Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por que jovens de 20 anos estão sendo vacinados na Alemanha? Entenda
Caro leitor, cara leitora, se você gostaria de mais um desses textos onde comparações desonestas são feitas entre realidades e economias completamente distintas, te peço desculpas de antemão pelo "clickbait". Responderei à pergunta do título logo: é por conta da economia do cuidado. Na coluna #DaQuebradaProMundo desta sexta-feira gostaria de te contar porque, aos 22 anos, eu já estou completamente vacinado, e questionar os porquês de trabalho social ser tão desvalorizado.
Na quarta-feira passada, dia 02/06 de 2021, fui vacinado com a segunda dose da Moderna. No auge dos meus 22 anos, enquanto estava na fila da triagem senti o olhar dos mais velhos se perguntando "o que esse moleque tão novo está fazendo aqui?".
Ao sentir a agulha perfurando meu braço também senti as dores de um Brasil que padece. Queria poder mandar a minha dose para a minha mãe, lá na favela da Torre, e proteger ela dessa realidade cruel que foi desenhada no Brasil. Doeu. Doeu e dói demais de saber que a minha exceção - ser devidamente vacinado - poderia ser a regra para grande parte do nosso povo, se não tivéssemos um negacionista no comando.
Só tive essa benção disfarçada de obrigatoriedade graças ao trabalho que realizo aqui na Alemanha: educação para crianças com deficiência, ou como eu prefiro colocar, aprendizado com crianças de plurais diferenças. Profissão essa, que faz parte da economia do cuidado.
O que é economia do cuidado? Muito bem definido, segundo Isabela Mena do Projeto Draft, "Economia do Cuidado (do original, em inglês, care economy) é um termo que designa o trabalho, majoritariamente realizado por mulheres, de dedicação à sobrevivência, ao bem-estar e/ou à educação de pessoas, assim como à manutenção do meio em que estão inseridas. Em âmbito doméstico, esse trabalho é invisibilizado e não remunerado. No meio profissional — terceirizado -, é mal pago."
"Terceirizado e mal pago". A realidade é que as raízes do sistema capitalista dominam e ditam as regras em qualquer canto do planeta, e na Alemanha não é diferente. No auge dos meus 22 anos consegui esse emprego como educador - mesmo sem ter um diploma na área - porque a cada ano que se passa o número de profissionais na área do Pflegewirtschaft ( economia do cuidado em alemão) só diminuem. Como indica a pesquisa da empresa alemã PWC, faltarão 40 mil cuidadores na Alemanha até o ano de 2030.
Mas por que esses trabalhos não são valorizados?
Um dos principais motivos para a desvalorização da economia do cuidado é pautada no sistema patriarcal que vivemos, onde o trabalho do homem - o que é valorizado financeiramente, esse do poder, da quantidade, da força - é tido como mais importante do que a mulher. Segundo Isabela Mena do Projeto Draft: "É por esse motivo e também pelo papel secundário imposto às mulheres no mercado de trabalho — cargos mais importantes, promoções e maiores salários são historicamente destinados aos homens e negados às mulheres — que a Economia do Cuidado é uma pauta cara a organizações e lideranças feministas do mundo todo."
Segundo pesquisa realizada pelo Lab ThinkOlga a economia do cuidado no Brasil "É um esforço que equivale a 11% do PIB. Mais do que qualquer indústria. E mais do que o dobro que todo o setor agropecuário produz." O trabalho de cuidados não pago das mulheres - e uma pequenina minoria de homens, onde estou incluso - equivaleria a 10,8 trilhões de dólares. Apenas 4 economias do mundo ficariam acima desse valor.
Na nossa cultura - enraizada em uma sociedade escravocrata - a maior parte das pessoas que exercem esses trabalhos são as mulheres negras, profissionais domésticas e cuidadoras. O trabalho de cuidado é invisibilizado pois interessa à manutenção dos privilégios essa invisibilidade. Quem ganha? Quanto a economia ganha não remunerando este trabalho? Como se conecta ao afeto, ao amor, não se enxerga que este é um subsídio para a economia existir da maneira que existe hoje.
Economia sem "noiz" é somente ficção
Em entrevista ao The Intercept Brasil, o economista Paulo dos Santos disse o seguinte:
Por que eu, empresário, tenho que pagar licença maternidade ou paternidade porque você decidiu ter filho e vai ficar fora para cuidar dele?", alguém vai dizer. Ora, você emprega pessoas? Sim. Pois é, alguém cuidou e educou essas pessoas, você já está se aproveitando desse trabalho que alguém desempenhou 25-30 anos atrás. Mas o pensamento econômico atual não considera esse trabalho, que não tem nada a ver com produtividade, como algo de valor: não tem valorização salarial, não tem prestígio, não tem condições.
Alinhando-me ao apontamento de dos Santos é que gostaria de finalizar esse texto propondo um debate: como será que nossas economias poderão incorporar o cuidado? Quando é que vamos compreender que a saúde e o bem-estar dos nossos pares são prioridade muito maior do que uma produtividade sem sustentação?
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