Eduardo Carvalho

Eduardo Carvalho

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Opinião

Não sei sobre a guerra em Gaza, mas conheço bem os conflitos daqui

Eu assumo: não tenho "opinião" formada sobre o que acontece em Israel e na Palestina. É sério, eu não tenho mesmo.

E, apesar de ser um colunista de opinião e vir neste espaço toda semana, também me permito o exercício de, em alguns momentos, encontrar quem me lê e dizer um simples "não sei". E isso está longe de ser o meme da Glória Pires.

Na real, não é que haja ignorância em relação ao conflito que faz soldados israelenses e extremistas do Hamas levantarem suas armas, uma camada de desconhecimento a respeito do que agora já vitimou mais de 1,8 mil pessoas. Pelo contrário: por pessoas muito próximas terem ligação na temática, o ensinamento veio praticamente "na base".

Mas reconheço que, quando árido e sem domínio total, eu silencio, para enfim me possibilitar um outro lado, o da escuta.

Só que é justamente quando ligo a TV para entender o que se passa nas trincheiras que meus tímpanos são estourados pelo arsenal que causa medo, pânico e dor a poucos quilômetros de distância de minha casa. Falo das operações que romperam a semana nos territórios da Penha, Vila Cruzeiro, Maré e Cidade de Deus, ambas favelas do Rio de Janeiro (onde a minha existência se explica e entendo como me torno ser).

Por suplicar humanidade, choro pelas mortes em Israel e na Palestina, mas minhas lágrimas também escorrem pela guerra que aniquila os daqui, nas favelas do Rio e de outros lugares do Brasil

Ao iniciar a semana da criança, sob as bênçãos da Padroeira, mais de 20 mil estudantes ficaram sem aula, além de outros serviços básicos, como acesso à atendimentos de saúde, trabalho e tudo aquilo que seria visto como atividade de "vida normal".

Talvez, aqui minha cabeça gire e as semelhanças com o outro lado do mundo expandam-se. Se lá existem soldados à defesa do Estado frente a grupos que usam da força para domínio de territórios, em nosso "patropi" temos polícia e?.civis armados, milicianos e mais quem possa.

Nesse descompasso, não há felicidade que se sustente, tampouco liberdade.

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Ninguém é feliz subordinado ao tráfico ou à milícia, muito menos a uma polícia que violenta ao invés de proteger

Assim como deve ser o sentimento no Oriente Médio. O papo é reto e só há um desejo: permanecer vivo, ainda que com seus altos custos. Não se tem escapatória, tá ligado?

Para onde olhamos, há mortes e, mais uma vez, sou chamado à emoção por só sentir pelas pessoas que partem, vítimas todos de um processo (in) civilizatório predador.

Por temer o aumento de armas, sua circulação e para onde caminhamos enquanto cidade —sinto pelo Rio, mas também por Jequié (cidade baiana mais violenta do Brasil e com uma recente chacina), pelo estado, pelo país e, porque não, pelo mundo.

Nesse amontoado de sentimentos, só mesmo cenas como a de Simone Biles e Rebeca Andrade dançando colorem as retinas, assim como faz brotar um riso passageiro o vídeo do feirante fazendo sua versão do hit de Bruno Mars. Quem dera a realidade fosse simples, generosa e bonita assim.

Por ora, sigo escutando, aprendendo e me solidarizando com nossos desafios diários que não são poucos, como a recente armada contra o casamento homoafetivo no país. Vejam, não nos falta o que defender.

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No topo do site de Ecoa, vejo o lema "Por um mundo melhor". Que assim seja.

Shalom.

...

P.S.: Agradeço aos anos compartilhados com Fred Giacomo, agora ex-editor-chefe de Ecoa, que parte para novos rumos profissionais.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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