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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nova espécie de sapo é descoberta na Mata Atlântica da cidade de São Paulo

Nova espécie chamada "Sapinho-pingo-de-ouro" é descoberta na Mata Atlântica, em São Paulo - Leo Malagoli
Nova espécie chamada "Sapinho-pingo-de-ouro" é descoberta na Mata Atlântica, em São Paulo Imagem: Leo Malagoli

Mariana Belmont

24/06/2021 10h26

Imagina só a importância de um pequeno anfíbio que vive no chão das florestas que existem dentro da cidade de São Paulo? A descoberta faz parte da sexta espécie descrita de um grupo de sapinhos-pingo-de-ouro, e reforça a importância das unidades de conservação e outras áreas protegidas para a qualidade de vida da cidade e da biodiversidade no extremo sul da capital

A ciência batizou esse sapinho como Brachycephalus ibitinga. O seu primeiro nome é uma referência à sua aparente "cabeça curta". Esse gênero abriga atualmente 38 espécies, mas um grupo específico destes sapinhos-pingo-de-ouro chama a atenção por apresentar placas ósseas na cabeça e nas costas, e que, aliás, são fluorescentes sob a iluminação ultravioleta.

Já o segundo, é uma homenagem feita aos povos originários, com a união de duas palavras indígenas de origem tupi-guarani: yby + tinga, que juntas significam "terra branca", ou seja, uma referência à neblina que recobre as florestas da Mata Atlântica do extremo sul da cidade de São Paulo, região metropolitana e Baixada Santista, entre altitudes de 700 a 1000 metros acima do nível do mar, locais esses em que foi registrado.

Dia desses eu me lembrei de quando a gente sentava na escadaria do sítio do Jamil, perto de casa, e via a neblina chegar. Entre uma conversa e outra, eu e Lucas, um amigo de infância, comentávamos sobre como ela, a neblina, chegava rápido e ia embora depois de um tempo fechando toda a vida. Inclusive, foi o Lucas que me ensinou a chamar esse fenômeno de "cavalo branco" - a neblina em forma de cavalo chega e vai embora. Observar isso sempre foi um dos meus momentos favoritos. Em silêncio, imaginava a quantidade de vida ali escondida na neblina.

O novo sapinho-pingo-de-ouro foi registrado no Parque Natural Municipal Varginha, uma unidade de conservação de Proteção Integral, localizada nas margens da Represa Billings, no bairro do Grajaú, e que está inserida em outra unidade de conservação municipal, a Área de Proteção Ambiental - APA Bororé-Colônia, já falei dela aqui na semana da Mata Atlântica.

Sapinho - Juliane P.C. Monteiro - Juliane P.C. Monteiro
Na iluminação ultravioleta, o sapinho-pingo-de-ouro apresenta partes do corpo fluorescentes
Imagem: Juliane P.C. Monteiro

Luccas Longo, o biólogo e gestor da APA Capivari-Monos, área de proteção vizinha da APA Bororé-Colônia também na região, nos lembra que "destacar a importância fundamental das Unidades de Conservação municipais e outras áreas protegidas, sobretudo as localizadas na zona sul do município, para a manutenção da biodiversidade, geração do conhecimento, ciência cidadã, educação ambiental e na elaboração de estratégias locais para a conservação da natureza, já que essa espécie também deve ocorrer em outras unidades próximas, como a APA Capivari-Monos".

De fato, existem ao menos dois registros fotográficos do Brachycephalus ibitinga na região da APA Capivari-Monos que faz limites com o Parque Estadual da Serra do Mar, mas que "infelizmente não entraram no trabalho por não possuirmos nenhum exemplar coletado para uma análise mais cuidadosa, somente fotografias", complementa o biólogo Leo Malagoli, gestor de unidades de conservação da Fundação Florestal e um dos coautores do estudo publicado, que envolveu diversos pesquisadores e foi liderado por Thais Condez, da Universidade do Estado de Minas Gerais (UFMG).

Estudos como esse são fundamentais para entender a vida que ainda pulsa dentro das áreas protegidas. Os remanescentes florestais preservados estão muito próximos e ao lado de regiões que sofrem pela pressão da expansão urbana na cidade, e é essa vida da floresta que nos ajuda a ter territórios mais saudáveis e mais integrados com a conservação, mesmo que em uma cidade como São Paulo, vista só como cinza concreto. Mesmo agonizando, é a Mata Atlântica que protege os rios e o nosso ar.

E o Leo, um dos biólogos que citei acima, é meu amigo, amigo de uma vida dentro da temática da conservação, e é quem me ensina que não há vidas separadas por caixinhas dentro do planeta, está tudo conectado entre floresta, animais e seres humanos, tudo. É um caminho longo que a natureza faz para a existência humana. E ele é o cara que olha para dentro da floresta em busca de vida, e reforça a importância do Estado cuidar e preservar essa vida que a gente vê e finge que não vê.

Obrigada, Leo.

A descoberta do Brachycephalus ibitinga na ponta sul da cidade, dentro de unidades de conservação conectadas a processos de gestão de fato participativos, é para sorrirmos um pouco. Ela nos apresenta uma cidade desconhecida por tanta gente. O meu desejo é que sejamos responsáveis o suficiente para olhar para esse pedaço grande da cidade e ajudar a levantar a bandeira para a sua proteção integral. Se isso acontecer, podemos ter certeza de que muito em breve serão encontradas e descobertas novas espécies.

Falta muito, mas tenho aprendido a acalmar a esperança até que todos percebam a importância e centralidade da natureza na nossa vida. Tenho bastante confiança que aos poucos e de forma compassada vamos todos olhar para a urgência de cuidar do que é parte da nossa vida, das florestas que produzem água e ar para as cidades que acolhem a nós, seres humanos.

Finalizo agradecendo aos guaranis do território indígena Tenondé Porã, que resistem e cuidam das florestas da cidade de São Paulo, sem dar nenhum passo atrás.

*Minha coluna essa semana contou com a colaboração de informações e apoio de Leo Malagoli e Luccas Longo.