos o processo de colonização europeia nas Américas a partir de 1492, a gente percebe que as caravelas continuam rondando esses mares.

Este ano temos eleições no Brasil, temos Copa do Mundo e temos a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP27, que acontecerá em Sharm El Sheikh, Egito, um país que liga o nordeste da África ao Oriente Médio.

Estou na Colômbia para um encontro de organizações e lideranças da América Latina para falarmos sobre Segurança Climática, e a principal demanda é a vida das pessoas, do meio ambiente, dos territórios e do diálogo.

Sai provocada em pensar como avançamos enquanto movimento para que a natureza e a vida das pessoas esteja na centralidade das nossas discussões. Como vamos colocar os direitos humanos na centralidade dos debates climáticos, porque é cada dia mais central.

Eu pareço um disco arranhado, eu sei. Mas veja, sem garantir a vida nos territórios, cidade, campo ou floresta, qual o grande objetivo? Defender o lucro do mercado e de um colonialismo pintado de verde com um discurso liberal de salvar o planeta. Mas salvar o planeta ou os recursos que dão lucros para as empresas?

Em 2021, a Coalizão Negra Por Direitos esteve na COP26, na Escócia. Foi um momento fundamental para denunciar a situação de racismo ambiental que se vive nas cidades e no campo, movimento negro organizado pressionando e articulando para sentar nas mesas de decisão. Me lembro bem, estava aqui no Brasil acompanhando e apoiando muito de perto tudo, foi grande e importante.

Uma frase do meu amigo e liderança Douglas Belchior que me ajuda a olhar o futuro com consciência crítica sem esquecer a história, e em uma frase ele resumiu o que precisamos olhar: "Não dá para ser verde sem ser preto também".

Se olharmos o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), é importante olhar mesmo esses dados, porque são dados que escancaram o racismo ambiental, escancaram o que está acontecendo nos territórios. As pessoas mais afetadas pela crise climática são as que menos contribuem para o aquecimento do planeta. Os dados do IPCC mostram isso, nas regiões mais pobres e marginalizadas o número de mortes por secas, enchentes e tempestades foi 15 vezes maior na última década que nas regiões com mais infraestrutura.

Douglas traz na sua formulação coisas importantes para pensarmos o racismo ambiental, como a cor da pele de 56% da população, segundo o IBGE, determina a vulnerabilidade na crise climática.

"É uma experiência humana violada historicamente, de um povo escravizado por 400 anos e de uma sociedade que se organizou para manter esse povo no chão, sob julgo. Toda a estrutura social brasileira está baseada no racismo. Nós temos uma elite branca, supremacista em toda a sua estrutura social e financeira. Somos 56% da população brasileira, aquela que gera as riquezas, aquela que construiu o país, aquela responsável pelas contas ricas inclusive de quem financia espaços como a COP. Cada minuto de resistência dos povos originários desde a invasão em nossas terras, cada gota de sangue derramado pelo povo africano e seus descendentes em todo o período colonial e em uma democracia de mentira que meu povo continua sendo violentado. Nós estamos em luta, e hoje a Coalizão Negra Por Direitos simboliza a grande unidade nacional contra o racismo e por justiça climática".

Veja, não é de hoje. Não é uma conversa nova, um debate que é recente por causa das redes sociais, porque é divertido falar sobre violação de direitos no chão de onde as pessoas pisam. Ela acontece em toda América Latina, está em jogo territórios tradicionais e de produção de alimento.

Será que gostaríamos de realmente ouvir os povos indígenas, a população negra e todas as comunidades tradicionais e periféricas? A branquitude está preparada, estamos? Queremos ouvir, abrir mão das nossas credenciais e privilégios e deixar a nossa ignorância de lado. Sejamos responsáveis com a história.

Há urgência de se reconhecer que não há justiça climática sem justiça racial. Sem a inclusão do debate dos povos tradicionais, das comunidades quilombolas e do debate racial, vamos seguir para um modelo de neocolonialismo, modelo que prioriza a exploração do planeta e dos corpos.

"Não dá para ser ambientalista sem entender como as pessoas que historicamente constroem vida no ambiente convivem, vivem e fazem com que a vida tenha continuidade". E essa frase não é minha, é da minha professora Dulce Pereira, também da Coalizão Negra Por Direitos.